10:45. Já deviamos ter
começado a prova há quase duas horas, mas sobre isso podem ler mais nestaCrónica do Sr. Ribeiro. Estava borrado de medo, prestes a saltar do Galeão do
Sado para o mar. Vi o primeiro a saltar lá para dentro, respirei fundo, apertei
os oculos contra a cara pela 893ª vez e já com vontade de vomitar saltei para
dentro de água.
Fotografia do Facebook da organização |
Pânico! Água gelada!
Senti pela primeira o peso do equipamento que levava para nadar. Sapatilhas de
trail, meias, t-shirt que ganhei numa prova e o dorsal da prova. Dei umas
pernadas de bruços para me manter à tona mas as sapatilhas não me deixavam dar
o impulso que precisava.
Calma, Filipe!
Passaram uns segundos,
meti o Pool Buoy no meio das pernas e dei umas braçadas. Relaxei as pernas,
mesmo com as sapatilhas mantiveram-se à superficie. Óptimo. Dei umas braçadas e
disse a mim mesmo para descontrair. Estava num ambiente familiar, na água, lá
dentro não ouvia nada. Uma, duas, três, quatro braçadas e respira. Ok, estável.
Contornei o galeão e preparei-me para a partida. Ainda me virei para o Sommer e
disse-lhe para relaxar, que o pool buoy era suficiente para deixar as pernas a
flutuar, mas assim que me viro novamente para a frente: PIIIIII!!! PARTIDA,
VÃO!!
Sem dar por isso tinha
entrado numa máquina de lavar da qual só iria sair mais de duas horas depois!!!
Estava mesmo no meio do
furacão! Comecei frenéticamente a nadar, a respirar de duas em duas braçadas.
Pernas, braços, sapatilhas por todo o lado! Olhava para a frente e só via
espuma, respirei quase em pânico, engoli água. Felizmente os muitos anos de
natação dão-me à vontade para lidar com esta situação e isso foi o que
precisava para entrar na prova. Cerrei os dentres, foquei-me na braçada e
comecei a passar pessoal, e ai da perna que se atravessasse à frente! De
repente estava a nadar à vontade, mas a sentir que estava a fazer muito mais
força que o habitual. A t-shirt de corrida que levei estava longe de ser a
escolha certa para aquela prova e funcionava como uma espécie de cobertor que
me prendia o deslize. Isso irritou-me, comecei a apertar mais na braçada e a
nadar mais depressa. Olhei para a frente, já via pessoal a sair para a praia, estavam
feitos os quase 1000m do primeiro segmento de natação. Mais uma ou duas
braçadas e levantei-me. Vi a Sara, a Sra. Ribeiro e o Ribeirinho mais velho na
praia aos gritos!
"BORA BORA!!!
FORÇA!!!!"
Olhei à volta e não vi o
Sommer. Saí na mesma para a praia e fiquei ali meio abananado a correr de um
lado para o outro. De repente lá estava ele, a sair a cambalear da água. Não
lhe dei tempo para respirar, puxei-o por um braço e comecei a correr praia
acima ainda ele estava a tirar os óculos.
Depois da primeira natação, enquanto esperava pelo Sommer. |
"Vais bem, vais
bem!! Bora lá!!!" disse-lhe.
Ele nem respondeu, meteu
a trote atrás de mim. Senti-lhe a respiração super ofegante. Eu ainda tive ali
dois minutos a recuperar, ele nem teve tempo de respirar. Pensávamos nisso
depois. Tempo para pensar é o que não existe nesta prova!
De saída para a primeira corrida. Somos a dupla 7. Fotografia da IronMe |
Primeira corrida. 4km com
200D+. Bora Sommer, cola atrás. Seguimos a trote numa subida de 1.5km onde se
vencia praticamente todo o desnível. Sentia-me bem e solto, o Sommer, sempre à
mesma distância lá atrás, nunca vacilou. Virámos para a descida e entrámos em
trilhos muito bons. Estávamos no nosso ambiente, descontraí na descida e
deslizei a velocidades impróprias, a passar mais e mais gente. Senti que o
Sommer estava em dificuldades, já o conheço, não estava a relaxar na descida e corria
a forçar. Disse-lhe para ter calma, que àquilo já estava ele habituado. Os
trilhos sucediam-se e nós seguiamos de faca na boca. Trail a sério, como
gostamos!
4km depois estávamos de
novo na praia. Pulsação a 1000. Parei, meti a toca na cabeça, óculos, pool buoy
entre as pernas e voltei-me para trás. O Sommer estava com ar de pânico. Calma,
disse-lhe, vamos relaxar nesta natação, começámos depressa de mais. Sim, disse
ele, ainda não consegui respirar! Entrei calmamente na água e deixei-me ficar
ao lado dele para me ver enquanto respirava. Alonguei muito a braçada e
sentia-me super bem a nadar, sem esforço. Estava mesmo a precisar daquela água
fria.
A calma antes da
tempestade durou pouco, 300m. Nova praia, agora ele praticamente não perdeu
tempo para mim na natação, arrancámos de imediato para novo segmento de
corrida, agora com 9km e 450D+. Go go go!!!
