No site da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal podemos ler o seguinte:
Em resumo, Skyrunning é uma atividade de corrida pedestre essencialmente na montanha. Os percursos de skyrunning apresentam um elevado desnível positivo, secções técnicas e inclinações acentuadas (superiores a 30%), podendo utilizar caminhos, trilhos, rochas ou neve.
Eu acho que deviam acrescentar um parágrafo a dizer:
Bem, mas se querem mesmo saber o que é Skyrunnning, vão até à Louzan SkyRace.
|
Finalmente, fotos de qualidade neste blog! Pois claro, o Miguel Cadalso (M.C.) foi à prova, lá me safei! |
Antes da prova começar já estava tudo a bater certo. Um ambiente familiar, grandes atletas à partida, excelente organização no secretariado e na zona da meta, um percurso certificado pela Federação Internacional de Skyrunnning (o 1º em Portugal) e um dia perfeito na Lousã. Com neblina lá em cima, tempo frio e húmido de Outono e depois de uma semana de chuva. Parecia de encomenda! às 8:30 de domingo lá partiram os cento e poucos atletas para a primeira, e certamente memorável, edição da Louzan Skyrace!
|
Partida, foto da organização. |
O percurso é simples de explicar: 24km com 2200+, 3 subidas e 3 descidas. Três picos para conquistar pelo caminho mais curto (e necessariamente inclinado), um deles o Trevim, e três descidas a pique. É isto que eu adoro no sky: curto e grosso. Desnível, intensidade, técnica e velocidade!
Cerca de 1km em estrada depois da partida foi o que chegou para nos levar à base da primeira montanha. Um arranque rápido tratou de elevar as pulsações e o desnível começou logo a ser-nos servido em doses consideráveis. Primeiro num estradão e muito pouco depois naqueles trilhos de sonho da Lousã: terra castanho-escuro, mole, sem pedras, a serpentear pelas árvores.
|
M.C. |
O modo fast & furious estava ligado, estendia o trote até ao limite, ajudado pelos bastões, até ceder e ter que caminhar. Assim que o terreno permitia voltava a ele, revigorado. 500, 600, 700+. Olhava para o relógio e os metros verticais subiam bem mais depressa que os quilómetros horizontais. À medida que nos aproximamos da cota 1000 o tempo vai piorando, aumenta o vento e o nevoeiro. Começo a ouvir as eólicas, escondidas pelo nevoeiro, quando a vegetação desaparece e o vento aumenta. Sinal que estou perto do topo! Ataco o pico a trote ao mesmo tempo que desarmo os bastões e abro a passada nos 50 metros de planalto antes da descida. Mesmo antes de a atacar olho para a frente e vejo, numa pequena aberta das nuvens, a Serra da Lousã em todo o seu esplendor! Solto um sorriso de pura excitação e meto uma abaixo enquanto me lanço na descida!
|
M.C. |
Inclinada, muito inclinada! Xisto solto por todo o lado! Levo os bastões desarmados, um em cada mão, o que me garante o equilíbrio para descer a uma velocidade bem acima do que normalmente acharia razoável. Tento não pensar muito nisso e acelero ainda mais quando o trilho passa do xisto à terra! Vejo agora no Strava que o ritmo andou quase 1km pelos 4'/km baixos! Já desde o inicio da subida que não passo nem sou passado. Aliás, não vejo ninguém nem à frente nem atrás! Só oiço o bater furioso dos meus pés e a respiração ofegante!
Chego em êxtase da descida a Cerdeira, local do primeiro abastecimento e base do ataque ao segundo pico. Quase nem abrando enquanto pego numa banana à pressa e começo a subir a trote.Volto a armar os bastões. Em movimento, sempre em movimento. Cerca de 1km de sobe e desce rápido levam-nos à pornográfica subida ao Trevim.
|
Cerdeira. M.C. |
Uauuuu que subida! Perfeita, perfeita! Subimos por um vale cheio de pedra, muito apertado, com água a escorrer por pedras cobertas de musgo. Super inclinado, super dificil! Que monumento!! Saímos do vale/cascata e entramos numa zona de muita pedra, perigosa, molhada, fria. Apetece-me gritar enquanto sinto o coração a sair da boca. Tinhas as pernas no limite quando o trilho abriu e ficou corrível, tratei de forçar novamente o trote. Vai, vai, vai..!!!
|
M.C. e M.C. |
Trevim.
