As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 10 de abril de 2017

MIUT - Algumas dicas para estreantes

Ponto prévio: o que se segue é apenas e só a minha impressão do percurso do MIUT e de como este deve ser gerido. Resulta das minhas quatro participações na prova. Podem ler pormenorizadamente sobre cada uma aqui: 2015, 2016, 2017, 2018. Não sou nenhum especialista e, obviamente, este post só poderá interessar àqueles que, como eu, andam pelo meio do pelotão. Este ano, 2019, voltarei para a minha quinta tentativa. 



Faltam poucas semanas para estarmos em Porto Moniz, por isso o trabalho que havia a fazer está feito. Nesta altura, se forem como eu, já passam mais de metade do dia a antecipar ansiosamente o dia em que vão voar para a Madeira. Está na altura de afinar pormenores do equipamento, preparar os perfis para plastificar, planear a alimentação e, muito importante, estudar o percurso. 

Eu sei que há quem ache o contrário, que o melhor é chegar lá e o que vier morre, mas eu não. Nestas grandes provas gosto de estudar o percurso. Deixar de o ver em quilómetros e passar a defini-lo por etapas. Primeiro esta subida, depois o KV, depois aquela secção entre abastecimentos, a descida técnica, etc, etc. É isso que vou fazer de seguida, explicar como dividi o percurso do MIUT e a forma como acho que o esforço deve ser gerido de forma a concluir a prova em condições. 



1ª Etapa: Porto Moniz - Estanquinhos




Os primeiros 30km do MIUT, que terminam em Estanquinhos, são talvez a etapa mais importante da prova. Mas não pelas razões que estão a pensar: esqueçam a barreira horária. No meu primeiro ano obcequei com isso e depois cheguei à conclusão que não era assim tão apertada. Entretanto até já aumentaram 1 hora a este corte, por isso não é por aí. Estes 30km com quase 3000D+ são importantíssimos porque uma má gestão do esforço durante esta noite pode comprometer definitivamente o resto da prova.

Aquele primeiro montículo no perfil é uma prenda que a organização vos dá. Primeiro sobem 400m em alcatrão e desembocam numa descida em trilho muito fácil. Não vão voltar a encontrar estas facilidades até ao fim. Para evitarem engarrafamentos na entrada do trilho e na descida seguinte, o meu conselho para o início da prova é que tentem partir lá à frente, e nesta subida, que é realmente fácil, puxem um pouco mais para que consigam um lugar pelo menos a meio do pelotão. Isto tem duas vantagens: não passam tempo parados (em 2017, apesar de não ter afunilado no fim da subida, toda a descida seguinte foi feita a passo ou parada) e vão andar numa zona do pelotão que é a vossa. Esta segunda razão é importante porque até Estanquinhos muito provavelmente vão andar metidos num comboio e se a velocidade de cruzeiro for baixa vão adormecendo no ritmo.

As subidas para o Fanal e Estanquinhos são uma brutalidade. Ambas com mais que 1000m de desnível, vão apanhar desde calçada, até lama, trilhos e degraus, muitos degraus. Quando amigos meus se vão estrear em ultras e me pedem conselhos, a primeira coisa que costumo dizer é que nas primeiras subidas se sentirem que vão em esforço é porque vão mal. Se começarem a quebrar não parem, mas metam um passo cada vez mais curto. Se estiverem num trilho procurem tricotar, de forma a não levantarem tanto as pernas. É aqui que entra em questão a importância da velocidade do comboio. Se estiver rápido de mais a solução é fácil, encostam. Se estiver lento não têm grandes hipóteses a não ser irem tipo zombies até conseguirem ultrapassar, o que durante vários quilómetros não é fácil.

O abastecimento do Fanal, no fim do primeiro quilómetro vertical, não fica mesmo no topo da subida, quando saem ainda têm que subir mais um bocado. Evitem estar lá muito tempo, vão chegar muito quentes da subida porque é quase toda feita em túneis de vegetação, mas o ar nos 1500m vai estar frio. Vão arrefecer muito rapidamente e depois como não começam logo a correr, porque ainda há subida, vão demorar a aquecer.

É depois do Fanal a grande alteração no percurso em 2019. Se dantes tínhamos apenas umas poucas centenas de metros a seguir ao abastecimento antes de começar a descida, agora vamos andar 2 ou 3km no planalto. Reforça a importância de não arrefecer no abastecimento e trás uma incógnita para mim: a descida.

Diz quem já a fez que é mais acessível que a anterior descida. mais larga, menos técnica e menos inclinada. No entanto, também me disseram que não é um passeio no parque e numa fase tão inicial da corrida continua a ser muito mais importante ser eficiente do que rápido.

