As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

20km de Almeirim 2018 - 13x20km com direito a urso.

Este domingo completei pela décima terceira vez os 20km de Almeirim. Já escrevi por aqui algumas vezes sobre os 20, não há muito mais que possa dizer. Ano após ano vejo a vitalidade de uma pequena cidade demonstrada numa corrida que já vai na 32ª edição.  Dizem que Almeirim é a terra da Sopa da Pedra, do melão, das caralhotas, do vinho... para mim é tudo isso, mas principalmente Almeirim é a terra dos 20. 

Outra coisa que me deixa orgulhoso e que, como até foi referido pelo presidente na câmara, garante a vitalidade e continuidade da prova é a participação massiva de atletas locais. Este ano eram 72 nos 20km a concorrer aos pódios do concelho. Uma espécie de prémios para os melhores da rua, mas deixem-nos ter as nossas motivações! Assisti de fora aos 20 durante muitos anos, até que em 2005 finalmente me estreei. É um orgulho ver anualmente este culminar de treinos pela terra, de excitação e antecipação e principalmente de alegria por ver amigos a estrearem-se ou a fazerem marcas melhores anos após ano. Nos dias seguintes parece que há um fenómeno local em que toda a população da cidade flutua numa nuvem de endorfinas. Desde atletas, a organizadores e familiares e apoiantes, todos falam com excitação de mais edição da nossa corrida. 

Este ano estava bastante frio e um vento forte e gelado, o que afastou muita gente da rua. Mesmo assim condições melhores que os 20 e muitos graus do ano passado! Tinha decidido há muito que devido a ter feito os 100km de Abrantes na semana anterior, os 20 seriam apenas para rolar e acompanhar algum amigo. Enfim, acho que já nem eu me levo a sério... A meio da semana passada, quando vi que as pernas ainda mexiam com alguma facilidade, decidi que ia ser a fundo. Como não há milagres tinha a noção que mais cedo ou mais tarde iria quebrar, por isso a estratégia seria adoptar um ritmo um pouco mais conservador na primeira metade e tentar adiar ao máximo a inevitável marretada.

O plano era ir até Santarém, 11km, a rondar os 4'10'' de média. Com o que não contava era o vendaval impressionante que apanhámos nos 5km de descampado até lá, principalmente em cima da ponte. Como eu às vezes acho que sou mais esperto que os outros, lá me ia posicionando atrás de um comboio de atletas a tentar apanhar menos vento de frente, mas acho que todos tiveram a mesma ideia. Quem diria... Já em cima da Ponte D. Luís não havia fila indiana que nos safasse, o vento lateral descarrilava tudo o que era comboio.

Fotografia da Fátima aos 4km. Ainda dava para sorrir e acenar para a foto
A coisa estava a resultar. Estava a sentir-me bem no retorno e o inicio um pouco mais rápido que o previsto compensou a perda de velocidade pelo vento, quando virei para Almeirim a média estava nos 4'11'' ou 12''. O melhor de tudo foi levar com o vento nas costas a caminho de Almeirim. As pernas soltaram-se imediatamente e os 5km até Almeirim foram feitos abaixo de 4'10'' sem grande esforço.

Entrámos em Almeirim aos 16km e comecei a pensar que talvez me safasse. Estava a escapar-me por entre os pingos da chuva com uma média interessante e a menos de 4km da meta. Tu queres ver que dá…

Isolado, com o vento pelas costas, a entrar em Almeirim
Com a entrada em Almeirim era altura de encher mais um pouco de chouriço para dar os 20km. Para mim, é o único problema deste percurso em comparação com o que nos levava a Alpiarça. Com o anterior, vindos de Alpiarça, era direto para a meta. Foi então que mesmo à entrada do 18º km apareceu um urso no percurso que me ia arrancando metade da barriga com uma patada. 

Pouco depois do urso me f....lixar
Uish! Foi do nada! Sem aviso prévio. Uma dor de burro brutal em todo o abdomen fez-me parar imediatamente, sem hipótese de lutar! Ainda tentei caminhar um passos mas nem isso, tive que parar por completo, dobrar-me e tentar controlar a respiração para passar a dor. Passado uns segundos lá consegui caminhar. Fi-lo por uns 100 ou 200 metros antes de arriscar a correr. Primeiro devagarinho e depois lá fui conseguindo relaxar e voltar a correr. Uau! Nunca me tinha acontecido de maneira tão fulminante! Claramente atingi ali o meu limite e o meu corpo travou-me sem dó nem piedade, não tive "pernas" para aquele ritmo, apesar de ter ficado lá perto.

