As minhas corridas na estrada

domingo, 4 de outubro de 2020

Piodão Trail Running (25km) - Espera lá, isto foi uma prova?

Sete meses depois do Ultra Louzantrail, num mundo completamente diferente do de Março passado, foi dia de voltar a colocar um dorsal. O Trail do Piodão, inicialmente programado para Abril, seria o ultimo teste para o MIUT, que aconteceria 3 semanas depois. Neste universo paralelo a esse que deixámos em Março, o Trail do Piodão foi o dia de voltar a sentir o que é uma prova. 

Tirei esta foto no dia da Travessia Arganil - Manteigas, da estrada que vai para o Piodão. Não foi no dia da prova mas conta na mesma!

Antes de começar, um pequeno throwback. Lembram-se daquele dia na Serra da Arada? De como foi espetacular e a fundo e à antiga? Pois bem, foi um bocado de mais. As pernas, que já estavam ofendidas dos 66km que tinha feito pelas ruas de Almeirim na semana anterior, não aguentaram as descidas da Arada. Passei o limite e agarrei um porcaria de uma lesão na coxa direita que me atazanou o verão inteiro. Estive a pensar e a ultima vez que tive uma lesão foi em Junho de 2018! Na verdade, este era o fim de semana em que embarcaria nas segundas 100 milhas da minha vida, desta vez no Gerês. Inscrevi-me no primeiro dia! Enfim, 2020 a ser 2020... Depois de mês e meio em que fiz mais quilómetros a caminho da marquesa do que a correr, há duas semanas voltei a correr minimamente confortável. No entanto, foi só na sexta feira, a meio da tarde, que decidi ir ao Piodão, depois de trocar meia dúzia de mensagens com o João Miguel, que me faria companhia. 

O Piodão, também tirado no outro dia.

Nos nossos dorsais constavam duas informações diferentes do habitual: uma fazia referência ao uso obrigatório de máscara, a outra informava sobre a hora da nossa partida. 9:22 para mim. Estranho mundo novo...

Chegamos ao Piodão um bocadinho antes das 9. Equipámo-nos ao pé do carro no meio de tremeliques provocados pelos 6 graus que se faziam sentir na altura. Lá em baixo, no centro da vila, o Hugo Água dava ordem de partida ao primeiro bloco de atletas da prova dos 25km. Seguir-se-iam novos grupos de 3 em 3 minutos, ou o tempo suficiente para reunir 10 pessoas. Perto da meta um conjunto de atletas de máscara aguardava pacientemente que chegasse a sua vez de entrar no garrafão da meta. Um ambiente tão frio quanto a temperatura que se fazia sentir. Sem sorrisos nervosos, abraços ou aquelas conversas típicas de inicio de prova... Depois de ver o João a passar o controlo, foi a minha vez de entrar no bloco. Como um empregado de uma fábrica, piquei o ponto e juntei-me a meia dúzia de companheiros debaixo do pórtico. O Hugo, coitado, tentava dar a habitual animação ao momento, mas a solenidade da partida ficou no outro universo. Enfim, 9 e tal, depois de um 3, 2, 1 e uma buzinadela, lá partimos. 

1400+ divididos em duas subidas. Perfeito!

Duzentos metros depois, uma placa a informar que podíamos tirar a máscara. Assim o fiz, dobrei-a e guardei-a na mochila. De repente vi-me no meio dos corredores estreitos ladeados pelas casas de xisto do Piodão. As primeiras queixas das pernas enquanto subia a trote uma escadaria, o primeiro alívio quando abri a passada na descida, a primeira sensação de euforia quando entrei no espetacular trilho que nos levaria até à Foz d'Égua... De repente senti a necessidade de subir o ritmo quando o trilho limpava, de apertar a passada nas ligeiras subidas. Senti o pulso a subir e a respiração a ficar pesada. A adrenalina a subir, as curvas, as pedras, as árvores a arranharem os braços. Espera lá, isto é mesmo.....uma prova??