A subida para Estanquinhos é a mais dificil de toda a prova. Ainda lá vão chegar relativamente frescos, por isso não vos vai parecer assim tão custosa. Mas lembrem-se de uma coisa: todos os erros cometidos nesta subida vão ser cobrados lá para a frente. É mesmo muito longa e trabalhosa, e mais uma vez acaba num planalto exposto depois de andarmos no meio da floresta a transpirar. Em 2018 estava muito mau tempo na zona exposta, o que resultou num número elevadíssimo de desistências lá em cima. Não devia ser preciso dizer isto a quem vai fazer uma prova exigente como o MIUT, mas: se apanharem condições dessas, façam o que fizeram, não se metam debaixo dos aquecedores no abastecimento! Assim que saem para a rua é a morte do artista.

2ª Etapa: Estanquinhos - Curral de Freiras


Antes de mais, preparem-se. Dificilmente vão fazer uma descida melhor na vida do que a estão prestes a fazer a seguir a Estanquinhos. Provavelmente vão apanhar o nascer do sol nesta altura, por isso tudo se vai conjugar para ser inesquecível. A descida é relativamente fácil até à parte final, onde existem algumas escadas. A palavra de ordem é sempre "eficácia", mas vai ser dificil não se entusiasmarem num trilho tão bom como aquele.

Após a descida de Estanquinhos vão apanhar as primeiras grandes subidas em escadas, incluindo o famoso pipeline, paisagens brutais e alguns bons quilómetros que dão para rolar, logo a seguir ao abastecimento da Encumeada.

Apesar de ser um troço aparentemente fácil, é aqui que vão perceber se se portaram bem nos primeiros 30km. No meu primeiro ano foi aqui que percebi que estava lixado!

A descida para o Curral das Freiras é traiçoeira porque convida a andar depressa, mas tem muita pedra. Mais uma vez, há que ser económico. Não andem para lá aos saltos porque só vos vai desgastar e ainda falta muito caminho!

Durante esta longa descida vão ver o Curral de Freiras lá em baixo cada vez mais próximo, mas para mal dos nossos pecados, quando acabarmos de descer ele vai estar numa cota mais alta que nós. Ou seja, depois de longos minutos a descer e a partir os quadricepes, preparem-se para umas subidas bem empinadas em trilho antes de chegarem à Base de Vida. Vão chegar a meio do dia, pico do calor, fundo de um vale. É duro!

3ª Etapa: Curral de Freiras - Pico do Arieiro




Muito importante: no Curral encham todos os depósitos de água que tiverem, vão precisar! Vão-vos fazer um controlo de material para que saiam pelo menos com 1 litro de água. Não saiam com menos de 1.5! A minha estratégia será deixar um flask vazio no Curral (Base de Vida), enchê-lo e levá-lo na bolsa de trás da mala. Quando passar o Pico Ruivo, se estiver vazio, transporto-o mesmo assim, o peso também é pouco. Se usarem Camelbak, encham-no e levem pelo menos um flask cheio de reserva. O ano passado saí de lá com 2L, e ainda tive que dar água a algumas pessoas que ficaram enrascadas.

Vão entrar numa parte determinante da prova. Aproveitem o cerca de 1km de estrada logo a seguir ao abastecimento para acalmar a barriga e respirar fundo, a subida para o Pico Ruivo é longuíssima, é o vosso ultimo KV, mas não são os primeiros 800D+ que interessam. Esses são pacíficos, num trilho aos ésses e constante. O pior é quando acharem que já está! Acreditem, aos 800D+ vocês vão achar que já está. Mas não. Na verdade, ainda nem começou! É aqui que tem início o carrossel de escadas. 

Com a atenuante de estarem num sítio incrível, estes quilómetros, desde o tal patamar até ao Pico do Areeiro (incluindo a paragem no Pico Ruivo), são muito, muito duros. Vão subir e descer vezes sem conta, vão pensar que é já ali, vão ter vertigens, vão desesperar com as escadas infinitas e os degraus que parecem cada vez mais altos! O melhor disto tudo? No fim do dia vão chegar à conclusão que estes 7km valeram pelo esforço todo!

Em 2018 surge uma nova alteração, o abastecimento que anteriormente estava no Areeiro avançou uns 4 km. Isto introduz mudanças importantes, a meu ver. O abastecimento a seguir ao Curral, no pico Ruivo, é muito básico, não tem acesso automóvel. Quer dizer que desde o Curral até ao próximo abastecimento substancial vão passar umas 3 a 5 horas MUITO DIFÍCEIS, feitas provavelmente à esturra do sol (foi assim nos meus 4 anos). Além da água levem comida a sério para este troço, não se encostem aos geis porque não vão ter nenhum abastecimento para compor o estômago. 

4ª Etapa: Pico do Arieiro - Machico





Provavelmente cairão no mesmo erro que eu, quando me estreei. Olharam para o perfil e acharam que as dificuldades nesta altura já tinham acabado, que agora era quase sempre a descer até à meta. Bem, na verdade até têm alguma razão, o pior já passou. O problema é o que ficou para trás! Nesta altura até se fosse uma ciclovia com 5% de inclinação a descer vos custava, e a descida a seguir ao Arieiro está muito longe disso. Contem com alguns trilhos técnicos e, surpresa!, umas subiditas pelo meio. A parte final da descida é num terreno que faz lembrar a Serra da Lousã, com terra escura, muitas raízes e pedras. Muito inclinado.