Depois disso lá consegui voltar a ganhar velocidade até à meta e acabei a correr bem, mas ainda hoje tenho dores agudas na barriga. 

Reta da meta, fotografia da Sara
No final acabei com um tempo que me agradou, 1h25. Desde 2011 que não faço acima da hora e trinta. Longe do meu record na prova, que é 1h21, mas isso é doutro tempo, quando treinava exclusivamente para a maratona. 

Foi mais uma manhã excelente, onde tive o prazer de ver amigos a superarem-se e encontrar muitas caras conhecidas, inclusive aqui da blogosfera. Para o ano há mais e, aconteça o que acontecer, lá estarei.


Ah, pois, no fim ainda fui ao pódio com estes dois marmanjos do meu escalão, o M35 (eish, já não sou sénior, sou veterano). Mas, já sabem, este não conta, é só para o pessoal lá da rua :)

Aqui está a actividade no Strava e, já agora, passem aqui pelo meu Instagram. Ultimamente tem havido para lá coisas...

domingo, 21 de outubro de 2018

Trail Abrantes 100

O Trail de Abrantes é trail, mas não é trail. O Trail de Abrantes tem 2400D+ mas não tem subidas. O Trail de Abrantes tem muitos estradões, não é sky nem técnico nem de "dureza extrema", ou lá como se diz. O Trail de Abrantes não é nada disso e mesmo assim saí do Trail de Abrantes amassado como há muito não ficava e, melhor de tudo, completamente nas nuvens! Acompanhem-me nesta viagem de 13 horas pelos estradões do Ribatejo.

Primeira de muitas fotos nesta publicação da autoria do grande MIGUEL CADALSO! Que alegria é participar nas mesmas provas do Miguel :)
Não estava nos meus planos ir a Abrantes este ano. Queria fechar o campeonato Endurance com os 100km do EstrelAçor, mas umas dores chatas numa perna não me deixaram preparar bem para a Estrela e, com a substituição do UTAX pelo Abrantes 100, pareceu-me uma boa opção. 

Quem me vai lendo por aqui sabe que este não é de todo o tipo de percurso que costumo procurar, mas na verdade há muito que este tipo de desafio me aliciava, principalmente depois de ler os relatos do Perneta sobre os Caminhos do Tejo ou do Rui Pinho, sobre a PT281. Sabia à partida que seria diferente de todas as provas de 3 dígitos que já fiz, outras preocupações, estratégia ou variáveis. Sabia que é uma prova muito "rolante", que iria permitir correr do inicio ao fim (eu sei que há quem faça as outras também sempre a correr, mas eu não consigo). É uma prova sem subidas ou descidas, sem caminhos técnicos, altitude ou condições meteorológicas extremas. Basicamente a única preocupação é a progressão o mais rápido possível por uns longuíssimos 100km e o natural impacto tremendo que isso tem no corpo.

Os 5 elementos do GDP que correram os 100km, aos quais se juntaram mais uns quantos nas restantes provas.
A partida foi dada à uma da manhã no centro de Abrantes. Uma noite impecável, com o terreno regado há menos de uma hora e temperatura perfeita. Depois de um pequeno périplo pela zona histórica de Abrantes e uma passagem pelo Castelo, que não conhecia, lá descemos a encosta da cidade e atravessámos a ponte para a margem sul do Tejo. Os 200 e poucos participantes lá entraram então num trilho engraçado, que se prolongou por cerca de 2km. Não me apercebi logo da solenidade do momento, mas este foi o único trilho que pisámos em mais de 50km! 