Uma pequena volta às antenas. Não se vê nada nem ninguém, está muito nevoeiro e frio. Tento recuperar o fôlego enquanto corro os 100 metros a direito antes da descida. Volto a desarmar os bastões, respiro fundo e...siga!!
Faço-me ao trilho a descer a uma velocidade proibitiva. Conheço esta parte inicial do Louzantrail e de uns treinos que lá fiz. É brutal, pouco inclinada, muito técnica e rápida! Saímos deste trilho para 50 metros num estradão e entramos num trilho de terra. Abro a passada, aumento a velocidade! Uma escorregadela e outra e outra... O trilho transforma-se num autentico escorrega de lama, não consigo dar 3 passos sem escorregar de rabo! Tento mais uns metros mas estou cada vez mais lento, depois de mais uma queda decido armar os bastões. Está melhor, mas é mesmo muito dificil, caio vezes sem conta!
|
M.C. |
Segundo abastecimento. Bebo três copos de isotónico, recuso a comida, tinha metido um gel. Pergunto se a ultima subida estava perto, informam-me que são mais 1km. Ok, bora!
Segue-se 1km num estradão a descer. A fundo, aproveito para dar o gás todo. O trilho aparece. Em terra, macio, mesmo bom. As pernas da subida teimam em aparecer, não consigo manter o trote. Toca a bastonar. Puxa, puxa, puxa..!!! Gradualmente vou entrando na subida, que está cada vez mais inclinada, mas sempre num trilho aos ésses pela terra escura. Tal como nas duas anteriores, quanto mais subo melhor me sinto. O trote volta a aparecer já junto ao pico, mesmo a tempo de o virar. Olho para o relógio: 18km e 2050D+.
Arruma bastões, respira fundo, mergulha!!!
|
Yep. Era por ali abaixo! M. C. |
Uuuiii que loucura! Que inclinação! Fazemos uma parede com 40 e muito por centro a descer, onde no dia anterior andou o km vertical. Quadricepes a arder, sigo no limite, a fazer uns 10 passos por metro, para tentar manter algum controlo! Saímos da parede, inclinação acalma mas aumenta a tecnicidade. Tumba, tumba, tumba, sempre a puxar! Tropeço, caio, rebolo. Levanto-me, pego nos bastões e siga!
Últimos 3km, andamos muito em estradões e trilhos fáceis, velocidade várias vezes abaixo dos 4'/km! Sinto-me com força, com energia no depósito que nunca mais acaba. Não vejo ninguém nem à frente nem atrás há que tempos, mas isso não interessa nada, ia rebentar com aquela descida!
|
M. C. |
Uma ultima pequena subida feita no limite e finalmente os 2km finais para a meta. Puxo, meto a carne toda no assador, nem nos 700m finais, feitos na estrada, eu desarmo! Mais um esforço e...META!
|
Até ao fim! |
|
Com o Hugo Água, na meta! Foto da Carmen Almeida |
Puffff!! Que prova!! Que adrenalina! Muitas horas depois, à noite, enquanto tentava dormir, ainda estava elétrico! Que brutalidade de percurso, o melhor que já fiz na Lousã! 3h43 foi o que demorei, classificando-me em 16º. A posição é a mediocridade do costume, mas esta foi daquelas que me deixou mesmo orgulhoso. Foram 3h43 no limite, de faca nos dentes. Hoje tenho os quadricepes desfeitos das descidas mas a mente ainda está naquela subida ao Trevim, naquela ultima descida, naqueles trilhos brutais!
Obrigado Montanha Clube, obrigado Louzantrail! Foi do caraças!!!