As minhas corridas na estrada

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

2020. Um ano mau?

Acho que nunca tinha estado tão desejoso de fazer um post de fim de ano como neste fatídico 2020. Talvez porque precise de arrumar e compartimentalizar este ano esquizofrénico, pelo menos no que à corrida diz respeito, porque o resto terá que ser processado durante muito tempo. Mas como ninguém vem aqui para ler sobre "o resto", vamos lá à corrida!

Se 2020 fosse uma expressão, seria esta, captada pelo Fritz na Arada.

O meu ano começou completamente imerso no universo APT, do Armando Teixeira e do Paulo Pires. Tinha começado em Dezembro de '19 e cheguei a Março com apenas 4 meses de treino acompanhado. A verdade é que foram precisos apenas 4 meses para sentir que entrei num nível completamente diferente de corrida! Os treinos diários mudaram completamente, estava a correr menos volume e muito mais intensidade. Fiquei mais rápido e, para surpresa minha, com mais resistência! A nível de provas tive resultados que nunca pensei possíveis, como o 20º lugar do GP Fim da Europa, e sentia-me muito mais competitivo em provas de Trail, como no Ultra Louzantrail. Sentia-me confiante, a bater records de estrada em treinos, a competir a ritmos altos sem me poupar, e cada vez mais ansioso para o grande objectivo da primeira metade do ano: o meu 6º MIUT. 

Mas, então, aconteceu....COVID.


Tudo mudou. Para sempre. 

Apesar de tudo, nunca deixei de correr. Nunca papei aquelas teorias do início do pânico, quando as pessoas se começaram a virar umas contra as outras e até ir despejar o lixo era alvo de olhares de lado e três processos na polícia secreta. Continuei a correr, sempre sozinho é certo, perto de casa, mas continuei. Passei mais de dois meses sem ir à Serra, coisa que hoje em dia me arrependo muito, porque, não pondo ninguém em perigo, na verdade nada me dá mais saúde que fazer o que gosto. Mas fui correndo, com maior ou menor intensidade. 

Neste período de lock down ainda deu para fazer alguns desafios engraçados. Primeiro corri uma maratona aqui no quintal. Meti-me a correr à volta de casa e em menos de 4 horas (que era o tempo limite do desafio "km em casa") percorri 43km. A principal consequência desta parvoíce não foram as dores de pernas, foi dar-me ideias....

Abastecimentos de luxo

Assim que acabei a maratona do quintal decidi que ia correr 100km... à volta da minha urbanização!

Dei-lhe duas semaninhas para recuperar dos 43km e, no primeiro de Maio, saí de casa antes das 6 da manhã com o objectivo de correr 100km num percurso de 500 metros. 

Ainda hoje me admiro com o que consegui nesse dia. Certamente ainda a aproveitar o treino da APT, corri os 100km mesmo em cima das 10 horas, uns minutinhos abaixo, que era o meu grande objectivo. Foi um dia espetacular, com muitos amigos a passarem por aqui, uns a darem meia dúzia de voltas, outros chegaram mesmo a correr uma maratona completa! Este foi sem dúvida o feito de 2020 que mais me deixa orgulhoso. Se não leram o post, aconselho a dar uma vista de olhos (modéstia à parte). 

Segundos depois de parar o cronómetro, completamente drenado.

Ainda na senda de desafio covideiros, o terceiro que vos apresento foi talvez o que atingiu o valor mais alto na escala de parvoíce. Sem nenhuma razão aparente, numa sexta feira qualquer, decidi que no dia seguinte ia fazer um Every Single Street em Almeirim. O que é isso? Pois bem, passar a correr em todas as ruas de Almeirim. Assim foi, sem plano nenhum a não ser ir riscando ruas no relógio, saí de casa de madrugada sem fazer ideia onde me tinha metido. Foram 66km que me custaram horrores, com um calor bruto, sozinho, a andar para a frente e para trás numa senda obsessiva para pisar cada rua de Almeirim. Consegui! Mas... se estiverem a pensar numa parecida, esqueçam lá isso, metam-se antes a correr no quintal!

Pronto. Foi isto.

Quando as fronteiras começaram a abrir, o primeiro impulso foi logo voltar aos montes. Nem acredito que estive mais de dois meses sem lá ir, o regresso soube-me mesmo pela vida, até me emocionava. Primeiro umas corridas solitárias nos quintais do costume, Aire e Montejunto, mas, na ausência de provas, os planos mais ambiciosos começaram a fervilhar. Houve dois que se destacaram neste período pós lock down. 

O Trans'Aire e Candeeiros, em que na companhia do João Tomás, um amigo do Covid, atravessei a extensão do Parque Natural das Serras d'Aire e Candeeiros, num percurso de 66km em trilhos, muito interessante e mesmo na medida certa. 

Com o João, um excelente companheiro de aventuras.

E, umas semanas depois (acho que nesta altura andava a ir com sede de mais ao pote), A Travessia dos Picos do Açor ao Vale Glaciar, novamente na companhia do João, mas ainda com os extraterrestres Guilhermo Lourenço e João Lopes. Andar atrás destes três cavalos durante 76km e 4600+ foi o mais parecido com uma prova de endurance que tive durante todo o ano!


No meio das ideias que iam surgindo, defini um objectivo que não se limitará a 2020: ascender aos picos mais altos de cada distrito de Portugal continental, na companhia de um local, num percurso desenhado pelo mesmo. O projecto teve um inicio perfeito, com a subida à Sra. da Serra no Marão, na companhia do Bruno. Logo de seguida aproveitei a minha amizade com o Aníbal Godinho e passei um dia espetacular na Serra d'Aire, do distrito de Santarém. Tudo estava a correr bem e os planos de próximos distritos estavam já na calha, mas... aconteceu 2020 e lesionei-me. Passei o verão inteiro a meio gás, sem conseguir treinar.

