Parti derrotado.
Não me lembro de alguma vez ter começado uma prova assim. Certamente nenhum MIUT! Depois de praticamente ter deixado de conseguir treinar após os 20km de Almeirim, a 3 semanas da partida, perdi toda e qualquer confiança que tinha para o MIUT. As dores no gémeo, mesmo quando caminhava, eram uma constante nuvem negra que pairava, mas pior que isso era ter perdido a vontade de partir. A angustia aumentou na quinta feira, dia em que fui para a Madeira com o Rodrigo, o Mota e o Simão. No aeroporto o pânico instalou-se de tal forma que, já dentro do avião e a minutos de descolar, enviei um mail à pressa à organização a pedir para trocar a distância para os 60km! A resposta chegou às 4 da manhã: não, amigo. Vais ter que te aguentar à bronca!
Fotografia do Nuno, que vai assumir um papel preponderante nesta história. Já vos conto. |
A noite estava perfeita. Céu limpo, temperatura fresca mas não demasiado e sem vento. Pareceu de encomenda, já que choveu torrencialmente na quinta feira e depois voltou a chover no domingo de manhã. O ambiente em Porto Moniz estava uma sombra de anos anteriores. Fruto dos adiamentos por causa da COVID eramos apenas 315, um terço de 2019. Não me queixo, sou um bocado bicho do mato e gosto muito mais das provas com menos gente. Bebi um café no sitio habitual, para dar sorte, e sentei-me na escadaria habitual, para dar sorte. Meti a cabeça entre as pernas e fechei os olhos, a tentar abstrair-me ao máximo de tudo o resto. Faltava uma hora.
Minutos antes de apanhar o autocarro para Porto Moniz. A moral estava em altas, como se percebe. |
Com o Simão, o meu companheiro de treinos na caminhada até aqui. E que brutalidade de prova ele fez! 21h45 |
Olhos fechados, respirar fundo e contagem decrescente. Estava na altura. Assim que tocasse a meia noite a minha vida nas próximas 20 e muitas horas teria apenas um objetivo: conquistar o próximo metro. Conheço esse sítio, já quase vivo lá. 3, 2, 1.... Bip. Cronómetro iniciado.
Foto da organização |
Primeiros passos de corrida e o gémeo deu logo sinal. Já estava à espera, nada de pânico. Só precisava de perceber se a dor ia aumentando ou se seria suportável, como nas ultimas semanas. 500 metros de corrida e engatámos logo na primeira subida. Armar bastões e siga pra cima!
Inicio da primeira subida. Fotografia do Miguel Cadalso. |
Continuava com nenhuma vontade de ali estar, desconcentrado e pessimista. Não que pensasse em desistir, isso nunca me passou pela cabeça em qualquer ponto da prova, mas estava quase a fazer um frete. É um lugar comum dizer que numa grande ultra metade é físico e a outra metade é cabeça, mas é 100% verdade e o facto é que a minha cabeça não estava para ali virada. Subia devagar, mais devagar do que devia e podia, sempre perfeitamente na zona de conforto. Tinha decidido que, por causa do gémeo, não ligaria ao tempo final, só queria chegar ao fim. Claro que isso do gémeo era treta. Quer dizer, doía-me e doeu-me do primeiro ao ultimo passo, mas era suportável, não era isso que me prendia. Foi a desculpa que dei a mim mesmo naquelas horas iniciais para não entrar em prova!
Mas o MIUT não se coaduna com desculpas e a descida para a Ribeira da Janela era já ao virar do monte. Primeira descida, num trilho simpático que serpenteava pela encosta, mesmo até junto ao mar onde apanhámos um banho não de água mas de pessoas, aplausos e gritos. É uma passagem mítica todos os anos e, para mim, marca o verdadeiro inicio da prova: a subida para o Fanal.
Nesta fotografia do João Faria, também retirada do Facebook da prova, dá para ver a serpente a partir da subida ao Fanal. Uma imagem mítica de todos os MIUT |
Na subida para o Fanal, o primeiro km vertical que apanharíamos, com 1100+ em 11km, continuei com a mesma estratégia. Devagar, sempre abaixo da zona de conforto, sem forçar nada. Primeiro por entre as casas e finalmente no meio da floresta, entre degraus de troncos de madeira e piso enlameado, lá chegámos ao primeiro abastecimento, aos 15km.
