A primeira (e única) vez que tinha estado no Trail do Almonda foi em 2014, na altura a 5ª edição desta corrida. Confesso que não me deixou muitas saudades. Lembrava-me de uma descida espetacular num trilho de downhill, um subida dificil num trilho muito fechado na mata, mas lembrava-me principalmente daqueles 4 ou 5km de estradão a direito que apanhámos no fim. Bem, se calhar eram menos, mas já se sabe como é que é esta coisa da memória... Os anos passaram e fui acompanhando as edições do Almonda, aparentemente sem grandes alterações. A decisão de voltar para a 10ª edição partiu de um convite do Aníbal e Tiago Godinho, duas das pessoas que mais prezo nisto do trail. O Aníbal é uma espécie de director técnico da prova e juntamente com os restantes Caracois (Caracol Trail Team) são responsáveis pelo percurso. Ora, eu já esperava uma organização competente, nem punha outra hipótese, o que não estava à espera era de um percurso integralmente diferente do que fiz em 2014 e certamente não estava à espera de apanhar um dos melhores percursos nesta distância que já fiz!
No topo do Vale do Fojo, tirado por mim num dos muitos treinos que lá fiz de madrugada |
O dia previa-se muito quente e logo antes da partida o Aníbal avisou toda a gente que haveriam pontos de água extra, além dos 4 abastecimentos previstos. A Serra d'Aire é muito árida e tem pouca vegetação, além disso íamos andar frequentemente encaixados dentro de vales onde provavelmente não correria uma brisa. O calor é de facto um elemento preponderante numa prova destas, mas é o que é, é mau pra todos, não vale a pena chorar sobre o assunto. A minha maneira de lidar com ele foi começar a bebericar água praticamente desde a partida, tanto que aos 5km, onde estava o primeiro abastecimento, já estava a encher de novo o flask de 500ml que levei!
Foto do Facebook da organização |
Até esse abastecimento o percurso estava a ser uma completa surpresa. Partimos em sentido contrário ao percurso de 2014, em direção ao tal estradão chato que nos levaria até ao Vale Garcia. Mas desta vez o estradão transformou-se em trilho cerca de 1km logo após a partida e assim se manteve até ao sopé do maciço da Serra. Um trilho muito bom, que parecia existir ali desde sempre, não daqueles ganhos ao mato à custa do trabalho de roçadoras.
Como sempre, parti com tudo. Mas desta vez não era só o fôlego que estava dificil de controlar, as pernas parecia que não queriam entrar em jogo. Foi em esforço que ataquei a subida do Vale Garcia, tantas vezes feita a trote em treino mas que aqui teve que ser intermediada várias vezes a passo. A segunda surpresa do dia chegou a meio desta grande subida de 500+, quando virámos à esquerda e damos de cara com uma placa a dizer "Trilho Panorâmico". E que trilho! Com partes de puro sky running, uma via ferrata com correntes de ferro e uma vista brutal para a planície que se estendia por quilómetros. O esticão final foi feito num trilho ganho à encosta, completamente exposto. Perto dos 600m de altitude o ar ficou mais fresco e comecei finalmente a sentir-me bem!
28km, 1400+, 4 subidas. |
Novo abastecimento aos 10km, no Parque de Merendas, mais meio litro de água e toca a atacar a 2ª de 4 subidas. Mais uma vez o trote não estava lá, mas não era o único em dificuldades, já que ninguém me ultrapassava. A subida do Parque de Merendas é topada com um trilho que gosto muito, no planalto, com cerca de 2km ligeiramente a subir e que nos deixa no ponto mais alto da Serra, aos 660m. Metade estava feito e estava no meu melhor momento da corrida. Passo por um senhor que me diz que vou em 12º. Ok, bora lá à procura do top 10!
Mal sabia eu o que me esperava...
Foi na descida para o Vale Alto que a prova se revelou. O piso da Serra d'Aire é muito agressivo. O calcário está por todo o lado, mas não são os maciços presos à terra que chateiam. Esses obrigam-nos a serpentear e a pensar e corrigir constantemente a trajectória, mas acaba por ser divertido, apesar de duro. O pior é mesmo aquela brita de tamanho médio, solta, da qual não dá para fugir. Toda esta descida era assim, coberta de pedra, muito desconfortável, muito dura. Queríamos correr depressa mas o piso não deixava, estávamos constantemente em esforço. Mau sinal quando a acabar a primeira grande descida já vou com os quadricepes a implorar por uma subida!
