As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Saltar às Fogueiras

Um mês e uma semana depois da maratona do Luxemburgo tive finalmente o meu regresso a uma prova. E que regresso! Há qualquer coisa de especial nesta corrida que não se consegue explicar. Foi só a minha segunda participação (já fiquei 2 anos apeado por me ter atrasado com a inscrição),  mas não tenho problema nenhum em dizer que só não é a minha prova preferida por razões sentimentais - os 20km de Almeirim continuam a ocupar o primeiro lugar do pódio.

21:30, Peniche, 2300 atletas, dois foguetes rebentam e está dada a partida para a 35ª Edição das Corridas das Fogueiras!


Desde o Luxemburgo que tenho corrido pouco. Nas duas semanas seguintes fiz um autentico reset à corrida e desde então tenho aumentado suavemente o volume, incluindo 1 ou 2 treinos de fartlek por semana. O que não tem abrandado nada são os treinos de reforço muscular. Felizmente consegui meter na cabeça (e na minha rotina) os tais 3 treinos por semana e ainda não falhei nenhum. Os dias de andar dorido já passaram há muito e andava a sentir-me muito bem nas ultimas semanas, inclusivamente quando puxava pelo corpo durante os fartleks. Mas o primeiro teste a sério ia ser em Peniche. Não que esperasse bater o meu record dos 15km (até porque nem sei bem qual é eheheh), mas pela primeira vez em algum tempo fiz uma prova sem saber muito bem como estava o meu corpo.

Costuma dizer-se que aprendemos com os erros, mas não foi o meu caso. O ano passado disse a mim mesmo que ia para a partida pelo menos meia hora antes para evitar a confusão inicial, mas outros valores se levantaram (estava a dar o Colômbia - Uruguai, mundial é mundial...) e só fui para lá 15 minutos antes. Toda a gente que fez esta corrida já passou por isto - os primeiros 500m são um suplicio. É muita gente afunilada numa estrada estreita, é quase impossível correr a não ser que se parta nos 100 primeiros. No entanto não aponto isto como um defeito da prova. Pareceu-me ouvir o speaker dizer que para o ano iriam alterar o percurso para poderem ter mais gente. A ser verdade ficava triste. Esta confusão faz parte da prova, trocava 50 avenidas largas por aquela estrada estreita cheia de gente a apoiar sem problema nenhum! Enfim, o resultado de chegar tão tarde foi demorar quase 3 minutos a passar por baixo do pórtico e um primeiro quilometro 1 minuto mais lento que o mais lento dos outros 14. Mas isso interessa pouco, a viagem tinha começado!

Mais zigue zague, menos zigue zague, e do 1º ao 6º km lá consegui meter o ritmo que queria. Aliás, até estava uns bons 15s abaixo dele, mas sentia-me super bem! É aproveitar enquanto dá, até porque a Corrida das Fogueiras só começa verdadeiramente aos 6km. É por volta dessa distancia que passamos a 2ª de 3 vezes pela tal estrada estreita da partida, desta vez em sentido contrário, para nos enfiarmos dentro da cidade e começar o sobe e desce até chegarmos finalmente ao mar. 

É incrível o que passamos dentro de Peniche. A cidade sai verdadeiramente toda à rua para apoiar do 1º ao ultimo atleta! Não há nenhum sitio em Portugal assim, pelo menos que eu tenha visto. Toda aquela envolvencia resulta num boost brutal de adrenalina e nem mesmo o sobe e desce de ruas estreitas me abrandam o passo. Mas chegámos ao km 8 e era hora de subir, a mais longa longa do percurso, +/- 1km imagino eu. Foi nesta subida que mergulhámos finalmente na escuridão e começamos a melhor parte da corrida. 

Quero fazer aqui um apelo. Toda a gente, repito - TODA a gente que corre, tem que vir obrigatoriamente pelo menos uma vez às fogueiras. Está escuro? Sim, escuro de mais, assusta nem sequer ver a estrada. Está vento? Sim, uma ventania que nos empurra pra trás. Tem subidas? Sem dúvida, do inicio ao fim. O fumo das fogueiras às vezes intoxica? Yep, por causa do vento. Trocava estes 4 ou 5km por outra prova qualquer, seja ela qual for? É que nem pensar! Só nós, o som das sapatilhas a bater no alcatrão (há lá coisa mais bonita?), o barulho do mar e o crepitar das fogueiras. Estava de tal modo a gostar que quando vi finalmente a luz artificial, sinal que estávamos a voltar a Peniche, fiquei triste por a prova ter 15 e não 21km! Agora já só faltavam mais 2km e mais uma vez levávamos um banho de multidão e de apoio dentro de Peniche. Que contraste, que loucura de prova!