A estrutura montada para este MIUT era a mesma para aqueles com 1000 pessoas. Quer dizer que os abastecimentos eram enormes e havia pouca gente. Impecável. Comi bem e bebi dois copos grandes de café. Sentia-me bem e o gémeo estava controlado, mas ataquei a descida seguinte com cuidados redobrados. Fui muito lento nas partes mais técnicas e nunca arrisquei nada. Queria chegar a Estanquinhos o mais são possível, mas isso estava a custar-me tempo. Muito tempo.
A subida seguinte, para Estanquinhos, é um dos momentos chave do MIUT. É uma bomba. Impossível descrever por palavras aquele portento. Os números da parte inicial, 1100+ em 4km, explicam alguma coisa, mas só passando por lá se consegue perceber. É a subida perfeita. Sempre aos ésses, num trilho de terra escura cravejado com pedras que permitem ir sempre escolhendo a melhor maneira de subir. O ritmo era certinho, fluido, sempre a trabalhar por entre pedras e degraus. Já depois dos 1000 metros uma pequena pequena folga na inclinação e aproveito para comer uns figos secos que levava comigo, mas logo a seguir recomeça o trabalho para a ponta final, agora num trilho mais a direito que nos levaria até ao planalto do Paul da Serra, que estava incrivelmente bonito. A lua cheia brilhava no céu limpo e mostrava os cumes todos que nos rodeavam, a erva rasteira estava congelada pelo frio e toda ela brilhava como pequenos cristais que estalavam quando os pisávamos. Perfeito!
No abastecimento de Estanquinhos dei uma vista de olhos ao papel que levava comigo onde tinha os tempos previstos de passagem. Já levava mais meia hora que em 2019! Não estava à espera que fosse tanto. Enfim, o mal estava feito.
Segui com o plano e tentei poupar-me ao máximo na descida para o Rosário, abastecimento que marcava os 40km de prova. Praticamente percorri a andar os 2km muito chatos naquele estradão inicial cheio de pedra grande e solta à saída do abastecimento e finalmente soltei-me quando entrámos nas levadas. Um trilho maravilhoso, quase plano, que nos embrenha dentro da floresta Laurissilva.
Duas fotografias dos trilhos na descida para o Rosário, pelo Miguel Cadalso. |
Foi a sexta vez que ali passei e a sexta vez que apanhei o nascer do sol nestes trilhos. Mas posso dizer com toda a certeza: nunca apanhei um tão perfeito como este ano. Não sei se por ter sido um sol de Outono, pelo céu estar tão limpo, pela conjugação de tudo e mais alguma coisa... Nunca vi nada assim. Os tons laranja dos primeiros raios de sol davam vida e aqueciam o verde da Laurissilva, uma coisa de outro mundo! A Madeira é mesmo um sitio único.
Fotografia do Cadalso numa parte emblemática da descida. |
Chegado ao Rosário voltei a olhar para a cábula, tinha mantido a meia hora a mais em relação a 2019, mesmo a ser muito conservador na descida. Não estava mau, meia hora ainda era recuperável... Nesta altura comecei a entrar na prova, sentia-me bem e solto, naturalmente amassado dos 3000+ que já tinha nas pernas, mas isso é o mais normal. Com jeitinho a coisa ainda encarrilhava!
Iniciei o caminho do Rosário para a Encumeada bastante mais animado. Pela primeira vez tinha a cabeça dentro da prova, agora era altura de ver se o resto se alinhava. Sempre encarei esta parte do percurso como uma espécie de proforma: saímos da noite e sobrevivemos ao inferno dos primeiros 30km, agora íamos a caminho da Encumeada para uma das descidas mais massacrantes antes de começar a segunda parte da prova, mas antes temos estes 9km com 600+ de interlúdio. Primeiro descemos por umas hortas, depois um estradão e finalmente as escadas mais certinhas de toda a prova, no caminho do quebra panelas (não me lembro se é mesmo este o nome), uns degraus a subir perfeitos para meter um ritmo certinho.
A parte final da subida. |
Virada a encumeada tínhamos uma pequena descida antes do abastecimento no hotel. Nos outros 5 anos esta descida era pela estrada, mas este ano entrámos numa levada incrível com 1 ou 2km que acabou num trilho a pique a desembocar mesmo à entrada no hotel. Muito mais massacrante, por causa da inclinação do trilho, mas valeu a pena. O que também valeu a pena foi ter encontrado a meio desta descida o Mota, que estava nos 85km! Um dos meus companheiros de treinos de madrugada, que se estava a estrear numa distância destas.