No topo do Marão

Grande grupo.

Ainda no capítulo do "só em 2020", aproveitei para fazer mais algumas coisas que andava a adiar. Uma delas foi subir montanhas pelo sitio mais improvável: a estrada.

A primeira subida foi a clássica Lousã - Trevim, num percurso de 25km com 1000+. Para a segunda reservei o Santo Graal das subidas de estrada portuguesas: Covilhã - Torre. Esta com sensivelmente a mesma distância, 24km, mais com 1600 metros de subida. Adorei fazer ambas e de certeza que mais se seguirão. Há pelo menos mais 3 na Estrela que gostava de fazer. 

Na Estrela, aos 1993m.

Vista do Trevim.

Este foi também o ano das provas virtuais. Não fiz nenhuma daquelas de estrada, em que se corria num sitio qualquer, enviava-se o tempo e recebia-se uma medalha em casa. Não condeno, cada um tem as suas motivações, mas essas para mim não fazem sentido. Corri algumas no monte, em percursos abertos, marcados ou guiados por GPX. Dou muito valor à malta que meteu estas provas de pé e nunca me importei nada de pagar os preços simbólicos que pediam, mesmo que não houvesse bónus nenhum. Só o trabalho que tiveram a abrir e manter trilhos é meritório! 

Passei pelos Trilhos de Óbidos e Arnóia, pelos dois percursos brutais da XFun Race na Serra da Arada, o Grande Treino Secreto da Corredoura, pelo Alcanena Trail Serra d'Aire e Candeeiros e pelo Sartela Virtual, organizado pela malta de Alpiarça. Em todos percebi o empenho das organizações e em todos me diverti bastante! No fim deste post meto os links do Strava para cada um, se quiserem algum track é só pedir. 



Duas fotos do grande Fritz, na Arada.

O fim de 2020 trouxe ainda o luxo de treinar com neve. Dois fins de semana perfeitos proporcionaram dois treinos inesquecíveis na Estrela e na Lousã. Com a companhia de sempre, o João Miguel, corri em neve acabadinha de cair em dois dos meus sítios preferidos.

Estrela

Estrela

Lousã (nota-se muito a cara de felicidade?)

Lousã

Por falar em Estrela, e antes de entrarmos na parte dos números do ano, assinalar um facto: 2020 foi o ano em que treinei mais vezes na Estrela! Entre o estágio da APT, a volta no meu dia de anos, a travessia, o Estrelaçor, etc, foram 7 visitas à serra!

Aqui a meio dos 43km do Estrelaçor, onde arranquei um inesperado 6º lugar!

Quanto a números, mesmo com os 2 meses de confinamento e os 2 meses de lesão, acabou por não ser nada mau! Menos que 2019, mas isso já se esperava, até porque alterei a maneira de treinar.

Distância - 3840km
Desnível - 106 mil +
Tempo - 400 horas

Já os números aqui do blog foram uma vergonha. De longe o ano com menos publicações, 13 com esta. Os visitantes também cairam bastante, mas isso não me chateia muito. Tenho muito orgulho no que tenho aqui feito nos ultimos 8 anos, e mesmo com a popularidade dos blogs a cair a pique, não me vejo a abandonar este cantinho. Obrigado a vocês que aguentaram ler este até ao fim, aposto que são os mesmos que leram os outros 12 que escrevi este ano! 

Resumindo: foi um bom ano de corrida. Mas já passou. Agora, vamos lá a 2021!

Links para o Strava das actividades principais do ano:

GP Fim da Europa

Maratona em Casa

100km da Adema

Every Single Street Almeirim

Trans'Aire e Candeeiros

Travessia dos Picos do Açor ao Vale Glaciar

Subida Lousã - Trevim

Subida Covilhã - Torre

Distrito do Porto

Distrito de Santarém

Trail Óbidos e Arnoia

XFUN Race Arada

Trail Sartela Virtual

GTS

Alcanena Trail



segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Estrelaçor - Trail Longo (40km) - Somos mesmo estranhos...

Nós somos estranhos. 

Às vezes lembramo-nos daquela corrida perfeita, de nos sentirmos bem, da temperatura ideal, a paisagem tirada de um postal... Mas isso é só às vezes. 

Quase sempre, quando vamos ao nosso arquivo de memórias, as primeiras a querer saltar cá para fora são daqueles dias terríveis, de quando batemos no fundo do poço e mal nos conseguimos levantar, quanto mais sair dele. Mas saímos. Invariavelmente saímos, e é isso que fica.

Foi assim este fim de semana. Hoje, mais de um dia depois, não é de descer a fundo o Vale Glaciar ou de conseguir trotar na calçada romana à saída de Manteigas que me lembro. É de estar aos 1700m, a levar com chuva horizontal que me picava na cara como agulhas, dobrado para a frente para não ser levado pelo vento, a tremer de frio e dentro de água até meio da canela. É esse momento, um dos piores que já passei a nível de clima, que hoje me deixa um sorriso no rosto. 

Pois, somos estranhos...

Foto do "Bué da Fotos".

A minha segunda prova da era DC (depois de Covid) foi na Serra da Estrela, mais uma vez organizada pelo Mundo da Corrida. Inserida num grande fim de semana de trail, que incluía os gigantes 180km, os 100km do campeonato nacional de endurance e do EstrelAçor fazia ainda parte uma prova de 46km, esta ultima sem Açor mas com muita Estrela. 

Primeiro: de louvar o gigantesco esforço do Mundo da Corrida para por esta corrida pé, ainda por cima uma semana depois de terem sido anunciadas novas medidas. Esteve em dúvida até uns dias antes, não imagino o esforço que teve que ser feito para organizar uma prova que passa por tantos concelhos. 