2400+ distribuídos por 100km. Desta vez não me peçam para fazer os riscquinhos vermelhos!
Podem estar a estranhar eu ter dito que a prova não tem subidas quando o desnível positivo é de 2400 metros e estas se podem ver no perfil acima. Mas tenham em conta que a maior amplitude foi de cento e poucos metros. A verdade é que, com algumas excepções, as subidas passavam e nem se davam por elas. Principalmente na primeira metade, até ao Pego, toda ela feita de noite. Foi aqui que começaram as novidades para mim. Uma noite perfeita, estradões muitas vezes de areia molhada, muito macios, e eu a correr a um ritmo perfeitamente confortável. Frequentemente dava por mim a aumentar inconscientemente o ritmo. Foi essa a minha principal preocupação durante os primeiros 52km, correr, mas nunca entrar em esforço, sempre consciente que tudo o que fizesse ali teria repercussões lá para o fim. 

Por falar em novidades, foi uma noite com uma grande estreia para mim! Pela primeira vez na vida tive uma crise grande de diarreia durante uma corrida! Hãn, aposto que estavam desertinhos para saber disto. Que coisa desconfortável! Tive que encostar à boxe 5 vezes, sempre que saía de um abastecimento. Comecei a ficar muito preocupado, primeiro porque nunca me tinha acontecido e não sabia como lidar com aquilo e depois porque tinha consciência que estava a desidratar, mas beber água deixava-me mal disposto. Já desesperado comecei a perguntar envergonhadamente se alguém tinha um Imodium (só me lembrava da publicidade deles: acabe com a diarreia antes que ela acabe consigo), até que finalmente o André Ferreira do Caracol me arranjou! Lá tomei aquilo e, milagre, a coisa foi estabilizando até que finalmente estava impecável! Salvaste-me a prova, André, obrigado!

Não volto a sair de casa sem isto!
A primeira metade da prova tem muito pouco que contar. Acho até que pela primeira vez não me consigo lembrar com exactidão do percurso! Na minha cabeça está tudo misturado, estradão atrás de estradão, mas consigo lembrar-me perfeitamente dos banquetes de casamen...perdão dos abastecimentos. Que. Exagero. Fez-me lembrar os abastecimento do Sicó, em 2015. Só para terem uma ideia, no primeiro, aos 9km, comi 4 croquetes e duas talhadas de melancia. Em todos havia enchidos de toda a espécie, sopa, melancia e sei lá mais o quê. Muito bom ambiente, muita gente a assistir e a dar apoio (os abastecimento eram em vilas) e num deles até havia uma banda de garagem de uns putos a tocarem a Yellow, de Coldplay! Como era uma prova rápida e tinha muitos abastecimentos, nunca demorávamos muito a passar de festa para festa e a verdade é que isso foi muito motivante. 

A prova estava a ser exactamente como eu pensava, uma progressão rápida vila atrás de vila, sempre por estradão, sempre a alternar um trote lento com caminhada quando o terreno inclinava um pouco mais. Cheguei à base de vida (52km), no Pego, com 6h10 de prova, o que dá um ritmo médio de cerca de 7'/km. Mesmo com a paragem em todos os abastecimentos acabei por conseguir fazer os 52km em ritmo de corrida e sentia-me bem, apesar de naturalmente já estar um pouco moído. Comi duas taças de caldo verde, troquei de t-shirt mas deixei as sapatilhas. Estava a estrear uma Saucony que consegui por 50% de desconto, que é a minha característica preferida no calçado, mas os pés estavam em bom estado. Pensei que tinha acertado outra vez (nunca tinha usado Saucony), mas não trocar foi uma opção errada. Acabei por perceber isso umas horas depois. 

Do Pego partia a prova de 50km, em comum com os 50km finais da prova grande. Esta é a foto do Miguel da partida.
Saí muito revigorado da Base de Vida. Demorei-me lá cerca de 15 minutos, o suficiente para o sol clarear um pouco e já não precisar do frontal. Parti cerca de meia hora antes da prova de 50km, o que também me deu ânimo. Tinha alguns amigos nessa prova e ser passado por eles e outros era uma boa distracção. Tinham-me dito que a segunda metade era mais difícil, o que se veio a revelar principalmente nos 25km finais, e a verdade é que a batalha estava prestes a começar.