Terceiro km, Foz d'Égua. Base a primeira subida. Seguiam-se 7km quase sempre com desnível positivo, com passagem por Chão d'Égua, onde estava o primeiro abastecimento, no qual nem abrandei. Esta parte da prova era igual à que tinha feito em 2016 e 17, na distância ultra e ainda há 2 ou 3 meses lá tinha passado na Travessia Arganil - Manteigas, era a quarta vez que passava naquele estradão aos ésses, que nos levaria vagarosamente à cota 1300. Desde a primeira vez que lá passei sempre fiquei com a ideia que era uma excelente subida para fazer a trote. Mas por falta de pernas ou, no caso da travessia, economia de esforço, nunca tinha tentado ou conseguido. Desta vez não escapava. Meti um trote económico e tão constante como o desnível que nos embalava. As pernas foram-se soltando ao longo dos 4km e 500+ e cada vez me sentia melhor, à medida que ia passando companheiros. Seriam do meu grupo? Da distância ultra? De grupos que partiram à frente? Não faço ideia... Fui fazendo a minha corrida sem a menor noção da minha posição relativa. 

O estradão da subida. Tirado do Facebook da organização.

Lá em cima abandonámos o estradão e entrámos no trilho que nos levaria até Malhada Chã, em 5km de descida. A sensação de passar do trote e ter pernas para aumentar o ritmo na descida é impagável, as saudades que eu tinha! Ainda por cima fiz toda a descida completamente sozinho. Só eu, a minha respiração, concentração no trilho por vezes bastante técnico e o barulho da minha passada. Uma vozinha avisava-me para não abusar, é precisamente nas descidas que a coxa dá sinal. Portei-me bem, não fui à maluca. Apesar das pernas ainda terem reservas e a dor não ter aparecido sabia que as consequências apareceriam mais tarde. 

Visto no fim da primeira subida. Também tirada na travessia.

Início da segunda subida e fiz, pela primeira vez no dia, uns metros de subida a passo, num trilho mais inclinado. Quando entrámos num estradão parecido com o primeiro voltei a trotar em direção ao marco geodésico. As pernas continuavam lá, o que me muito me surpreendeu pela positiva, já que tenho treinado mesmo muito pouco. Virámos a ultima montanha e já se via Piodão lá em baixo, seguiam-se 5km a descer, metade em estradão metade em trilho. Desta vez as reservas já foram bem maiores que na primeira descida, já que a coxa deu sinal, mas mesmo assim foi a muito bom ritmo que fiz a descida final que me deixou no Inatel do Piodão, 2h41 depois!

Cruzei a meta ofegante, de máscara, e desliguei o relógio. Como expliquei lá atrás, fiz a prova em contra relógio, não fazia ideia se andava a ganhar ou a perder posições, mas isso não me impediu de deixar lá tudo! A classificação on-line esclarece que fiquei em 13º. Ok, eu aceito! 

A única foto do dia!

Mas se durante as 2h41 anteriores voltei ao mundo pré-covid, o ambiente na meta voltou a lembrar-me da nova realidade. Muito pouca gente, sorrisos e esgares de esforço tapados pelas máscaras... Sentei-me um bocado sem falar com ninguém enquanto esperava pelo João para poder finalmente extravasar um bocado a euforia que sentia. É essa a principal diferença neste universo paralelo. O convívio pré e pós prova desapareceu e isso faz muito mais falta do que eu imaginava!

Mas nem tudo é mau! A prova foi espetacular e soube-me pela vida voltar a sentir-me dentro da competição. Nunca pensei que me fizesse tanta falta, principalmente porque nunca competi com muito mais que eu próprio! Fez-me ver que é possível haver provas nesta merda de mundo novo, é possível alguma normalidade. As coisas hão-de voltar ao que eram, até lá vou aproveitar todas as migalinhas e fazer o que mais gosto: correr!

Link para o Strava.


2 comentários:

  1. As saudades que tinha de ler um relato teu de uma prova.

    E é isto.

    Abraço

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  2. Muito bom :) ... para quem vem de lesão e tem treinado pouco parece-me uma excelente prestação. Parabéns. E espero que a lesão esteja totalmente debelada. Eu cá ando manco da pata direita e a coisa parece estar para durar ... tenho saudades do monte, tenho mais saudades ainda do meu quintal com a Pernetada toda, DªAlice e tudo a que tenho direito ... ver se estes 2020 vai com o c@$%#4 o mais rapidamente possivel. Boa recuperação Filipe ... aquele Abraço

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