Segundo: a coragem de organizar estende-se à luz verde dada à prova de 46km. A previsão desde o inicio da semana era de temporal, o que se confirmou no dia. Quando cheguei às Penhas da Saúde às 7 da manhã e vi que a partida tinha sido adiada uma hora por causa da chuva temi o pior. Ali, aos 1500m, as condições eram dantescas. Cinco graus, chuva torrencial e vento muito forte. Foi precisa uma grande dose de coragem (e loucura) para mandar 100 pessoas para a montanha naquela manhã!

Terceiro: nem tudo correu bem com a organização. Mas já lá vamos...

Dentro do carro, à espera da partida, com os grandes João Miguel e Alexandre. Lá fora chovia a potes.

Passava pouco das 9 da manhã quando parti, inserido no meu grupo de 10 pessoas. Debaixo de chuva e muito vento, equipado condignamente, enfrentei os primeiros 3 ou 4km que nos elevariam à cota mais alta do dia, nos 1700m. À medida que subíamos, e relembro que começámos aos 1500, o tempo piorou de uma forma completamente brusca. Foi inacreditável. O vento aumentava de intensidade quando parecia que era impossível piorar, a chuva tornava-se mais pesada e, para piorar, corríamos constantemente com os pés de molho. Os trilhos eram autênticos ribeiros, muitas vezes com água pelos joelhos. O cenário manteve-se na Nave de Santo António, uma clareira plana que mais parecia uma lagoa gigante, corríamos literalmente com água pelo joelho! 

Retirado do Facebook da organização. "Foto do Zé" no trilho que saía da Nave de Sto. António.

A descida ao ponto mais baixo, Manteigas, continuou no majestoso e inevitável Vale Glaciar. Desta vez rejuvenescido pelas dezenas de cascatas que brotavam de ambas as paredes do vale. Lá em baixo toda a água se concentrava numa furiosa linha de água que nos acompanhava, com o som omnipresente de água a correr. Adoro, mas adoro mesmo, estar na serra com chuva. A agua dá vida à serra. 

A descida, metade em trilho metade em estradão, pedia velocidade. Assim foi. Ainda com pernas frescas meti ritmos impróprios (abaixo de 4, onde é que já se viu) que trataram de finalmente me aquecer os pés. Estavam uns blocos de gelo desde lá de cima! É claro que este entusiasmo todo ia ser pago lá para a frente, mas que se lixe. À medida que descíamos de altitude a temperatura aumentava, gostava de saber a amplitude térmica que apanhámos nesta prova!

Abastecimento em Manteigas. Toca de meter máscara, roubar meia banana e arrancar logo para a segunda metade da corrida. Tínhamos descido 18km, agora íamos subir 22!

Do "Bué da Fotos", à saída de Manteigas.

Tínhamos descido pelo fundo do vale, agora íamos subir do lado esquerdo, de volta às Penhas da Saúde. O início da subida foi pela calçada romana, um trilho que já conhecia. As pernas estavam um bocado perras do martelar da descida (cheguei aos 18km com média abaixo de 5'/km), mas decidi meter o trote no inicio da subida e ver até onde dava. Mais rápido ou mais devagar, com mais ou menos tricotar pelo granito, a verdade é que nunca deixei cair o trote! 

Estava a ficar entusiasmado com a minha prova. Como expliquei no post do Piodão, passei o verão praticamente parado por causa de uma porcaria de lesão, mas há coisa de mês e meio que tenho andado em crescente de forma e a sentir-me cada vez melhor. Este percurso acabava por ser perfeito para o actual momento. Pouco técnico e sempre corrível, deixava meter um ritmo muito certinho. Mas o percurso estava muuuuito longe de ser a maior dificuldade do dia.


Num estradão pela Serra. Do "Bué da Fotos".

Vou aproveitar esta parte da subida para explicar o que quis dizer com o terceiro ponto lá de cima, para não acabar o post numa nota negativa. Como disse, desde o início da semana que se sabia que no domingo estaria um temporal. A organização decidiu meter em acção o plano B e mudou o percurso do trail longo. O percurso passaria a ter 40km e 1650+ e já não subiríamos à Torre pelo Covão d'Ametade. Aliás, não subiríamos à Torre por lado nenhum! Na altura aquilo caiu-me mal, até fiquei com pouca vontade de ir! É claro que não demorei muito a perceber que a opção foi mais que acertada. O tempo estava mesmo muito agressivo e o trilho que sai do Covão é super técnico. 

Agora a parte má. Avisaram-nos que as marcações podiam falhar por causa do vento e chuva e aconselharam a levar o track no relógio. Ok, tudo bem. De facto constatei no percurso que as marcações estavam mesmo muito fracas e, verdade seja dita, tenho dúvidas que na maior parte dos casos tivesse alguma coisa que ver com o vento. Faltavam muitas vezes fitas em mudanças de direção e passei largas dezenas, até centenas de metros sem ver fitas. Mas ok, tinha track. Usei-o do inicio ao fim. O grande problema é que uns dias depois de enviarem o track com o novo percurso fizeram uma publicação no Facebook com uma TERCEIRA versão, a informar que seria o novo percurso. Mau. Saquei o track e meti-o no relógio, foi com ele que comecei a corrida. Felizmente não apaguei o outro, porque não demorei muito a perceber que não correspondia de todo ao que estávamos a fazer, tinham voltado à segunda opção sem avisar ninguém! 

Não sei quantas pessoas partiram, sei que chegaram 80 à meta, mas tenho a certeza que houve muita gente que se perdeu. É verdade, se calhar alguns deles nem se devem ter dado ao trabalho de meter o track no relógio, mas e aqueles que meteram o errado? Num dia com condições tão extremas ainda por cima a saberem que as marcações estavam fracas foi muito mau não terem reforçado a necessidade de o levar e pior ainda usarem uma versão que não a final! 

O segundo (e ultimo) abastecimento, nos Poios Brancos! Do Bué da Fotos.

Pronto, já tirei isto da frente. Também não pode ser só dizer bem!