Entretanto lá fui olhando para o relógio e para surpresa minha nunca abrandei o ritmo daqueles primeiros 6km. O melhor de tudo é que me senti sempre muito bem a correr e subir e nunca tive a impressão de estar a chegar ao limite. Queres ver que os agachamentos e as pranchas resultam?? :)

Cruzei a meta com 1h02 (média de 4:05min/km). Não me lembro se é o meu melhor tempo aos 15km, mas a partir de agora vou considerar este o meu record! Esta prova merece esta lembrança, e para o ano que não há mundial, nem europeu, nem jogos olímpicos (convinha também que o Benfica não jogasse nenhum particular de pré-época eheheh), vou fazer por estar mais cedo na meta e pelo menos recuperar o primeiro minuto.

Em suma, foi uma noite muitissimo bem passada. Como sempre com as minhas miúdas e desta vez com a companhia dos meus cunhados. Que fique já aqui dito - para o ano, nem que seja de muletas, vou voltar a saltar às fogueiras!




quinta-feira, 19 de junho de 2014

Um pé à frente do outro?

Sempre ouvi dizer que correr era só por um pé à frente do outro. Será mesmo?

Ora bem, a pedido de várias famílias (na verdade foram só 2 ou 3 pessoas..) vou fazer um post sobre os já famosos exercícios de reforço muscular. Acho que é universalmente aceite que para se evoluir, mesmo a nível amador como o nosso, temos que fazer mais do que correr na rua. Mais cedo ou mais tarde todos vamos sentir necessidade disso. Seja para evitar lesões, para aumentar a resistência ou para aguentar melhor aquelas subidas lixadas numa prova de trail.

Para começar, quero frisar bem um ponto:

Estou (MUITO) longe de ser um entendido na matéria. Na verdade só faço este tipo de treino há três semanas, tudo o que sei foi por conselhos de um amigo, ele sim um expert já com muitos agachamentos nas pernas. Posto isto, não esperem deste post explicações biomecânicas ou citações de artigos científicos para comprovar os meus pontos.

Voltando aos exercícios. Como disse, só faço isto há três semanas, por isso ainda tive nem tempo nem um verdadeiro teste para confirmar se a coisa resulta. A única coisa que neste ponto já posso afirmar é que se na primeira semana andei completamente empenado, a roçar a invalidez, nesta altura já aguento muito melhor as repetições e nem ando dorido.

Os meus treinos baseiam-se num principio: faço 3 conjuntos de 3 exercícios, e repito cada conjunto 3 vezes. No total, não demora mais que 30 minutos. Não os faço num ginásio, mas sim em casa ou num jardim em Almeirim. Nesta altura ando a fazê-los 3 ou 4 vezes por semana, mas penso que no futuro ficar-me-ei pelas 3, precisamente nos 3 dias por semana em que faço descanso activo (6km de corrida a ritmo lento, que cumpro depois dos exercícios).

Quando comecei, andei algum tempo aos papeis a tentar perceber que tipo de exercícios deveria fazer, por isso, para ajudar quem também quer começar, vou deixar um exemplo de um tipo de treino. Atenção, isto é só UM exemplo, existem combinações quase infinitas de exercícios, é só fazer uma pesquisa rápida por "plank", "squats" ou "crunches" no google. O número de repetições depende muito de cada pessoa, como disse, não sou um entendido na matéria. Vou indicar as que faço nesta altura, que penso ser de um nível bastante baixo. Acho que cada um depois deve adaptar às suas capacidades.

CONJUNTO 1

Exercício 1
Prancha simples - 1 minuto

Exercício 2
Apesar dos seguintes serem dois exercícios diferentes, eu considero-os só um, e faço tudo de seguida. Atenção, nos agachamento é importante que os joelhos não passem para a frente dos pés. Tem que se esticar o rabo.


Agachamentos com salto - 20 vezes
Agachamento normais - 20 vezes

Exercício 3
Prancha lateral - 30s de um lado, e sem parar o cronometro, 30s do outro. Tenho tentando levantar a perna que está por cima nos últimos 15s de cada volta.