Esta é para a Sara, que diz que fico sempre bem nas fotos das corridas. |
Estávamos agora na face Norte da Serra, seguia-se nova subida aos 650m e depois descer o "meu" Vale do Fojo. Antes disso novo abastecimento e 3º refill do flask que chegou à conta para os 5km anteriores. O ar lá em baixo era consideravelmente mais quente, se calhar por isso é que a subida do Trilho da Caverna era tão agressiva, para nos levar lá acima o mais depressa possível! Uma barbaridade com 2km, muitas vezes acima dos 30% de inclinação. Mesmo assim subi bem! Com um passo forte e constante, acabei por ir buscar 2 pessoas e estava em 9º ou 10º!
Sabia de cor o percurso até ao fim, descer o Fojo e o Medronheiro, depois subir o downhill e rolar até à meta. Passei ali dezenas de vezes em treino, estava no papo, era só fechar! Ataquei o Fojo com tudo mas reparei que estava muito em esforço e ainda nem estava propriamente a descer, o trilho tem 1km praticamente plano lá em cima. Um companheiro estava a apanhar-me e disse para ele passar, decidi que ia fazer a descida controlada para depois dar tudo na subida do downhill.
Pois, planos...é tudo muito bonito até levarmos uma chapada na cara!
Eu adoro o trilho do Fojo, até lhe fiz uma declaração de amor há uns tempos no Facebook. Mas gosto muito mais de o subir, porque a descer é um pesadelo. Um trilho super técnico, muito variado e inclinado. Estava a custar-me cada vez mais descer, via o colega da frente a fugir e só me apetecia parar, já implorava pelo fim para poder correr um bocadinho a direito. Quando cheguei ao patamar que separa a descida do Fojo dos Medronheiros, na Pedreira do Espanhol, onde havia o ultimo abastecimento, estava completamente de rastos. Os quase 400m de descida mataram-me, não tinha um pingo de água, muito menos combustível no depósito.
Trilho do Fojo, tirada numa madrugada destas. |
O abastecimento naquela clareira era um oásis. Cheguei lá e enchi o flask. Bebi meio litro de penalty, enchi de novo e despejei na cabeça, bebi um bocado de isotónico e voltei a encher de água para o que restava. Dois litros de água em 2h30 já tinham voado. Enquanto tentava ressuscitar com a água, 4 ou 5 companheiros passaram por mim. Lá se foi o top 10. Mas o pior nem era isso. O pior foi a descida dos Medronheiros e logo a seguir a subida do downhill. Que inferno! Um calor intenso e abafado, no fundo da montanha, sem um pingo de energia, completamente vazio. A subida que até nem é nada de especial, muito boa para trotar, foi feita num suplício, a implorar pelo estradão no fim. Quando a virei ainda tive que andar durante algum tempo a passo no estradão até conseguir correr.
Faltavam 2km para o fim e pela primeira vez durante toda a prova senti que foi cheio ali algum chouriço, ou então era eu que já estava tão desesperado. Ficou feito 3h23 depois da partida, acabei em 15º, completamente esgotado, novamente sem água!
Na reta da meta toda a gente corre! Foto da Inês Agridoce! |
O Trail do Almonda foi uma autentica surpresa. Um daqueles dias em que se sente que aconteceu ali alguma coisa especial. O percurso é muito duro, mas equilibrado. Faz sentido, não são trilhos para encher chouriço. A principal dificuldade são as descidas, em nenhuma dá para descansar das subidas e isso tem o seu preço. O calor, como disse lá atrás, é o que é. Todos temos problemas com isso, do primeiro ao ultimo classificado. Os abastecimentos foram em número suficiente (4 em 28km!) e ainda tivemos dois pontos extra com água! Boas marcações e bom ambiente. Tudo no ponto! Em 2014 fiquei com a sensação que a prova estava incompleta, desta vez acho que o Aníbal Godinho e companhia encontraram ouro e esta prova, que perdeu algum protagonismo depois de sair do circuito nacional, tem tudo para se tornar uma referencia. É a prova que a Serra d'Aire merecia!