Onde é que íamos? Ah, sim, na subida. Depois da calçada romana a subida tornou-se menos constante e inclinada, ia sendo intercalada com patamares planos ou a descer ligeiramente. O tempo, mais uma vez, piorou bruscamente com a altitude e acima dos 1500 tornava-se mesmo muito agressivo. Principalmente quando começámos a correr num planalto completamente exposto. O vento era incrível, houve alturas que tive dificuldade em manter-me de pé! 

Consegui sempre manter o trote nas subidas e correr no plano, mas, por incrível que pareça, NUNCA consegui aquecer! Estava constantemente com os pés dentro de água, com água empurrada pelo vento fortíssimo a entrar por todo o lado do meu impermeável. Corria literalmente a tremer o queixo, com as pernas tensas e perras. Nunca tinha sentido nada assim numa prova, normalmente quando corro o corpo aquece, mesmo naquelas segundas noites em que já nada funciona bem. 

O percurso, cruel, fez-nos percorrer um planalto muito exposto antes do culminar de 22km de subida, numa marco geodésico no Curral do Vento. Foi nessa ponta final, com o marco em vista, que passei o pior/melhor momento da prova. Meti o trote de lado, mãos nas coxas e dobrei-me todo para a frente contra o vento. Com os pés dentro de água até ao tornozelo, fui arfando e tremendo no meio do granito, a lutar com todas as forças contra um desconforto total e absoluto. Quando cheguei ao marco e vi os telhados das Penhas soltei um grito de raiva! PORRA, sentia-me vivo!!

Chegada à meta, num dos raros momentos em que o vento forte empurrou as nuvens e deixou brilhar o sol. Foto do Bué. 

Abriguei-me no secretariado e deram-me um copo grande de chá quente, mas estava a tremer de tal maneira descontrolada que não conseguia segurar no copo sem o entornar todo. Troquei umas palavras com o Hugo Água e o Orlando Duarte e fui a tremer para o carro, onde me vesti. Demorei pelo menos uma hora até me sentir minimamente quente! Lá fora a chuva caía cada vez mais forte. Fui vendo o pessoal a chegar, incluindo os meus companheiros João e Alexandre, todo uns verdadeiros vencedores que sobreviveram a um dos dias mais agressivos que apanhei numa prova. 

Prémios finisher do Piodão e Estrelaçor. Dos mais giros e originais que já vi!

O resultado final foi um "não tão bom como parece" 6º lugar, em 4h21 para os 41km com 1650+. É claro que este brilharete só foi possível porque não estavam lá muitas trutas. Mas fiquei muito contente por voltar a fazer uma prova a sentir-me em forma. Venha a próxima, seja lá quando e qual for!

domingo, 4 de outubro de 2020

Piodão Trail Running (25km) - Espera lá, isto foi uma prova?

Sete meses depois do Ultra Louzantrail, num mundo completamente diferente do de Março passado, foi dia de voltar a colocar um dorsal. O Trail do Piodão, inicialmente programado para Abril, seria o ultimo teste para o MIUT, que aconteceria 3 semanas depois. Neste universo paralelo a esse que deixámos em Março, o Trail do Piodão foi o dia de voltar a sentir o que é uma prova. 

Tirei esta foto no dia da Travessia Arganil - Manteigas, da estrada que vai para o Piodão. Não foi no dia da prova mas conta na mesma!

Antes de começar, um pequeno throwback. Lembram-se daquele dia na Serra da Arada? De como foi espetacular e a fundo e à antiga? Pois bem, foi um bocado de mais. As pernas, que já estavam ofendidas dos 66km que tinha feito pelas ruas de Almeirim na semana anterior, não aguentaram as descidas da Arada. Passei o limite e agarrei um porcaria de uma lesão na coxa direita que me atazanou o verão inteiro. Estive a pensar e a ultima vez que tive uma lesão foi em Junho de 2018! Na verdade, este era o fim de semana em que embarcaria nas segundas 100 milhas da minha vida, desta vez no Gerês. Inscrevi-me no primeiro dia! Enfim, 2020 a ser 2020... Depois de mês e meio em que fiz mais quilómetros a caminho da marquesa do que a correr, há duas semanas voltei a correr minimamente confortável. No entanto, foi só na sexta feira, a meio da tarde, que decidi ir ao Piodão, depois de trocar meia dúzia de mensagens com o João Miguel, que me faria companhia. 

O Piodão, também tirado no outro dia.

Nos nossos dorsais constavam duas informações diferentes do habitual: uma fazia referência ao uso obrigatório de máscara, a outra informava sobre a hora da nossa partida. 9:22 para mim. Estranho mundo novo...

Chegamos ao Piodão um bocadinho antes das 9. Equipámo-nos ao pé do carro no meio de tremeliques provocados pelos 6 graus que se faziam sentir na altura. Lá em baixo, no centro da vila, o Hugo Água dava ordem de partida ao primeiro bloco de atletas da prova dos 25km. Seguir-se-iam novos grupos de 3 em 3 minutos, ou o tempo suficiente para reunir 10 pessoas. Perto da meta um conjunto de atletas de máscara aguardava pacientemente que chegasse a sua vez de entrar no garrafão da meta. Um ambiente tão frio quanto a temperatura que se fazia sentir. Sem sorrisos nervosos, abraços ou aquelas conversas típicas de inicio de prova... Depois de ver o João a passar o controlo, foi a minha vez de entrar no bloco. Como um empregado de uma fábrica, piquei o ponto e juntei-me a meia dúzia de companheiros debaixo do pórtico. O Hugo, coitado, tentava dar a habitual animação ao momento, mas a solenidade da partida ficou no outro universo. Enfim, 9 e tal, depois de um 3, 2, 1 e uma buzinadela, lá partimos. 

1400+ divididos em duas subidas. Perfeito!