Primeira subida, a trote,
e parámos num abastecimento para mandar uns copos de água abaixo. Siga,
continuámos a trotar subida acima. Fomos passando mais e mais gente. O calor
apertou muito, estava a escorrer água e não era a água do mar de onde saí há
uns minutos. Esta corrida foi trail puro, muitos e bons trilhos, mesmo ao nosso
jeito. Continuava a sentir-me super bem, mesmo as subidas fazia a correr a bom
ritmo. Ao mesmo tempo ia espreitando pelo canto do olho enquanto via o meu
parceiro, que no seu estilo de quem está prestes a cair para o lado, nunca
desarmava. Nunca! Passámos mais pessoal e disparámos na descida. Tens que
relaxar agora, lembra-te, estamos em casa!! Disse-lhe. Ele já nem respondia,
mas meteu-se atrás de mim a dar tudo. Parámos em novo abastecimento, mais água.
Estava um inferno de calor. Faltava só mais uma subida e esta era das boas,
quase 200m de desnível num quilómetro. Mãos atrás das costas e bora a arfar até
lá acima! Tá feito, é descer até à água, descontrai! Saímos a voar e aqui
disparei mesmo. Que loucura, nem sentia as pernas! Só parei em novo
abastecimento agora mesmo junto à praia. Reagrupei com o Luís. Iamos para novo
segmento de natação, agora com 500m.
A meio de uma das corridas. Sommer logo atrás! Fotografia IronMe |
Os segmentos de natação
eram ouro para mim, recuperava tudo o que tinha perdido na corrida. A
progressão era muito pesada, maldita t-shirt, mas mesmo assim era o suficiente
para, com pouco esforço, ir ganhando tempo.
Saímos praticamente ao
mesmo tempo da água e corremos na praia, onde estava o Safara, o sr. Swimrun.
"vão muito bem, 3º ou 4º!!!" Eish!! Mais ânimo ainda!! Sem tirar a
toca atacámos nova corrida, agora era só subir o monte que nos separava da
proxima praia e depois correr 500m no areal.
BORA BORA BORAAAA!!!!
Estava eufórico!!!
Gritava para o ar enquanto ouvia os passos pesados do Luís mesmo atrás de mim!!
Mesmo antes de entrar
para a água, para o ultimo segmento de natação, vi uma touca azul lá atrás (as
duplas tinham toucas azuis, como as nossas). Não há tempo para pensar, mergulha, nada!!!
Mais 400m de natação,
sempre a dar, agora sim a deixar lá tudo!!!!
Cabeça fora de água e
vejo que a tal touca azul estava ao meu lado. Logo, logo atrás está o Sommer!!
BORA, CARALHO!!! Subimos as escadas a correr e começámos a sprintar nos 500m de
calçada até à meta!! Passámos a outra dupla! O Luís vinha a gritar atrás de mim.
A Sara e os Ribeiros gritavam histéricos a uns metros do pórtico!!! VAI VAI
VAIII!!! ESTÃO EM TERCEIRO!!!!
AAAAH MAIS UM BOCADO
E..... FEITO!!!!!
Pufff. Desliga o
cronómetro, um abraço e toca a agarrar nos joelhos a tentar respirar.
Para a posteridade: Fomos ao pódio!!!! |
Dupla 7, com o nosso troféu e...com o Kiko, que também se estreou na modalidade neste dia |
Ainda hoje, mais de 24 horas depois, não consegui sossegar o formigueiro na barriga que esta prova me provocou. Que loucura, que intensidade! Quando o Luís me falou do swimrun, há uns meses, confesso que fiquei céptico. Nunca achei grande jeito a isso de nadar com o equipamento de corrida, ou àquela coisas estranha de levar o pool buoy agarrado à perna enquanto corríamos. Até ontem encarei esta prova como uma brincadeira, um dia com o Sommer e mais uns amigos. Fui displicente com o equipamento e praticamente não li nada sobre o desporto. Mas isso mudou tudo quando saltei do galeão para a água do Sado.
Tentei o melhor que consigo, mas é dificil explicar por palavras a intensidade que é participar numa prova destas. Desde ontem que muita gente me pergunta o que é isso do Swimrun mas a minha explicação acaba sempre por ser um embrulhado de palavras. Não é triatlo, nem pouco mais ou menos. É trail com natação. É adrenalina. Segmentos curtos, entra e sai de água. É trabalho de equipa (originalmente inventado na Noruega, foi idealizado como um desporto para ser feito em duplas, e é mesmo assim que para mim faz sentido).
A organização foi perfeita. Escolha do percurso, marcações, abastecimentos, logística.. Eu nem imagino o que é montar uma prova destas, mas agora percebo perfeitamente quando vi o Safara quase a chorar ao telefone com a Policia Marítima, enquanto via o sonho desmoronar-se por causa do nevoeiro. Ainda bem que tudo se alinhou.
Este ano já não há nenhuma prova em Portugal Continental, só uma na Madeira, mas para o ano não vou falhar uma do circuito. Aliás, não vamos, porque o Swimrun é um desporto de equipa. Eu, o Sommer, a Sara e a Ribeirada toda, o Safara, o Lizardo, o Roberto, o Kiko, o Salvador, o Zeca, o Prudêncio......
Foto de família. Agora bora almoçar!! |