Uma das coisas mais assustadoras fascinantes de correr ultra distancias é a quantidade quase infinita de variáveis que podem influenciar a nossa prestação. Vamos treinar o máximo e o melhor que podemos, vamos testar equipamento até à exaustão, vamos delinear planos alimentares a régua e esquadro, decorar o perfil, vamos fazer tudo conforme as regras. Mas depois a meio da prova apercebemo-nos de uma bolhazita provocada pela água toda no percurso (que não era suposto existir), ou o estômago vira por causa de um gel a que não estamos habituados, ou desata a chover, ou está um calor infernal, etc etc, e de repente estamos num mundo novo. Deitamos fora a folhinha branca A4 dobrada e arrumada a um canto da nossa cabeça, rasgamos o canto de um papel velho e amarrotado, pegamos num lápis mal afiado e começamos a delinear a estratégia que nos permitirá chegar até ao fim.
Confesso que demorei bastante tempo a aceitar o facto de que há coisas na corrida que não consigo controlar. Sou uma pessoa extremamente metódica e analítica, apaixonei-me pela física e formei-me em engenharia civil precisamente pela satisfação e conforto que me dá pensar em coisas absolutas. Curiosamente, essa incerteza nas ultras é das coisas que mais me atrai! Deve haver uma explicação qualquer para isto, mas, como não sou um gajo das humanidades, escapa-me.
O truque parece ser controlar o máximo de variáveis possíveis. Nesse aspecto, acho que há 3 importantes campos a serem trabalhados:
Já disse que gosto de esquemas? |
O Treino é o mais importante de tudo. Todos os aspectos do treino - físico e mental.
O Equipamento utilizado durante uma prova que dura muitas horas é importantíssimo. Quero fazer um post sobre o que vou levar para o UTMB, mas esse campo ainda vai ser trabalhado nos próximos dois meses.
O terceiro vértice do triângulo, a Alimentação, é o que me levou a escrever este artigo.
Ao longo dos anos já andei em campos completamente opostos do espectro: desde achar que bananas e amendoins é mais que suficiente, até ir carregado de coisas na mala. Nesta altura estou bastante seguro da minha estratégia para o UTMB e é por isso que faço este post. No entanto, é importante partir de dois pressupostos:
1 - Não tenho qualquer acompanhamento a nível da nutrição. Todas as conclusões a que cheguei são baseadas no método experimental. Este método dá origem a um corolário: sendo ele baseado na MINHA experiência, não sei se se aplicará a outros.
2 - Não é por fazermos uma alimentação imaculada que vamos chegar ao fim sem levar com a marreta. É só mais uma variável que tentamos controlar e dessa forma adiar a vinda do senhor do martelo. Que eu saiba ainda não há barritas que se transformem em pernas, por isso o melhor é treinar.
Posto isto, vou aqui deixar uma bomba que aposto vai ser novidade para vocês, já que duvido que alguma vez alguém tenha chegado a essa conclusão: o nosso corpo precisa de combustível para andar.
Pronto, deixem assentar, respirem...
É verdade. Não me perguntem quantos gramas de hidratos ou proteínas precisamos por hora. O que sei é que, por experiência, se não for abastecendo o depósito de vez em quando, mais cedo ou mais tarde meto o pisca e encosto à borda da estrada.
Independentemente do que há nos abastecimentos, há uma coisa que não pode falhar: no máximo de hora e meia em hora e meia tenho que ingerir qualquer coisa. Já aprendi que não posso estar dependente dos abastecimentos das provas. Primeiro porque nem sempre são completos ou bem localizados, depois porque podem passar horas entre abastecimentos, e isso pode ser fatal. A consequência é andar carregado como um burro de carga e ter os ombros doridos ao fim do dia, mas quando começo uma prova tenho que saber que posso chegar ao fim sem precisar dos abastecimentos sólidos.
Como disse lá atrás, já experimentei de tudo neste campo. No MIUT do ano passado, fora dos abastecimentos, apenas ingeri 2 (dois) géis durante a prova toda. Ok, o MIUT tem os melhores abastecimentos que já vi, mas não foi de todo suficiente. Por exemplo, entre Curral de Freiras e o Pico do Areeiro, onde estavam dois abastecimentos de sólidos, passaram 16km e +/- 1500d+. Nesse ano demorei umas 5 ou 6 horas a cumprir o percurso, isto tudo sem comer! (estou neste momento a auto-infligir calduços com bastante força). Só um exemplo de que estar dependente dos abastecimentos, pelo menos para alguém do meu nível, NÃO FUNCIONA.