Duzentos metros depois, uma placa a informar que podíamos tirar a máscara. Assim o fiz, dobrei-a e guardei-a na mochila. De repente vi-me no meio dos corredores estreitos ladeados pelas casas de xisto do Piodão. As primeiras queixas das pernas enquanto subia a trote uma escadaria, o primeiro alívio quando abri a passada na descida, a primeira sensação de euforia quando entrei no espetacular trilho que nos levaria até à Foz d'Égua... De repente senti a necessidade de subir o ritmo quando o trilho limpava, de apertar a passada nas ligeiras subidas. Senti o pulso a subir e a respiração a ficar pesada. A adrenalina a subir, as curvas, as pedras, as árvores a arranharem os braços. Espera lá, isto é mesmo.....uma prova??

Terceiro km, Foz d'Égua. Base a primeira subida. Seguiam-se 7km quase sempre com desnível positivo, com passagem por Chão d'Égua, onde estava o primeiro abastecimento, no qual nem abrandei. Esta parte da prova era igual à que tinha feito em 2016 e 17, na distância ultra e ainda há 2 ou 3 meses lá tinha passado na Travessia Arganil - Manteigas, era a quarta vez que passava naquele estradão aos ésses, que nos levaria vagarosamente à cota 1300. Desde a primeira vez que lá passei sempre fiquei com a ideia que era uma excelente subida para fazer a trote. Mas por falta de pernas ou, no caso da travessia, economia de esforço, nunca tinha tentado ou conseguido. Desta vez não escapava. Meti um trote económico e tão constante como o desnível que nos embalava. As pernas foram-se soltando ao longo dos 4km e 500+ e cada vez me sentia melhor, à medida que ia passando companheiros. Seriam do meu grupo? Da distância ultra? De grupos que partiram à frente? Não faço ideia... Fui fazendo a minha corrida sem a menor noção da minha posição relativa. 

O estradão da subida. Tirado do Facebook da organização.

Lá em cima abandonámos o estradão e entrámos no trilho que nos levaria até Malhada Chã, em 5km de descida. A sensação de passar do trote e ter pernas para aumentar o ritmo na descida é impagável, as saudades que eu tinha! Ainda por cima fiz toda a descida completamente sozinho. Só eu, a minha respiração, concentração no trilho por vezes bastante técnico e o barulho da minha passada. Uma vozinha avisava-me para não abusar, é precisamente nas descidas que a coxa dá sinal. Portei-me bem, não fui à maluca. Apesar das pernas ainda terem reservas e a dor não ter aparecido sabia que as consequências apareceriam mais tarde. 

Visto no fim da primeira subida. Também tirada na travessia.

Início da segunda subida e fiz, pela primeira vez no dia, uns metros de subida a passo, num trilho mais inclinado. Quando entrámos num estradão parecido com o primeiro voltei a trotar em direção ao marco geodésico. As pernas continuavam lá, o que me muito me surpreendeu pela positiva, já que tenho treinado mesmo muito pouco. Virámos a ultima montanha e já se via Piodão lá em baixo, seguiam-se 5km a descer, metade em estradão metade em trilho. Desta vez as reservas já foram bem maiores que na primeira descida, já que a coxa deu sinal, mas mesmo assim foi a muito bom ritmo que fiz a descida final que me deixou no Inatel do Piodão, 2h41 depois!

Cruzei a meta ofegante, de máscara, e desliguei o relógio. Como expliquei lá atrás, fiz a prova em contra relógio, não fazia ideia se andava a ganhar ou a perder posições, mas isso não me impediu de deixar lá tudo! A classificação on-line esclarece que fiquei em 13º. Ok, eu aceito! 

A única foto do dia!

Mas se durante as 2h41 anteriores voltei ao mundo pré-covid, o ambiente na meta voltou a lembrar-me da nova realidade. Muito pouca gente, sorrisos e esgares de esforço tapados pelas máscaras... Sentei-me um bocado sem falar com ninguém enquanto esperava pelo João para poder finalmente extravasar um bocado a euforia que sentia. É essa a principal diferença neste universo paralelo. O convívio pré e pós prova desapareceu e isso faz muito mais falta do que eu imaginava!

Mas nem tudo é mau! A prova foi espetacular e soube-me pela vida voltar a sentir-me dentro da competição. Nunca pensei que me fizesse tanta falta, principalmente porque nunca competi com muito mais que eu próprio! Fez-me ver que é possível haver provas nesta merda de mundo novo, é possível alguma normalidade. As coisas hão-de voltar ao que eram, até lá vou aproveitar todas as migalinhas e fazer o que mais gosto: correr!

Link para o Strava.


domingo, 16 de agosto de 2020

Distrito de Santarém - Pico Aire (679m)

Quando fiz a lista dos cumes correspondentes a cada distrito reparei que a grande maioria até já tinha subido. Haviam dois mais óbvios: Lisboa (Montejunto) e Santarém (Aire). De facto, acho que já subi mais de 100 vezes cada um deles! Pensei se faria sentido incluí-los na minha lista, afinal quase todas as semanas lá vou, por outro lado o que não faria mesmo sentido era retirar deste projecto as duas serras que mais me dizem em Portugal! Decidi avançar, mas com uma condição: o treino teria que ser guiado por alguém que tivesse lá ido ainda mais vezes que eu. 

O Vale Garcia. Fotografia tirada num outro treino

A escolha para o distrito de Santarém, o meu distrito, era mais que óbvia. Com certeza absoluta a pessoa em Portugal que pode afirmar com mais propriedade que aquela é a sua Serra. Mostrou-a aos amigos, à família e a milhares de pessoas, através da organização do Trail do Almonda, que vai para a 11ª edição. Um dos mais antigos e respeitados ultra-maratonistas em Portugal! Pois claro: o Aníbal Godinho!