Ok, este foi o CONJUNTO 1. Como disse, repito cada conjunto 3 vezes. Este primeiro conjunto costumo fazer um pouco mais leve que os outros dois, para aquecimento. Depois de repetir o conjunto três vezes passo para o conjunto seguinte.

CONJUNTO 2

Exercício 1
Não sei o que chamar a isto... É uma flexão de braços, e quando se estica os braços levo a perna à frente como a senhora está a fazer. Repito 20 vezes (10 vezes cada perna)


Exercício 2
Aguentar durante 1 minuto. 30s com as duas pernas no chão, 15s só com uma + 15s com a outra, tudo de seguida. Esta doi :P


Exercício 3
Deixar cair as pernas lentamente para a frente, sem que toque no chão, e voltar a subir. 20 repetições.


CONJUNTO 3

Exercício 1
Este chama-se Burpee e pelos vistos é muito famoso entre os praticantes de cross fit. O principio básico é que o peito tem que tocar no chão e na fase final temos que levantar os dois pés. Começamos com um agachamento, mãos no chão, pernas empurradas para trás, uma flexão, puxam-se as pernas novamente para a frente, e termina-se o agachamento com um salto. Repito 10 vezes.

Exercício 2
Aguento nesta posição 30 segundos. Depois, sem desligar o cronometro, levanto uma perna e aguento 15s, e depois mais 15 com a outra. Total - 1 minuto.


Exercício 3
Não encontrei nenhuma fotografia que exemplifique este exercício, por isso vou tentar explicar. Comecem na posição de prancha simples, levantam o braço direito e deslocam-no para a vossa direita. Pousam-no e voltam a levantar e trazer para a posição original. Repetem o mesmo com o esquerdo. 10 vezes cada braço.


Pronto, estão feitos os três conjuntos. Não se esqueçam, repitam 3 vezes cada conjunto. Como disse, isto é só um exemplo, existem milhares de exercícios que podem ir metendo nos conjuntos para a coisa não se tornar monótona. O meu primeiro grande teste a esta forma nova de treino vai ser nos 50km de Sintra. Depois logo digo se resulta ou se isto é só uma desculpa para ver imagens na net de miúdas a fazerem pranchas :)


segunda-feira, 9 de junho de 2014

Mudar de vida

Ok.. o título do post é dramático, não é bem uma mudança de vida...

Sim. Tenho uma fotografia do Variações no meu blog. Lidem com isso.

Como sabem, se têm acompanhado o meu blog, a preparação para a maratona do Luxemburgo correu +/- por diversos factores. Desde uma lesão chata na anca a viroses múltiplas patrocinadas pela minha rica filha, mas principalmente por falta de motivação para treinar, particularmente treinos longos. No entanto, lá fiz a prova adaptando o ritmo às minhas capacidades físicas, e a coisa acabou por correr muito bem! Ah, já agora, depois de publicar o relato da prova fui reler o texto e fiquei com medo de transmitir a ideia errada. Pode parecer, pela carga dramática, que não gostei da prova por ter sofrido daquela maneira. Muito pelo contrário, adorei a maratona, e foi mesmo das que me deixou melhores recordações! Bem, isto para dizer que se andava pouco motivado, assim que acabei a prova fiquei com os depósitos de motivação completamente atestados! E o que é que se faz quando se está a flutuar numa nuvem de endorfinas e eufórico com uma prova?!? Ora pois...toca a inscrever noutras!!

É aqui que entra a parte do mudar de vida. De facto, estou com doses extra de motivação, no entanto apetece-me muito embarcar em novos desafios que não voltar a treinar para uma maratona. Vou deixar a sétima para o ano que vem, novamente no estrangeiro (tenho que por em prática o manual para provas no estrangeiro).

Ok, vamos lá ver a equação: 

Vontade de correr em trilhos + euforia recente pós maratona = ???

Sim, adivinharam. Igual a inscrições em provas de trilhos à bruta e como se não houvesse amanhã!!

Vamos lá então ver o calendário:

28 de Junho - Corrida das Fogueiras em Peniche - Caaaaalma, eu sei que esta não é de trilhos! Mas é das minhas favoritas e não quero perder a oportunidade de a fazer outra vez. Desta vez não me deixei atrasar nas inscrições (dorsal nº10 eheheh). Tenho a certeza que vai ser uma noite muito gira passada com familia e amigos, até a Sara vai à mini! A lavagem cerebral começa a dar os seus frutos..

6 de Julho - Trail do Almonda (30km) - Diz que vai estar quentinho.