Entrámos e saímos do abastecimento juntos e seguimos para a segunda parte do interlúdio, antes de finalmente começarmos a descer para o Curral. Mas desta vez já não era um caminho simples. Primeiro subimos o famoso pipeline, que mais uma vez fiquei com a impressão que tem mais fama que proveito. Não é uma subida muito difícil. Depois contornámos o vale inteiro num trilho muito bom, ondulante, quase sem inclinação, que fizemos quase integralmente a correr, tais eram as boas sensações!
Fotografia do Mota no fim do pipeline. |
Faltava-nos agora apenas o meio km vertical de subida antes da grande descida para o Curral. Tínhamos saído à 1h15 do abastecimento, por isso decidi que seria ali, bem no inicio da subida, que iria comer. Para esta prova adoptei uma estratégia diferente com a alimentação. Com a ajuda e conselhos do Simão, decidi que até ao Curral não ia tomar géis. Antes, levei uns sacos que continham meia sandes de pão de forma com presunto, dois figos secos e duas gomas. A cada hora, hora e meia comia um destes sacos, além dos abastecimentos. Até ali já tinha comido 3 daqueles sacos e a estratégia estava a correr bem, mas...algo mudou.
Comecei a comer a sandes e, como sempre, empapou um bocado na boca. Nada de estranhar, é normal. Mas outra coisa não estava a ser normal, estava a subir a um ritmo muito baixo e enquanto comia a minha respiração estava descontrolada, completamente ofegante. O sol já estava alto e corríamos pela primeira vez fora da sombra, comecei a suar em bica. Demorei mais de 10 minutos a comer a sandes e os figos e acabei com a sensação que tinha feito uma série de 1000m a fundo! Respirei fundo e tentei meter um ritmo certo na subida para recuperar o folego, mas simplesmente não conseguia. O Mota começou a afastar-se ao ritmo dele e eu a afundar-me.
Finalmente chegados à Relvinha, local onde viramos a montanha para a descida, 4.5km de subida depois, engato na descida já derreado. E, claro, esta não é a descida certa para se fazer vencido. Mais de 3km onde se perdem quase 700m de desnível, muito massacrante e técnico.
Cheguei ao Curral das Freitas, Base de Vida, 61km, às 12h38. Quase uma hora depois de 2019...
Fotografia que enviei à Sara, com o obrigatório Compal de pêra na Base de Vida. |
Aquela réstia de esperança sentida até à subida da Encumeada tinha-se esvaído. As ultras são uma verdadeira montanha russa de emoções. É incrível como num momento estamos no topo do mundo e, meia sandes de presunto depois, descemos ao fundo do poço.
Sentado na base de vida sentia-me um farrapo. O gémeo tinha-me voltado a doer e coxeei até à zona da comida quente para ir buscar um prato de massa, do qual comi 3 garfadas, enjoei e deixei o resto. Troquei relutantemente de tshirt mas deixei a térmica, apesar de estar calor. Não me apetecia... Troquei 4 ou 5 palavras com o Mota, disse-lhe que estava acabado, que ia ser em modo wallking dead até ao fim. Arranquei primeiro que ele, disse-lhe que nos viamos na subida de certeza.
Saí do abastecimento dobrado, cabisbaixo e vencido. Afundei-me em pensamentos negativos. "Não presto para isto", pensava. "Não fui feito para provas de 3 dígitos. Farto-me de treinar e depois chego aqui e é sempre a mesma merda. Nunca evoluo, é sofrer do início ao fim!".
Arrastei-me nos 2km de alcatrão que subimos à saída do Curral antes de entrarmos no trilho da gigante subida ao Pico Ruivo. Já sabia de cor e salteado o que me esperava: um mar de sofrimento. Estava no fundo do poço. Bem, mas agora já ali estava, nada a fazer, tenho que ir ao trabalho.
Subia vagarosamente apoiado nos bastões por entre os eucaliptos do inicio da subida. Lá em baixo começo a ver alguns companheiros que naturalmente me vão alcançando. Um, mais outro, mais outro... vão todos passando por mim. Um deles era o Vitor Silva, um amigo de Guimarães com quem já partilhei alguns km e aventuras. Vinha com o Nuno, um maluco, também de Guimarães, que estava inscrito na prova dos 42km mas decidiu não partir e antes sair com o Vitor do Curral e levá-lo à meta. Engataram atrás de mim e começámos a conversar. Não me quiseram passar e eu, para não estar a atrapalhar, aumentei um pouco o ritmo. Continuámos a conversar, aquelas conversas normais à pescadores, de conquistas passadas. Continuei na frente, no mesmo ritmo, e eles atrás mim. Conversámos, rimos, passámos pessoal.....