Eu sei que a malta lá atrás está desfocada, mas eu também queria era mostrar o Aníbal!

O encontro com o Aníbal estava marcado para as 8 de Domingo. À hora certa lá estava com o João Miguel, meu companheiro de Almeirim em tantas dessas dezenas de incursões a Aire, para nos juntarmos a um grupo muito porreiro de malta da equipa Caracol Trail Running e outros amigos, como o ilustre Hugo Água e o Rui Lopes, que vieram de Coruche. Como sempre acontece nestes treinos em grupo (pelo menos a mim, que não o faço com muita frequência) os normais constrangimentos de meter conversa com pessoas com quem não convivemos habitualmente desaparece no preciso momento em que se inicia o cronómetro. De repente éramos todos amigos de longa data, irmãos de armas a contar histórias de batalhas passadas! 

Com o grande Henrique Dias.

Apesar da Serra d'Aire, pertencente ao Parque Natural das Serra d'Aire e Candeeiros (para quem não conhece, quando se vai na A1 para Norte, Aire é a serra que fica do vosso lado direito), estar a menos de 45 minutos da minha casa, confesso que até há coisa de dois não ia lá assim tantas vezes. Descobri Montejunto mais cedo, há 5 ou 6 anos, e fiz o erro de me acomodar lá. Mas Aire lá estava, proeminente, visível a quilómetros de distância em qualquer sitio da nossa Lezíria. Sabia que mais cedo ou mais tarde ficaria intimo dela.

Primeiro foi o Fojo, um trilho pelo qual me apaixonei. Subi-o e desci-o dezenas de vezes, numa espécie de introdução a Aire. Lentamente fui juntando trilhos, imaginando ligações, pesquisando dezenas de treinos do Aníbal e outros habituais e através de muito corte e cola de tracks fui entrando na Serra. Agora já temos uma relação. Imagino percursos e sei por onde ir se quiser alguma coisa mais rolante ou meter mais desnível. Conheço os trilhos mais bonitos e vistosos e as pedras mais desconfortáveis. Os pontos de água e os diferentes pontos de encontro.

Foto do Fojo, numa madrugada destas.

Começámos por subir um dos meus velhos conhecidos: o trilho dos medronheiros, que liga com o Fojo para formar o meio km vertical de Aire. Um trilho muito inclinado, difícil, no meio de árvores, silvas e medronheiros. A ligação foi feita ao muito recente Trilhos dos Escuteiros, talvez o mais percorrido da serra nos últimos meses e um dos meus preferidos. 3km de subida muito variada, com patamares, muita pedra, zigue-zague e entrada e saída de bosques. Talvez o trilho mais desafiante da serra! A ligação ao parque de merendas, na face norte da serra, foi feita por um muito massacrante estradão coberto de brita de calcário, mas este é daqueles que vale a pena porque dá acesso a um dos melhor caminhos da serra, o trilho que faz o planalto inteiro, subindo ligeiramente até às antenas e ao Pico Aire. Inclinação pequena, muitas curvas e contra-curvas, uma maravilha para fazer toda a trote quase sem esforço! Lá em cima picámos o ponto no marco do Pico, ponto mais alto do distrito de Santarém com 679m e finalmente descemos pelo meu primeiro amor nesta serra: o Fojo. 

Foram 22km com 1000D+. Andámos a bom ritmo, foi um bom treino! 

679 metros. Pico Aire

Mas... sabem que mais? Isso não interessa nadinha! 

Como já expliquei no post do Marão, este "projecto" é muito mais do que treinar e subir aos marcos geodésicos. O que eu queria mesmo era ouvir as historias sem fim do Aníbal, conhecedor em primeira pessoa de tudo o que é corrida fora de estrada em Portugal, conversar com o Henrique sobre treino, trabalho e tudo e mais alguma coisa, ficar a conhecer a campeã Tetyana, falar com ela sobre o seu filho campeão de natação. Encontrar o Carlos, com quem tinha partilhado uns km o ano passado no Almonda, e o Ricardo. Rir com o Hugo enquanto as conversas fluíam já no Centro Escolar do Pedrogão, onde comemos um delicioso bolo de cenoura feito pela mãe do Henrique. Queria mesmo era ver o olhar orgulhoso do Aníbal e companhia, enquanto lhes explicava quais eram os meus trilhos preferidos da serra. É claro que conhecia o percurso. Conhecia-o de trás para a frente! Mas fazê-lo com o Aníbal foi impagável e precisamente o que eu quero que isto seja.


Mas é claro que não podia ficar por aqui. Depois de um banho tomado nos balneários do centro escolar, seguimos para casa do Aníbal para almoçar! Basicamente fomos do quintal dele para casa dele, faz sentido. Lá se juntaram os filhos do Aníbal, o grande Tiago Godinho, que de certeza conhecem, e a simpática Joana, que deviam conhecer. A Maria do Rosário, mulher dele, os vizinhos do lado (literalmente), a Sara, o Hugo, o João Miguel.... Mais de 3 horas de almoço, entre amigos e família. A conversa era infinita, por entre km e km de trilhos e provas, risos e histórias intermináveis. Impossível pedir mais: correr em casa e sentir-me em casa. Entre amigos. 

O distrito de Santarém está riscado da lista, mas algo me diz que as visitas a Aire vão continuar por muito e bom tempo. 

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Xfun Race - 3 em 1 na Serra da Arada

Sou fã da malta do Spotcriativo Eventos. A primeira prova que fiz deles foi a Zela, logo na primeira edição, desde então já corri duas vezes no Pisão e outra na Arada Night Race. Têm sabido criar provas com uma identidade muito própria, principalmente aquelas que acontecem na magnifica Serra da Arada, cujas encostas exploram a fundo, não se limitando a aproveitar os muitos trilhos existentes. Para este ano tinham grandes planos, como uma prova de etapas a acontecer em Junho, mas claro que isso foi tudo ao ar. Como compensação souberam adaptar-se à nova realidade e criaram alguns desafios muito interessantes. Primeiro uma corrida vertical no Caramulo (palco da Zela) e agora a XFun Race, na Arada, onde participei no fim de semana passado (continua activo até dia 15 de Agosto).