Logo a seguir à Base de Vida: um trilho! Foto M.C.
Apesar do trilho da fotografia acima, os primeiros 25km desta segunda metade não foram muito diferentes dos outros 52, apesar de termos apanhado um ou outro trilho. O primeiro classificado dos 50km passou por mim aos 60 e poucos km, ia ele com 10km em 40 minutos! Logo a seguir, em 2º, passa o meu amigo Tiago Godinho, do Caracol Apressado. Se não conhecem o blog dele, façam por isso! Além de um atleta brutal escreve que se farta e aposto que esta prova dele vai ser uma boa história. Cumprimentei os dois, dei-lhes um incentivo e eles responderam de volta. Ritual que cumpri com TODOS os que iam passando por mim "força, boa prova, vais bem!!". Alguns respondiam de volta: "força também, coragem!", como o grande Rui Luz. Mas para surpresa minha comecei a reparar que a grande maioria não dizia nada! Confesso que aquilo me deixou um bocado incomodado. É raro estar inscrito na distancia menor e ainda mais que nesses casos as provas se cruzem, como nesta. Aconteceu no Sicó este ano ou na Mitic o ano passado, fiz questão de dar uma palavra a todos os da prova grande que ia ultrapassando. Epah, censurem-me à vontade, chamem-me o que quiserem, não quero saber disso pra nada. Para mim é um questão de respeito. 

De volta à margem Norte do Tejo. Lembro-me de estar a passar nesta ponte e pensar que aquele passeio estreito podia contar como trilho ahah Foto do M.C.
Foi precisamente depois de passarmos nesta ponte, aos 70 e poucos km, que o percurso começou a alterar. Entrámos para um vale apertado por onde passa um afluente do Tejo (desculpem, não consigo perceber como se chama) e andámos mesmo em cerca de 1km de um trilho difícil num sobe e desce pedras num sitio muito bonito, onde não faltaram travessias do rio, cordas ou corrida em levadas. Haveríamos de passar mais uns quilómetros em zonas destas até ao fim, sem dúvida as zonas mais interessantes do percurso.

Grande fotografia, Miguel!

M.C.

M.C.
Com a alteração do tipo de percurso e o acumular dos quilómetros, naturalmente o ritmo também baixou. Os trilhos davam uma motivação extra e sempre que podia metia um trote leve, já não dava para mais. Passei a olhar muito mais vezes para o relógio e os metros custavam a passar, mas a perspectiva de fazer um tempo bastante melhor do que esperava motivava-me. Pela primeira vez numa desta provas levei a informação de ritmo médio no relógio e desde o inicio que andava a fazer contas de cabeça para saber até onde podia ir para cumprir o meu objectivo. 

Nesta altura comecei a ter o acompanhamento da Virgínia, que estava a dar apoio ao marido Luís, nos 50km. Foi bom ter uma cara conhecida em todos os abastecimentos. Esses continuavam a ser um exagero de comida! Até ao fim ainda comi sopa em mais dois abastecimentos, muito bom! 

Com o Luís e uma taça de sopa na mão, num dos abastecimentos
Iniciei a contagem decrescente muito cedo, ainda deviam faltar uns 40km. Comecei a ficar ansioso com o ritmo que já não estava a conseguir manter, tive que dizer a mim mesmo várias vezes para não exagerar, que os momentos maus são apenas isso, momentos. Dali a nada conseguiria voltar a correr. Os metros foram passando e os naturais desconfortos foram crescendo, começando pelos pés. Há muito que os pés não eram um problema para mim, às vezes os 30 ou 40 euros que se gastam a mais numas sapatilhas compensam.... Também o calor começou a apertar o que aumentou ainda mais a urgência de acabar. Estava a entrar num lugar mau com toda esta ansiedade por isso foi uma ajuda enorme quando passei 15 ou 20 minutos da prova a conversar com um companheiro da Trofa (não fixei o teu nome, amigo, desculpa). É muito raro andar com alguém nas provas, mas sempre que o faço fico satisfeito porque realmente ajuda, os quilómetros passam sem darmos por isso e até nos esquecemos das dores. Deixei a companhia dele depois do ultimo abastecimento, a 9km do fim. 

M.C.
Neste último troço já cheirava a meta e, revigorado por mais um banquete que incluiu melancia, sentia-me bem e com força. Fiz os 9km finais praticamente sempre a correr, com os metros a passarem bem depressa no relógio. 

Entrei no estádio da cidade do desporto de Abrantes com 13h18. Muuuuito antes dos 15 horas mínimas que previa, o que deu um ritmo médio de 7'30''/km. A anos luz do que pensava que era capaz, o que me deixou nas nuvens!