Já andei carregado com comida a sério. Sandes, panados, frutos secos, atum, etc... Ponto negativo nº 1, é muito volumoso e pesado. Ponto negativo nº 2, ao fim de algumas horas é virtualmente impossível comer alimentos muito secos. Não estou a exagerar, por mais que me esforce é IMPOSSÍVEL engolir certos alimentos. Empapa e não desce. Se muito a esforço conseguir empurrar com água o mais provável é ficar enjoado a seguir.
As barras parecem uma opção lógica. São alimento sólido, têm lá na fórmula os ingredientes todos que interessam, são pequenas e saborosas (algumas, vá). Mas tal como as sandes, sei que a partir de certa altura não as vou conseguir comer, é certinho.
O gel, que ainda há um ano era um grande NÃO na ementa, é, para mim, o combustível ideal. Têm os hidratos, os eletrolitos e essa treta toda, podem ter cafeína, são rápidos de ingerir e depois de 3 goles de água vão abaixo e já não nos lembramos dele. O ponto negativo é que se tiver sensação de fome até posso comer 3 géis que ela não me passa.
Posto isto, senhoras e senhores que conseguiram ler até aqui sem adormecer, aqui está a minha estratégia de alimentação para o UTMB:
- Ir carregado com géis e barras que nem uma mula. Na primeira metade da prova, até Courmayeur, +/- 20h, vou levar 10 barras e 10 géis. Nesse abastecimento, que serve de posto de vida, vou ter outras tantas barras e géis num saco para abastecer até ao fim. As primeiras horas vou tentar comer 2x barra 1x gel (com cafeína). Por exemplo: 1h30 (barra), 3h (barra), 4h30 (gel com cafeína). Já sei que vou enjoar as barras, por isso vou aproveitar enquanto o estômago deixa para ir atafulhando. A partir do momento em que começar a não entrar as barras vou-me virar exclusivamente para o gel, para que não haja hipótese do motor ficar a seco.
- Levarei apenas água pura comigo, 1.5l no camel back, não gosto de levar bidons nem flasks. Vou aproveitar todos os abastecimentos para beber isotónico e café.
- Em todos os abastecimentos vou tentar meter comida "a sério". Sei que a única que vai entrar sempre bem será comida mais húmida, tipo canja, banana, marmelada ou aletria. O ideal seria como no MIUT, onde comi canja em TODOS os abastecimentos, mas não sei se isso será possível no UTMB.
- Não levo isotónico comigo mas levo cápsulas de eletrólitos. Não sou muito disciplinado com elas, normalmente só tomo quando tenho ameaças de cãibras. Nessa altura tomo de meia em meia hora até me esquecer, sinal que já passaram as cãibras.
Estas são as marcas que vou usar:
Zipvit ZV7 - Um bocado espesso, mas daqueles que parece que dão mesmo um boost. Há vários sabores e a caixa pode ser comprada com uma mistura de sabores. É bom porque assim vamos variando e não enjoamos. Será o meu principal alimento
Zipvit ZV7c - Com as características do anterior mas a adição de uma quantidade grande de cafeína. Não sabe tão bem como o outro, mas para mim é importantíssimo ir ingerindo cafeína, principalmente durante a noite logo antes de amanhecer.
My Protein Ener:Gel - Uma muito boa surpresa. Não tem o poder do Zipvit (quantidades de hidratos, etc), mas é muito mais fluído e saboroso. Parece que estou a beber um sumo. É bom para desenjoar do outro e mesmo assim ir alimentando.
As barras são a maior dor de cabeça. Já experimentei uma quantidade muito grande delas, mas acabo sempre por as enjoar e depois nem consigo comer nos treinos, quanto mais em prova. Gostava ainda de experimentar outras barras mais "orgânicas", como por exemplo as Olimpo, mas até ver estas são as duas que se têm mantido na dieta e que à partida vou levar.
Gold Nutririon Extreme Bar - É provavelmente a barra com sabor mais sintético de todas, parece um chocolate Mars. Mas apesar de ser um bocado borrachosa não empapa, e em 4 dentadas mandamo-la abaixo. O melhor que tenho a dizer delas é que são as que como mais e ainda não enjoei.
My Protein Energy Bar - Bastante maiores que as Extreme, talvez por isso quando as como fico mais saciado. À primeira dentada parecem muito duras e difíceis de comer, mas curiosamente não empapam nada. Muito saborosas, parecem aqueles snacks que se vendem para a dieta.
Cápsulas Hammer Endurolytes - Basicamente são cápsulas de sais. Não há muito a dizer sobre elas, é sal... Não abuso, como disse lá atrás só as tomo quando sinto as cãibras a chegar.
Alguma sugestão por aí? A gerência agradece.