Ah, até me estava a esquecer de outro atrativo das provas do Spotcriativo: a probabilidade de ficarem com uma fotografia tirada pelo Fritz é muito grande!

O desafio consiste em dois percursos a rondar os 12km e 1000+. Dentro de cada um exista uma subida mítica da Arada. A primeira é a subida do Fujaco (todas as distâncias do Pisão lá passam) e a segunda a subida da aldeia da Pena, que inclui o Trilho do Morto que Matou o Vivo e o Monstro da Pena. Daqui resultavam 4 classificações: uma para cada percurso completo e uma para cada subida. A orientação é feita pelo track, não há marcações, e o tempo para a classificação é retirado de segmentos do Strava. Simples. Bora lá.

Eu disse que valia a pena pelas fotos!

Percurso do Fujaco - 13km, 1080D+

Às 6 da manhã já estava ao pé das eólicas, nos 1000m, com o João Tomás (devem lembrar-se dele de aventuras como a travessia do Parque da Serra d'Aire e Candeeiros e da de Arganil - Manteigas). Tínhamos dormido a noite anterior na Pousada da Juventude de São Pedro do Sul e saímos às 5:30 para começarmos a correr ao nascer do dia. Já lá estava o grande Samuel, aka FRITZ, fotografo por excelência da Arada mas sobretudo um gajo super porreiro. O sol ainda demoraria uma boa meia hora a nascer, por isso aproveitamos para conversar um bocado com o Fritz enquanto tomávamos o pequeno almoço trazido numa box da Pousada (excelente opção para pernoitar quando se quer treinar na Arada, Freita ou Caramulo!). Entretanto juntou-se o Sérgio, mentor do Spotcriativo, e às 6:40, minutos depois do nascer do sol, lá partimos.

Já conhecia praticamente todo o percurso do Fujaco das participações no Pisão. Começámos mesmo em cima de um dedo da Garra, num trilho espetacular e técnico (como foram todos) que nos afundaria bem até ao fundo do vale, aos pés de Gourim. Há uns meses passei ali com água pelo meio do peito, desta vez mal molhei os pés. 


A descer a garra. Aquela estrada a serpentear foi onde o Tiago Ferreira bateu o record de subida em 24h de BTT, lembram-se? Foto do Fritz.

É claro que perdi logo o João de vista (só para verem o nível, está no pódio das 4 classificações), mas isso não me impediu de descer a fundo, como já não fazia há meses! Quando comecei a muito inclinada subida já ia ofegante e com as pulsações bem lá em cima. Que saudades! Mãos nos joelhos, dobrado para a frente e toca a içar-me pelos trilhos xistosos. Mesmo sem abrandar ainda saquei do telemovel para tirar uma foto à Garra antes de começar a descer. 

Fritz, desculpa meter uma foto minha aqui no meio das tuas!

O modo era totalmente de prova. E prova rápida! Por isso, por cima de Gourim, dei só uma espreitadela ao relógio para saber a direção e lancei-me num trote esforçado para vencer os últimos metros de desnível positivo antes de começar a descer pelo estradão do Fujaco. Aí, mais uma vez, foi abrir a passada e martelar todos os músculos das pernas que passaram os últimos meses a folgar! 

Restava agora a demolidora subida do Fujaco. Mais ou menos 4.5km e 700+, com o desnível concentrado quase todo nos primeiros 2km. Não é uma subida muito técnica, o chão é em xisto solto e dá para meter uma passada constante, mas ao facto de ser muito longa e inclinada juntou-se um dia muito quente, mesmo àquela hora da manhã! 

Acham que ia em esforço? Foto do Fritz. Viemos lá do fundo, do Fujaco.

Pulsações no red line, completamente encharcado, pernas a arder e à beira do colapso, respiração ofegante e muito sonora. Caraças, como eu sentia falta disto! Baixei a cabeça, cerrei os punhos e meti um trote muito esforçado sempre que conseguia. Lá em cima já se viam as antenas onde estava a meta, o desnível era pouco acentuado nos últimos 2km, o que "obrigava" a abrir a passada e subir mais depressa. 

Foto do Fritz

Foram quase duas horas (1h54) para completar o percurso. Quase 2 horas de muito esforço em que não deixei nada no depósito! ...espera, não deixei nada? Pois, isso vai ser um problema, porque dali a uns minutos ia ter um encontro com um Monstro...

Link para o Strava do Percurso do Fujaco

Percurso da Pena - 11km, 1000+

Chegamos ao fim do Fujaco, trincámos qualquer coisa, e arrancámos de carro para o São Macário, onde iniciava o percurso da Pena. Foram cerca de 15 minutos de viagem. Já tinha avisado o João sobre o Monstro da Pena, podem ler sobre isso aqui, naquela que foi certamente das maiores aventuras da minha vida. Mais uma vez, conhecia mais ou menos todo o percurso, sabia que, ao contrario do Fujaco que tinha aqueles km de estradão a descer, todos os metros deste 11km seriam desafiantes. O que não esperava era ser de tal maneira triturado como fui!

Desculpem a imodéstia, mas acho que esta é a minha melhor foto de sempre! Pelo Fritz

Mal arrancámos percebi que tinha deixado um bocado das pernas no Fujaco. Normal, dei tudo e isso é coisa que não fazia há algum tempo. Desta vez nem tentei acompanhar o João, antes decidi fazer a muito dificil descida inicial resguardado para ter pernas para o Monstro. Foi a descida mais técnica que apanhámos, muito desafiante. Pedras e socalcos por todo o lado, usei mãos e rabo para conseguir descer, sempre em esforço, concentração máxima. Tricotámos uma crista vertiginosa e avançámos para o precipício que nos levaria até ao fundo do vale. 