Espera, passámos pessoal?
Um de cada vez, fomos rodando os 3 na frente do comboio. Falámos de corrida, do trabalho, dos filhos, da vida... Sem dar por isso, já tínhamos a subida praticamente toda feita! Passámos a Boca das Torrinhas, já perto dos 1600m, e entrámos no reino das escadas. Sempre bem dispostos e a andar bem.
Há pouco falei-vos da montanha russa que é uma ultra, se isto não foi a maior reviravolta que eu já passei está lá perto. Fiz nada mais nada menos que o meu melhor tempo na subida Curral - Ruivo! E tudo graças ao Nuno e ao Vitor.
Fotografia que o Nuno tirou ao Vitor no abastecimento do Pico Ruivo. Tenho pena de não ter uma boa foto com os dois! |
Lá em cima, entre os picos, foi abismal. Vale sempre, mas sempre a pena. Tudo. O esforço, o sofrimento, o treino, as dores. Quando entramos naquele mundo fica tudo compensado. Este ano estava incrível, com algumas nuvens que nunca chegavam a cobrir completamente mas iam abrindo e fechando, sempre em movimento, sempre a modificar a paisagem. Mais uma vez, íamos os 3 em perfeita sintonia, agora com a companhia do Aldónio, um madeirense que engatou no comboio. Esta foi sem dúvida a minha melhor fase da prova e, também aqui, bati o meu record para o percurso entre os picos!
E esta sequência de fotos tirada pelo Nuno? Brutal. |
Conquistado o pico do Areeiro saímos daquele planeta e voltámos à Madeira. Tínhamos pela frente 4km de trilho maioritariamente a descer até ao abastecimento, no Chão da Lagoa. Aqui descemos novamente à terra. Os degraus a descer logo a seguir ao Areeiro têm um tamanho terrível, o mais desconfortável possível. Demasiado altos e espaçados, não dá para transpor sem ser a martelar as pernas! Com o sol a pôr-se no horizonte também as reservas acumuladas naquelas horas de euforia começaram a esgotar-se. É mesmo assim, a montanha russa estava novamente a virar. Estava na altura de voltar a cerrar os dentes.
Fotografia pelo Ricardo Gonçalves, um amigo madeirense que conheci há uns anos precisamente aqui no Areeiro! Atrás vem o Aldónio, também ele irá ter um papel muito importante no desfecho. |
Chão da Lagoa, 81km. O pior já estava, já tínhamos praticamente todo o desnível positivo vencido, assim como as maiores dificuldades técnicas. Mas a chave desta prova é no Poiso, aos 92km. Digo isto a toda a gente: se ao sairmos do Poiso tivermos pernas para correr, então a prova está feita. Se não, é um martírio até ao fim. Bem, mas antes do Poiso, temos uma descida e uma subida para tratar. Vamos a isso.
Foto do Ricardo, dentro do abastecimento do Chão da Lagoa, com o Vitor e o Nuno. Foi aqui que ligámos os frontais. |
Às vezes esqueço-me que nem toda a gente conhece este perfil de cor. Aqui fica, para se situarem. |
Detestava esta descida ao Ribeiro Frio, que é a aldeia antes da subida ao Poiso. Quem leu os meus anteriores relatos do MIUT já ouviu falar muito dela. Principalmente das subidas a meio da descida! Mas este ano a organização fez-nos uma muito agradável e bem vinda surpresa: descemos por outro sitio! Uma pista de BTT aos ésses, muito boa de correr! Que maravilha. Nem dei pelo tempo passar.
Já a subida senti-a bem nas pernas. E nos braços. E nas costas. E nos ombros. Ufa, que o gajo da marreta estava ali a meio! Mais uma volta na montanha russa! Pumba, lá pra baixo! Ainda por cima estávamos a chegar ao ponto chave! Vejam bem no perfil acima, a partir daqui é sempre a descer, mais propriamente 25km a descer. Se as pernas tiverem reservas é uma limpeza, se não...ui, modo walking dead, na segunda noite, durante 25km... E a verdade é que as luzes do tablier estavam todas acesas nesta altura.