19 de Julho - Trail do Monte da Lua (50km) - Quanto a esta prova gostaria de culpar agradecer ao Rui Soeiro que diligentemente foi plantando a semente em comentários, ao melhor estilo do Inception, até ser inevitável mudar a minha inscrição dos 25 para os 50km. Vai ser o meu grande teste e é aqui que vou tirar a limpo se realmente tenho gosto pelos trilhos ou não. Estou muito ansioso por esta prova.

2 de Agosto - Trail Nocturno da Lagoa de Obidos (50km) - No dia da maratona do Luxemburgo cheguei a casa dos meus amigos perto das 23. À meia noite desse dia abriram as inscrições para essa prova. À meia noite e um quarto estava inscrito. 

Entretanto, e de maneira a não repetir o sofrimento que passei no Ultra do Zêzere o ano passado, decidi começar a fazer treinos de força em casa. Pedi ajuda ao meu amigo João Pedro (o que fez a Transgrancanaria e este fim de semana meteu-se nas 100 milhas do Oh Meu Deus), que me deu uns esquemas para fazer em casa. Depois de três dias de agachamentos, pranchas, flexões e abdominais, tenho a apresentar os seguintes resultados:


  • Não consigo levantar os braços para lavar a cabeça no banho;
  • Não consigo rir nem tossir sem me doerem os abdominais;
  • Entrar e sair do carro é uma tarefa equivalente a arrancarem-me unhas com um alicate.


Acho que estou no bom caminho!


segunda-feira, 2 de junho de 2014

ING Night Marathon Luxembourg

Imaginem-se numa praia da nossa costa atlântica, num dia de 30ºC, que baixam para 25 ao pé do mar. Agora imaginem-se à beira mar, com os pés de molho que se vão enterrando à medida que as ondas vão e vêm. O sol disfarça os arrepios de frio provocados pela spray das ondas e por uma ligeira brisa fria que sopra. Um dia de verão perfeito! Mas algo está mal... Estão umas 30 pessoas à beira mar mas só 2 ou 3 dentro de água. Estás com calor e pensas em mergulhar, mas olhas para o mar e vês que as ondas estão a rebentar furiosas mesmo junto à praia. Lá ao fundo vês as outras ondas, maiores, a rebentar. Sentes imediatamente um enorme respeito pelo que tens à frente, pelo imenso mar. 

Era assim que estava no sábado às 18:30, meia hora antes de partir para mais uma maratona. A 200 metros via o pórtico de saída, sabia que bastar-me-iam dois minutos para passar por baixo dele, sabia que a partir do momento que o passasse não havia volta a dar. Como quem passa pela rebentação e se vê a uns metros da praia, assim que o transpusesse estava no mar, ia ter que nadar até ao fim, desse por onde desse.

A ING Night Marathon é um grande acontecimento no Luxemburgo. Cerca de dez mil pessoas (mil e poucas na maratona, algumas na corrida por estafetas e a grande maioria na meia) saem à rua para percorrer as ruas da cidade. Cidade essa que não é maior que, por exemplo, a nossa Almada ou Braga. Tem um centro histórico pequeno muito giro e depois várias bairros residenciais à volta. Ah, e depois tem outra característica que vai adquirir alguma importância nesta crónica: não sei se em toda a área da cidade existe alguma rua que seja plana!

Eram 19.00 quando se deu a partida da prova, numa zona nova um pouco afastada da cidade, imaginem a expo em Lisboa. Com o sol ainda a pique, temperatura a rondar os 20ºC, os 10 mil atletas partiram juntos, o que aumentou um pouco a confusão, mas nada de especial. Ruas largas trataram de escoar rapidamente toda a gente e não demorou muito até entrar no ritmo a que me tinha proposto fazer a corrida. Apesar da pouca experiência que tenho, é a suficiente para conhecer bem o meu corpo e principalmente respeitar a maratona. Sabia exactamente os meus limites e o máximo que poderia dar. A ideia era não fazer um tempo miserável, mas o suficiente para chegar ao fim e saber que dei tudo o que tinha, aproveitando para explorar a cidade e o ambiente. Era esta a minha estratégia planeada ao pormenor nas ultimas semanas, mas eram 19h, o tiro de partida tinha sido dado, nas colunas tocava a já gasta "I gotta feeling" e o pórtico estava a menos de 100 metros. Avanço devagar, respiro fundo, carrego no start do cronometro, e mergulho. Está na altura de passar a rebentação.