Chegados ao Ribeiro Frio têm a ultima grande subida do percurso. O inicio será num trilho sinuoso semelhante ao final da descida anterior, muito inclinado e técnico, até voltarmos aos estradões suaves que nos levam até aos 1400m do Poiso.

Segue-se uma descida muito longa e fácil até à Portela, aproveitem bem esta parte do percurso para se convencerem que vão conseguir, já falta muito pouco!

Nesta altura a maior dificuldade até à meta, além do cansaço acumulado e de uma outra surpresa que vos falarei, é a descida do Larano, aquele precipício que vêem ali no gráfico. Não desesperem, vão seguros e com calma. É uma descida enervante e difícil, já vão em piloto automático, uma distracção aqui pode ter consequências chatas. 

Se chegarem ao fim dessa descida de dia (coisa que ainda não consegui), aproveitem para se distraírem com a paisagem brutal enquanto percorrem os 7km da vereda do Larano. Talvez seja esse o truque: chegar de dia. Porque de noite, meus amigos, esta vereda que pode parecer o paraíso na terra nas fotografias, vai-vos dobrar e dobrar e dobrar. São 7km ligeiramente a subir, sempre no mesmo trilho, sempre com a mesma vista. Parece uma passadeira infinita. Vai testar a fundo a vossa resistência mental. 

Virado o Larano e chegados ao ultimo abastecimento, venha mais uma vereda, levada, trilho ou estrada, nesta altura nada vos vai desviar do caminho para Machico. Liguem para quem tiverem que ligar: estão a chegar!


Vereda do Larano
Está feito, parabéns!

Hm? Como é que é? Falta correr? Ah, pois.. Bom, então vemo-nos em Porto Moniz!

14 comentários:

  1. Antes de mais excelente texto, este ano estreio-me nos 115 mas sou cá e da ilha e já conheço o percurso, mais ou menos a minha divisão da prova é a mesma. Só te dou um reparo, é a subida até ao poiso, ainda dá para descansar mas a parte inicial da mesma é durinha e então com o acumulado ainda mais... Boa prova e boa sorte

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  2. Olá, sou da Madeira e conheço relativamente bem todo o percurso desta prova. Gostaria de dar-lhe os parabéns pela excelente discrição que fez desta. Desejo-lhe uma ótima prova para este ano 2017.

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  3. O texto está fantástico e concordo com o apontamento do Silvio Cró. Só me resta, enquanto iniciante nas provas de 3 dígitos desejar a todos boa prova e vemo-nos no Porto Moniz. Abraço!!

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  4. Muito bom...apesar de ter feito apenas os 85km em 2016, como entendo estás palavras...este ano não irei,fazer eu o ccc em mont blanc se correr bem em 2018 voltarei a Machico para fazer os 115km...

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  5. Renato Nóbregaabril 11, 2017

    Excelente texto. Só um reparo! A subido do Ribeiro Frio para o Pouso, deixou de ser uma subida para "descansar". Agora, a parte inicial é bem picadinha é bem vertical em terreno não muito facil. Boa prova

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  6. Excelente texto! Sou da Madeira e estreante, o texto ajuda!
    ps: apenas um reparo, Curral das Freiras e não Curral de Freiras.

    Boa prova e obrigado!

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  7. Boas estreio-me este ano nesta Épica prova e esta descrição é espetacular ja tinha mentalmente feito uma analise muito parecida e preparado para uma abordagem do genero baseada em relatos de colegas que ja por lá passaram veio confirmar o que pensava em termos de gestão. Obrigado e la nos encontraremos

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  8. Texto alterado, obrigado pela descrição da subida ao Poiso! Já me tiraram a subida do descanso, mas pelo menos não me apanham desprevenido :) até prá semana!

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  9. De volta em 2018 melhor organização de prova longa que já participei melhores PCs que mais parecia um restaurante as pessoas que ali estavam te passavam uma energia positiva para quem gosta de prova dura essa é recomendável.

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  10. Não concordo com a subida mais dificil ser para o Estanquinhos. É realmente dura mas ainda é muito no início.
    A meu ver a parte mais dura da prova é entre o Curral das Freiras e o Pico do Areeiro, devido ao acumulado e às centenas de degraus (a subir e a descer).
    Bom MIUT2019 :)

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    1. Sim, no texto até concordo a 100% contigo. Até te digo mais, houve um ano em que a parte mais dificil para mim já foi depois da Portela ehehe Para mim, é importante referir que a subida a Estanquinhos é a mais dificil porque é uma grande tareia e erros ali pagam-se caros mais à frente, mesmo que até nem custe muito a subir porque vamos efectivamente frescos (mal seria se não fosse assim). A minha referencia a essa subida é mesmo para o pessoal não cair no erro de dar de mais ali.

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  11. Excelentes dicas Filipe!! Boa prova este ano!

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  12. Obrigado pela ajuda, estas dicas vão ser preciosas.
    Em 2018 fiz o TDS_UTMB, mas confesso que estou muito mais apreensivo com o MIUT. Porque será?

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