Ultima foto que enviei à Sara, no Poiso. As minhas selfies são sempre terríveis. |
Comidinha para o bucho e ala que se faz tarde. Os 9km até à Portela são, na teoria, os mais fáceis de todo o MIUT. Primeiro num trilho muito limpo e simpático, depois num estradão a descer. Tudo muito corrível e com desnível negativo. Perfeito, não é? Pois bem, o problema é que tinha os quadríceps destruídos. Tal como no UTMB, em 2016, rebentei a parte da frente das coxas e agora tinha dores horríveis a descer. Inacreditável. Tive tanto cuidado em todas as descidas! Pensando com distanciamento, talvez o problema tenha sido esse. Travei demasiado em todas as descidas e lixei as pastilhas. Parecia um entrevado cada vez que o terreno inclinava mais um bocadinho, estava a ficar profundamente irritado e frustrado. O pior cenário estava a concretizar-se. Ao chegar ao abastecimento da portela temos 200 metros a descer em alcatrão. Tive que adoptar a táctica UTMB, desci de costas! Valha-me Deus. Como tu estás, Filipe Honório....
Agora sim, definitivamente toalha ao chão. A hora que tinha a mais no Curral nunca mais a recuperei, mas agora até as 25 horas estavam em risco. Mais uma vez, no fundo do poço. Entrei no abastecimento, agarrei em dois bocados de banana, um de bolo de mel e dois quadrados de chocolate e fui para a rua comer. Não queria aquecer muito e apetecia-me estar sozinho. Esperei tranquilamente pelo Vitor e o Nuno lá fora, uns bons 20 minutos. Não faz mal, estava a saber-me bem e a prova já estava perdida de qualquer maneira.
Faltavam 17km. Arrancámos todos juntos, mais uma vez, com o Nuno a puxar na frente. Meteu um trote ao qual todos responderam e foi assim que fomos papando o estradão inicial até entrarmos no trilho das Funduras. Em plano os quadriceps não me doíam tanto e até estava a ser capaz de manter aquele ritmo. O Nuno encostou e eu, como não queria parar porque depois me custava a recomeçar, assumi a frente e continuei no mesmo ritmo. Seguiu-me o Aldónio. Entrámos no trilho das Funduras os dois sozinhos, eu na frente, sempre a trote. O trilho é muito ondulante, tanto sobe como desce, mas incrivelmente corria melhor a subir do que a descer. Então continuei, continuei, continuei... Com o Aldónio atrás de mim, já isolados, nunca deixámos de correr. Foram 7km sempre a trote, no sobe e desce. De repente já estávamos na Degolada, uma descida assassina antes do ultimo abastecimento, do Larano. Cerrei os dentes e assumi as dores todas naquela descida. Disse ao Aldónio: "Vamos passar direto no abastecimento?"
Incrível. Já nem sei o que dizer. Passámos diretos a correr no abastecimento, para espanto de todos os que lá estavam, e continuámos o nosso trote na Vereda do Larano. A infinita. Ligeiramente a subir, mesmo boa para as minhas pernas destruídas das descidas. Descemos a boca do risco e aí sim, tive que parar uns segundos, alongar, conter as lágrimas que quase caíam com as dores nos quadriceps, e seguir. Só faltava a ultima etapa, os 5km de levadas à porta de Machico.
O Aldónio, tal qual anjo da guarda, sempre atrás mim. Passei horas com ele desde o Curral. Ao contrario do Vitor e do Nuno, com ele falei muito pouco, mas também não era preciso, entendemo-nos na perfeição. Parava quando eu parava, acelerava quando eu acelerava, dizia-me para abrandar quando via que eu estava cansado. Conhecemo-nos ali, ele a fazer os 85km eu os 115. Provavelmente nunca mais nos veremos, mas foi em dupla que chegámos a Machico. Em contra relógio, a dar tudo nas levadas finais para conseguirmos chegar antes das 25 horas, o que conseguimos, por 40 segundos!! Só de pensar que há 16km atrás, na Portela, parecia impossível chegar antes das 26!