Assim que dou os primeiro passos de corrida sinto que a minha cabeça vai rebentar, aquela dorzinha irritante que apareceu depois de almoço, e que eu fui atribuindo à ansiedade, rebentou com toda a força assim que comecei a correr. Com o sol forte de frente, fui semi-cerrando os olhos, mas ela estava lá para ficar. Correu mal a passagem da rebentação, calculei mal o fim do set e quando ia a correr uma onda mais forte fez-me tombar, mas não havia volta a dar, é dar às pernas e esperar que passe.

Mergulhei finalmente por baixo da última onda. Já estava junto dos 2 ou 3 que via da praia, depois da rebentação, naquela zona onde podemos relaxar, deixar o corpo a flutuar e aproveitar o balanço da ondulação. Às vezes até arrisco boiar e fechar os olhos durante uns segundos. Os primeiros 10km de uma maratona são assim. Se formos com juízo, o ritmo inicial é muito abaixo das nossas capacidades numa corrida de 10km, nem damos pelos quilómetros a passar e vamos praticamente sem esforço, como se fosse a própria estrada a passar por nós, sem esforço, sem pensar, só prazer!

O percurso da maratona do Luxemburgo é o melhor que já fiz até hoje. Não, não é de todo plano, não há estradas largas para correr nem avenidas compridas. Aliás, se excluir os primeiros 3 ou 4km na zona nova da cidade, não passei por nenhuma recta com mais que 300m. Um suceder sem fim de subidas e descidas, curvas e contra-curvas, caminhos em parques, no centro da cidade, na periferia, passo por cima e por baixo de pontes, sem cruzar ou passar pelo mesmo sitio e nunca, nunca monótono! Mas o que me surpreendeu muito foi a participação das pessoas. Eu pensava que já tinha visto tudo em Sevilha e Barcelona, mas ontem fiquei com a impressão que toda a cidade saiu à rua para apoiar os atletas, absolutamente incrível a quantidade de gente que puxava por nós como se estivéssemos a liderar a prova! Se no centro eram aos milhares aos gritos, a formar corredores humanos, nos bairros residenciais era rara a casa que não tinha uma mesinha à frente, com um churrasco, e famílias inteiras alegremente a puxar pelos atletas enquanto faziam uma refeição e bebiam uns copos. Uma dezena de bandas de percussão espalhadas pelas ruas alegravam as hostes e foram às centenas os high-fives que distribui pelo caminho, fiz questão de não deixar ninguém pendurado! Quer dizer, não é bem assim, a certa altura vi dois miúdos de braço estendido, um com a camisola do Porto e outro com a do Benfica, adivinhem quem levou o high five mais sentido da noite ;) Os abastecimentos estiveram ao nível da prova, excelentes! Nunca tinha visto tantos e tão completos, desde o primeiro que contavam com água, isotónico e vários sólidos, nunca distanciados por mais que 5km, alguns bem menos que isso.

Os primeiros 28km da prova passaram assim, tranquilos. A dor de cabeça não me deu tréguas, mas sentia-me bem fisicamente. Mantive o ritmo com um rigor de relógio suíço e a estratégia estava a dar certo, sentia um certo desgaste nas pernas mas não me custava correr. Chegámos então ao km 29. 

Estava ainda a aproveitar o mar o baloiçar das ondas quando uma nuvem grande começou a tapar o sol que me estava a aquecer. Ao passar o km 29 entro numa descida muito inclinada com 1km de extensão. O declive forte massacra-me as pernas que já estavam cansadas. Sinto-me solto a descer, relaxo os braços e respiro fundo. Uma grande descida só pode significar uma coisa - vem aí uma subida.

Quase imediatamente sopra um vento forte mais frio que empurra o spray de uma onda que rebentava lá ao fundo. De repente sinto uma corrente forte a puxar-me mais para dentro do mar, estico o pé e toco no chão, há pouco não estava lá. Lá ao fundo vejo uma sombra negra a crescer e a aproximar-se, olho para trás e as pessoas na praia estão serenas a conversar, volto a olhar para a frente e a sombra está maior. Uma ligeira sensação de pânico assola-me. Começo a nadar em direcção a ela e vou olhando em frente, está maior. Está a formar-se uma parede, um muro negro que me puxa, cada vez com mais força.