Logo no início começaram as dificuldades. Foto do Fritz.

O litro de água que levava depressa se esgotou e a meio do percurso percebi que isso ia ser problemático. O dia estava muito quente e abafado. Não me estava a sentir nada solto, mesmo quando era a descer fácil, por isso desliguei um pouco o modo prova e liguei o modo sobrevivência, o meu amigo das ultras. Bebi água diretamente de ribeiros e enchi os flasks sempre que podia, enquanto subia o incrível trilho do Morto que Matou o Vivo, que me levaria até à aldeia da Pena.

Esta é minha, a meio do Morto que Matou o Vivo. 

Para quem não sabe, este trilho tem esse nome porque, reza a lenda, estavam a transportar um caixão da Pena para Covas do Rio quando o deixaram cair em cima de um homem que morreu. Não sei se é verdade, o que me lembro sempre deste trilho é das impressionantes escarpas verticais que o ladeiam, formando uma garganta muito apertada. Só para verem a imponência, o relógio perdeu várias vezes o sinal de GPS durante a subida!

Chegado à aldeia da Pena voltei a encher os flasks, terceira vez neste curto percurso, e preparei-me para enfrentar o Monstro da Pena, parte final da subida. Não o vou conseguir descrever tão bem como naquele artigo que fiz referência lá atrás sobre a minha participação nos 65km do Pisão, porque, na verdade, o impacto foi bastante maior na altura. Mas adorei revisitar os blocos enormes, subidos a força de braços, as cristas proeminentes e os caminhos impossíveis da verdadeira loucura sky running que é este troço da subida. 

Já com pernas a latejar, constantemente a dar sinal de câimbras, o Monstro literalmente cuspiu-me aos pés do São Macário. Desta vez já nem consegui trotar nos últimos metros, tudo o que tinha ficou naquela subida.

Foi aqui que me libertei do Monstro. Mais uma grande foto do Fritz.

Mais um vez foram duas horas para completar este percurso. Este muito mais técnico e desafiante que o primeiro. Fazê-los de seguida é claro que não foi a melhor das ideias, mas para quem não é de perto parece-me mesmo assim uma boa opção. Se optaram por os fazer de seguida, aconselho muito a começarem pelo Fujaco, fiz a subida às 8 da manhã e o calor era insuportável, não quero imaginar às 11 ou meio dia! 

Link do strava para o percurso da Pena.

Bem, dizia eu que fazê-los de seguida não foi a melhor das ideias. Então o que se faz depois de acabar os dois? Pois claro, vamos ao terceiro!

Percurso dos Incas - 11km, 720D+

O nosso bonus track estava fora da Xfun Race. O Sérgio arranjou-me um percurso para passar pelo incrível trilho dos Incas, que o João não conhecia. Eu já tinha feito uma parte na UTSF e outra no Pisão, mas nunca tudo seguido. Pois bem, estava decidido!

Começámos nada mais nada menos que ao meio dia e meia. Yep. Já tinha perdido e bebido litros de água e estava completamente derretido. Tinha tudo para correr bem.

Arrancámos no parque de campismo do Retiro da Fraguinha e, agora mais descontraídos e sempre juntos, fomos papando a descida bastante difícil até à aldeia do Candal. Aos 4km, quando lá chegámos ao Candal, já implorava por uma bica de água, quando encontrámos um pequeno tanque. Milagre. Mas o melhor foi mesmo o oásis por onde passámos antes da Póvoa das Leiras:

Aqui não parece, mas ali no meio dava para mergulhar. Nem pensámos duas vezes!

Notei logo no início da subida que a coisa não estava fácil. Não conseguia subir confortável de maneira nenhuma. Mãos nos joelhos, mãos na cintura, mãos atrás das costas, suspiros pelos bastões.... Enfim, quando não há pernas tudo atrapalha. O calor estava a tornar-se insuportável já na parte de baixo do vale, tínhamos constantemente 5 ou 6 moscas a chatearem-nos e a pousar na pele pegajosa do suor. Mas o pior, o inferno, chegou depois da Póvoa das Leiras, quando saímos da sombra das árvores.

O Trilho dos Incas.

A imponência deste trilho é inacreditável. Quando lá passei a primeira vez, na UTSF, lembrei-me muitas vezes da travessia entre os picos do MIUT. Mais uma vez, é impossível uma fotografia de telemóvel fazer jus ao que vimos ali. 

O trilho é numa encosta totalmente exposta ao sol mas protegida do vento. O piso é todo ele em lajes de xisto e quartzo, brilhantes, que refletem a luz solar e conservam o calor. A sensação era literalmente a de estar dentro de um forno, calor por cima e por baixo. Estava completamente encharcado em suor e tentava racionar a água, sabia que agora já só teria no final. Voltei a ter aquela sensação de ter que lutar por cada passo, também ela afastada há meses. A certa altura tive que me sentar numa pedra e foi como se tivessem aumentado a temperatura do forno! Levantei-me logo e batalhei pelos metros finais, que teimavam em aparecer.

Virado o colo, já perto dos 1100m, restavam dois km de estradão até ao parque de campismo, cumpridos em enorme esforço e clara falência física. Ufa!

No total foram cerca de 35km e 2800D+. Três percursos muito desafiantes, difíceis e igualmente interessantes. Foi de tal maneira violento que hoje, terça feira, ainda me custa a levantar. No domingo mal me mexia! Já não estava habituado a levar tanta porrada, mas foi um excelente treino para um desafiozinho que vai acontecer lá para Outubro do qual mais tarde vos falarei melhor, o Trans Peneda Gerês, de 160km. Por agora não quero pensar muito nisso, até porque estou cheio de dores nas pernas!

Pumba, só assim para acabar!