Com o grande Hugo Água
Confesso: adorei a prova. Sempre achei que gostaria deste tipo de percurso e ainda fiquei com mais vontade de me meter numa aventura como os Caminhos do Tejo. Não é uma prova de trilhos nem de montanha, mas também não quer ser. É o que é: uma corrida de 100km, praticamente planos, onde lutamos desde o inicio com o nosso limite. A organização foi excelente, os abastecimentos nem vale a pena falar mais, mas tudo o resto esteve impecável, sem falhas. No fim ainda tomei um duche no que me pareceu o melhor chuveiro do mundo, nos balneários do estádio. 

Estou muito orgulhoso da minha prova, até o resultado foi anormal para mim. 31º em 200. Acabei completamente arrasado. Mais amassado do que em muitas provas de montanha! À noite estava com tantas dores que tive a fazer gelo nos joelhos e tornozelos e ainda tive que tomar um brufen porque estava ligeiramente febril. Foi uma tareia tremenda para o corpo e não fosse a nuvem de endorfinas que estou a navegar neste momento podia mesmo dizer que tinha sido um martírio! Com desnível ou não, com montanha ou não, com trilhos ou não, esta vai direitinha ali para aquela coluna do lado direito do blog que diz: "Hall of Fame - As Grandes"!

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

II Freita Sky Marathon - Tão mais que uma prova...

Apetece-me escrever tudo sobre este fim de semana, mas estou há uma hora em frente ao computador e não sei por onde começar. 

Apetece-me escrever sobre o plano louco de ir acampar com mais 10 adultos e 14 crianças para o parque de campismo mais incrível que já vi, no Merujal, topo da Serra da Freita. Um bosque plantado no meio de uma encosta granítica, bem lá em cima, nos 900m. Sobre os jantares, literalmente, em cima do joelho ou dos dias tão preenchidos que parecia que tinham 36 horas. Sobre os  passeios pelos PRs, guiados pela criançada. Da carne do Nino da Freita ou das noites mais geladas que já senti, nas quais nem 4 sacos-cama e uma família amontoada chegavam para aquecer o nariz.

Queria falar daquele passeio de carro que demos. Uma caravana de 5 carros, a aproveitar a ultima hora de luz do dia, numa daquelas estradas que se vêm nos filmes e onde não se sabe o que é mais impressionante: a parede do lado direito ou o precipício do lado esquerdo. 

Também não queria deixar de vos falar sobre a Serra da Freita. A inacessível, a agreste, a inacreditável Freita. Ninguém me convence que assim que passamos Vale de Cambra não entramos num portal que vai dar a outro mundo, a prova disso é que passámos 3 dias sem rede no telemóvel. Não, aquilo não pode ser do nosso mundo. 

Depois houve a prova, no domingo. O ano passado foi sem dúvida alguma o percurso que mais me surpreendeu, dos meus preferidos de sempre. Para o conhecerem melhor, aconselho-vos a ler o que escrevi o ano passado, porque desta vez nem saberia por onde começar. 

O percurso, esse, era igualzinho. Queria falar-vos sobre aquele crescendo brutal de emoções, ou dificuldade, não sei bem. Da gestão possível de uma prova que sabemos à partida nos vai mastigar vivos. Da sempre surpreendente transição do fundo dos vales xistosos para os planaltos graníticos. Do frio na barriga quando se desce para a Mizarela, da sensação de esmagamento quando olhamos para trás e vemos a água a escorrer na encosta. Do desespero da descida do PR7 até à base da ultima subida, uma crista vertical que nos leva de volta aos 900m.  Nenhuma outra prova me faz adiar até tão tarde a sensação de missão cumprida, foi preciso chegar até aos 41 de 42km, 2800m subidos e quase 7, para finalmente respirar fundo e sentir que estava feito, e bem feito. Provavelmente das provas que me correram melhor até hoje. O culminar perfeito de um fim de semana perfeito, que empurrou para um cantinho qualquer joguito de futebol nessa tarde.