6 em 6. |
Todos os MIUT que fiz foram especiais por uma ou outra razão. Este também o foi. E foi porque não o fiz sozinho, era impossível ter chegado a Machico a esta hora sem a ajuda de outras pessoas: primeiro do Mota, que me meteu dentro da prova na Encumeada, depois do Vitor e do Nuno, que me foram buscar ao fundo do Poço no Curral e me levaram até ao Pico do Areeiro são e salvo e finalmente do Aldónio, que me empurrou para uma parte final incrível. Foi graças a eles, mas também foi graças a vocês todos que foram enviando mensagens de incentivo ao longo destes 6 anos. Foram 690km e sensivelmente 150 horas que passei nos trilhos do MIUT, numa ilha que já considero também como minha casa. E, claro, foi graças à minha Sara. Incansável no apoio, vive tanto isto como eu e ainda consegue segurar as pontas enquanto eu me vou perder para a montanha. O final perfeito para o ciclo Madeira Island Ultra Trail.
Será..?
Maravilhoso 😊
ResponderEliminarBrutal! muitos parabens
ResponderEliminarMuito bom! Voltamos a nos ver na partida em Abril?😂
ResponderEliminarÉs um grande atleta, um campeão, fonte de inspiração! E escreves tão que quase sentimos as tuas dores! Recupera bem esse gêmeo e muito força vizinho!
ResponderEliminarQue exemplo! Quando for grande quero ser como tu.
ResponderEliminarDuvido que seja o último...
Boa recuperação!
Mais um testemunho maravilhoso, como todos os outros. É delicioso ler…é como se tivéssemos a viver em tempo real. Obrigado pela partilha.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarEstava inscrito para o meu 1º MIUT quando li a crónica do teu 1º. Por regra não corro à tarde, ou vou antes de ir trabalhar ou chego derreado e de tarde encosto. Nesse dia fazia chuva e disparates de vento. E lá fui eu para a Serra Gorda assustadíssimo e cheio de vontade de treinar e vergar esse adamastor. És valente e sim, se calhar és melhor nas curtas... mas são as longas que deixam histórias para contar!
ResponderEliminarParabéns...como te tinha dito o gemio sendo muscular aguentava...para Abril há mais.
ResponderEliminarTive o privilégio de o acompanhar uns quilómetros no 111 de sicó. Grande espírito de trail. Só quem lá anda é que sabe o que estes textos significam. Un abraço
ResponderEliminarFogo Filipe... que descrição mais espetacular desta tua prova. Sinto-me um verdadeiro privilegiado por ter partilhado alguns km na tua companhia. És um senhor. Obrigado pelas palavras simpáticas que me dirigisse. E não te esqueças que se fiz alguma coisa que te ajudou, este teu testemunho irá ficar para sempre na minha memória e irei-o recordar nas minhas dificuldades. Grande é forte abraço
ResponderEliminarFiz a prova dos 60km e sempre que passavam os cavalos dos 115 até faziam vento, impressionante a vossa capacidade já com 70km nas torrinha. Motivador para quem mal se arrasta pelos trilhos. Só para complementar esta tua descrição uma palavra pela vista do início da degolada com a lua sobre o mar e aquele tubagam para descer, simplesmente divinal.
ResponderEliminarOra, é aqui que cai aquela treta do "Nunca voltes a um sitio onde foste feliz"
ResponderEliminarMais uma volta ao Sol, mais um Miut! Parabéns Filipe Honório :D
Um abraço
Pedro Viana
https://andaviana.wordpress.com/
Muitos parabéns! Ganhou a cabeça!
ResponderEliminarSó te posso dizer... era isto ou tomar anti depressivos! Até parece que fiz o MIUT com dores e tudo!
ResponderEliminarLeio-te sempre. E relei-o quando é sobre o MIUT... Maravilhoso, saber do que falas em cada momento por saber onde e do de falas... Obrigado Filipe. Pra o ano quero reler-te novamente! Abraço!
ResponderEliminarTexto brutal. Muitos parabéns pela prova e pelos excelentes relatos. Sê sempre benvindo, à nossa bela ilha. Não sou praticante de trail, mas o meu marido o é. Acompanho-o por essas loucuras também como AP sei bem o quanto sofrem, mas tal como ele diz "o sonho comanda a vida". Foram 4 travessias 115 e 2 de 85Km. É o meu campeão conseguindo o seu melhor MIUT em 20H08s. Todos vós sois valentes. Parabéns
ResponderEliminarSó hoje tive aquele tempinho que estas tuas crónicas merecem para ler. E mais uma vez valeu a pena cada frase, cada palavra ... nunca fiz o MIUT, talvez nunca venha a fazer, mas este é o 6ö que fazemos juntos, que percorro através da tua escrita. Consigo sentir a prova ... obrigado pelo texto e parabéns por ele tb, pelo texto e pela tua prova. Grande abraco
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