Os três quilómetros seguintes são feitos no vale de Grund, depois da descida. O caminho é espectacular, carreiros com 2m de largura que serpenteiam ora dum lado ora do outro do rio. Passo por baixo das pontes altíssimas que atravessei ainda à pouco. As pernas ressentem-se da descida, mas vou aguentando o ritmo. O gel que tomei aos 30km deu-me algum ânimo, foi o terceiro, tomei outro aos 10km, aos 20 e voltarei a tomar aos 38km. Começo a ver as primeiras baixas à minha volta, o que desmoraliza um pouco.

Aos 33km surge uma subida que transforma esta maratona num verdadeiro trail urbano. Muito inclinada, com escadas, zigue-zague e longa, muito longa!

A parede está a ficar definida. Um verdadeiro monstro cinzento que parece sugar tudo à volta. Ela aproxima-se e eu sou atraído inevitavelmente a ela. 

Saí do Grund e voltei ao centro da cidade, onde estão as multidões que nos dão uma força extra. No entanto ele deixou-me marcas, já não corro com prazer e a minha cara deve transparecer isso num esgar de sofrimento, porque vejo as pessoas a puxar por mim como nunca. Estou no 35º km e contínuo a subir, agora por entre ruas estreitas no centro da cidade. Nesta altura já faço contagem decrescente para o fim, faltam 7km, quase nada!

Voltei à zona nova da cidade, no único sitio que dobra o percurso, os tais 4km inicias. Tomo o ultimo gel no abastecimento dos 38km e preparo-me para enfrentar quase 2km de uma subida ligeira mas constante. 

O monstro cinzento mostra-se agora em todo o seu esplendor. Não lhe vou escapar, penso. É impossível. 

Olho para o chão enquanto corro. Ok, não era bem correr, praticamente andava enquanto abanava mais os braços! Havia pouca gente inscrita na maratona, por isso ia praticamente sozinho. Aquela avenida grande com edifícios modernos dos dois lados, que há bocado passou despercebida era agora uma estrada infinita, deserta, sempre a subir. As pernas pediam que parasse. Pediam descanso, pedi de mais delas, 40km já era de mais, já chega!! 

41km, continuo a subir. Não percebo, de todas as maratonas que fiz quando cheguei aos 40km senti sempre uma energia extra, como se aqueles últimos 2km já não contassem! Mas naquele dia não, havia qualquer coisa mal....

Era agora o tudo ou nada. Ouvia a parede a desmoronar ao meu lado, parecia um trovão! Tinha que conseguir, um último esforço, vá lá!! 

Naquele último quilómetro todas as fibras do meu corpo pediam para parar, nunca passei por nada assim. Estava em modo automático, era um pé à frente do outro. Sentia cada passada como se fosse um filme em câmara lenta. 

Dou duas braçadas, uma última pernada, mergulho a cabeça por baixo da crista que já se tinha formado, o meu corpo é brutalmente impulsionado para cima.

41.7km. Estou a correr ao lado do pavilhão onde é a chegada. Lá ao fundo vejo a entrada, faltam 500m Filipe, está feito!

Sinto a onda a rebentar nas minhas pernas, a cabeça já passou. Abro os olhos, dou uma golfada de ar, consegui, passei!!

Os últimos 100 metros são corridos dentro de uma pavilhão enorme, música alta, fumo, luzes, centenas de pessoas. Na ultima curva vejo a Sara de braço no ar e esboço um grande sorriso, coisa que já não acontecia há uns 7 ou 8km. Foi com esse mesmo sorriso que passei a meta de braços no ar. Estava feita! 

Baixo a cabeça, desligo o cronometro, dou três passos atabalhoados e imediatamente agarro-me aos joelhos. Antes de partir combinei com a Sara que terminaria perto das 3h40. O tempo oficial foi 3h39m51s! A minha quarta pior maratona e vinte minutos mais lento que em Sevilha, mas fiquei tão ou mais orgulhoso que naquele dia! Foi uma prova duríssima, não só pelo percurso mas principalmente porque não estava tão bem preparado. 

Dei tudo o que tinha, sentia-me completamente esgotado. Nos bastidores da prova, onde nos davam comida e bebida, tive que me deitar 3 vezes no chão. Apetecia-me chorar com as dores que tinha, as pernas tremiam. Arrastei-me até me encontrar com a Sara que estava com a Maria Amélia ao colo e me abraçou. Agora sim, tinha chegado ao destino. Era altura de deitar o corpo na toalha e esperar que o sol me trouxesse de novo à vida.

Por enquanto a única foto que tenho da maratona. Na chegada, sentado no chão, mais morto que vivo, mas já ao sol :)