Este post fica só como introdução, um dia vou falar-vos sobre isso tudo. Ou então não, se calhar fica  lá do outro lado do Portal de Cambra, naquele mundo que não é o nosso, é o da Freita.












segunda-feira, 1 de outubro de 2018

1º Grande Trail de Alpiarça - Justificadamente GRANDE

Achava eu que alguém se tinha esticado um bocado ao acrescentar o sumptuoso adjectivo "Grande" ao titulo desta primeira edição do Trail de Alpiarça. Afinal de contas, era Alpiarça... Não há montanha, tal como não há em Almeirim (as terras são vizinhas, distam 7km), não há grandes paisagens, nem ribeiros para atravessar, não há caminhos técnicos nem nada dessas coisas que confiram "dureza extrema" à prova, como agora está na moda dizer-se. Achava eu arrogantemente que, na melhor das hipóteses, estávamos perante uma competente prova de aldeia. 

Mas isso foi até chegar ao perímetro da Barragem dos Patudos, onde estavam os primeiros de dezenas de voluntários a envergarem t-shirts vermelhas que vi durante todo o dia e em todo o lado, dentro e fora do percurso. Até ver a impressionante estrutura montada na meta, até perceber como funcionaram de maneira eficaz e rápida os transportes de atletas para o Casalinho, onde estava a partida (a cerca de 10km da chegada). Eficaz como a logística do almoço, bem servido e mesmo junto à meta, por cima dos balneários das piscinas municipais, que estavam ao nosso dispor. Achava que era só mais uma prova de estradão, até estar a correr em quilómetros e quilómetros de trilhos exemplarmente marcados e abertos de propósito para o evento.

Achava que "Grande" era de mais. Que um "Trail de Alpiarça" chegava. Mas isso foi até estar a voltar para casa, já bem a meio da tarde, satisfeito, de alma cheia. Lembrei-me daqueles que vi passar por mim durante o dia, de t-shirt vermelha, com olhar concentrado e preocupado. Aqueles que passaram horas e horas nos últimos meses a construir e depois olear a máquina bem afinada que foi aquele dia. Aqueles que deixaram sangue, suor e lágrimas nos eucaliptais e campos de cultivo, que puseram a organização deste evento lá em cima nas suas prioridades do dia a dia. Tudo para que os mais de 400 inscritos nesta primeira edição fossem, tal como eu, de alma cheia para casa. 

Foi quando me rendi: o 1º Trail de Alpiarça foi Grande, sem dúvida. Foi Grande porque não falhou um milímetro, porque aproveitou a 100% as potencialidades do terreno e não deixou uma única ponta solta do que podia controlar. Mas foi Grande principalmente porque teve Grandes pessoas por trás. A todos os meus parabéns!

Grandes!
Inscrevi-me no Grande Trail de Alpiarça porque me pareceu uma boa preparação para o Abrantes 100, que acontece daqui a 3 semanas. O terreno seria mais ou menos parecido e 30km pareciam-me uma boa distância para um treino longo. Mas é claro que isso de ir para uma prova treinar nunca resulta (pelo menos para mim) e nem sequer pensei em poupar-me, foi prego a fundo desde o início.


Apesar de preferir as ultra distâncias, é sem dúvida nestas distâncias curtas que sou mais competitivo e a verdade é que adoro a adrenalina de ir de faca nos dentes sem pensar em gestões e a controlar as posições à frente e atrás. 

Foi assim neste Trail de Alpiarça, desde o início que andei a trocar de posição com mais 3 atletas, com a perfeita consciência que se facilitasse minimamente já tinha alguém a morder-me os calcanhares. Acreditem quando vos digo que deixei tudo naqueles trilhos! 

No fim confesso que as 2h39 para os 29km com 900D+, uma média de 5'30''/km, me deixaram bastante orgulhoso, com a luta pelas posições a resultarem num 7º lugar da geral e um 3º lugar no escalão sénior! 

Sim, o meu primeiro pódio! ehehe 

Pódio Sénior
Se alguma vez vos perguntarem a definição de Parte-Pernas.
Claro que tenho consciência que isto é um pódio dos pequeninos, basta ver que o Luiz Mota, 2º classificado, chegou 20 minutos antes de mim e o impressionante Miguel Arsénio, sub23, 10 minutos antes dele! Mas, vá lá, deixem-me gozar o prato que isto não é (claramente) todos os dias :)