As minhas corridas na estrada

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

As 10 provas da minha vida

Sim, eu sei. Não faço isto há tempo suficiente para fazer uma lista destas, é como aqueles futebolistas que "escrevem" biografias aos 30 anos. Mas o Quarenta e Dois é meu e eu é que mando, por isso, quer queiram quer não, aqui vai, por ordem cronológica, uma lista com as 10 provas da minha vida (até aos 35 anos e 3 meses):

1 - Meia Maratona de Portugal 2005


Esta é óbvia: foi a primeira. Tinha deixado a natação há 2 ou 3 anos e logo a seguir passado por ano e meio de engorda (que coincidiram com os primeiros dois anos de faculdade, vá-se lá saber porquê), cheguei a pesar mais 15kg do que peso agora. Tirando aqueles dois anos toda a vida fiz desporto, por isso nunca me preocupei com o peso ou comida, mas isso mudou tudo quando umas miúdas se meteram comigo porque eu estava gordo. Decidi que tinha que fazer alguma coisa e como até gostava de correr passei a fazê-lo uma ou duas vezes por semana. Passado algum tempo de umas corridas muito pouco frequentes, influenciado pelo meu Tio Pedro, maratonista, decidi inscrever-me na meia da 25 de Abril. Na altura não haviam aplicações de telemóvel nem relógios com GPS, por isso as minhas voltas eram mais ou menos medidas de carro aqui por Almeirim. Não fazia a mínima ideia do que era correr 21km, tão pouco estratégias, ritmos, tempos, alimentação... Lembro-me que passei aos 10km já em esforço e que a partir dos 15 passei pelo inferno. Andei 3 ou 4km, fiquei completamente esgotado, desidratado (achava que beber água podia fazer mal à barriga, por isso não bebi durante a prova), assustado... Passei a meta com 2h10 e a seguir demorei mais de uma hora a fazer os 2km a andar até ao carro do meu tio, tive que me sentar dezenas de vezes no chão e até me cheguei a deitar. Cheguei ao pé dele completamente branco com ar aflito. Lembro-me de ele se estar a rir e eu lhe dizer "Estou morto. Temos que fazer outra!".


2 - Maratona de Barcelona 2012

Desde aquela meia em 2005 muito se passou. Corri várias vezes a distancia, outras quantas os 20km de Almeirim, algumas provas de 10km e finalmente a maratona de Lisboa em 2011. Esta ultima foi um fiasco. Mais uma vez, fui para lá à pato bravo, sem qualquer noção do que era preparar e gerir uma maratona (uma coisa é verdade, na altura, e nem foi assim há tanto tempo, não havia nem perto da informação disponível que há agora). Sofri a bem sofrer depois de bater no muro e arrastei-me pelo Martim Moniz acima para finalmente chegar ao estádio Primeiro de Maio em 4h07. Fiquei de tal forma esgotado e amassado que decidi no espaço de 2 ou 3 dias fazer a Maratona de Barcelona, 4 meses depois :) Foi aí que tudo mudou. Decidi que dessa vez ia fazer as coisas como deve ser. Procurei um plano de treino na net e segui-o religiosamente. Senti a forma a subir inacreditavelmente semana após semana. Li dezenas de relatos de maratonas, aprendi a teoria sobre gerir os 42km, sobre ritmos, alimentação, etc. Barcelona foi perfeito. Correu tudo na perfeição. Acabei com força, com split negativo, sem nunca ter passado por dificuldades. O tempo não foi nada de especial, 3h52, mas o que faz Barcelona entrar nesta lista foi perceber que o trabalho e diligência são recompensados. Nesse dia percebi, claro como a água, que a Maratona é a prova justa.


3 - Trail Serra da Lousã (30km) 2012

Estava a treinar para a minha terceira maratona, segunda em Lisboa. Pela primeira vez ia tendo companhia nos treinos, do João Pedro. Um dia, num jantar lá em casa, decidimos que o treino longo dessa semana podia ser feito num desses trial ou trail ou lá como se chamam... Havia um na Lousã, até era perto, tinha 30km. Ok, siga! Fomos equipados "à estrada", sem ter a mínima noção do que nos esperava. Já a dar um descontozinho, disse à Sara que devia demorar umas 3h30 (LOL)! Chegámos lá e estava a chover torrencialmente, um dia de Outono clássico na Lousã. Lá fui eu, com as minhas Nike Vomero, garrafinha de água de meio litro na mão e corta vento amarelo vestido. Choveu a prova INTEIRA. Lama com fartura, xisto escorregadio, ribeiros a transbordar, descidas de rabo, trovoada.. Seis horas depois de começar liga-me a Sara "nem imaginas, isto é o inferno, ainda me falta, depois falamos". A sensação que fiquei foi que tinha ido à tropa. Fui sovado a torto e a direito pela Serra, foi tão agressivo que jurei que nunca mais faria trail, ou trial, ou lá como se diz!!!



Esta foi sem dúvida a minha melhor maratona. A quinta vez na distância e a segunda internacional, depois de Barcelona que já vos falei. Uma preparação sem falhas e uma gestão perfeita resultaram no record pessoal na distancia, 3h19 (apenas uns segundos mais rápido que no Porto em 2016). Foi ainda uma das primeiras viagens para provas com a minha filha mais velha, que não tinha um ano. Um fim de semana muitissimo bem passado por todas estas razões. Mas o que me faz acrescentar esta corrida à minha lista não é nenhum dos motivos referidos. Esta foi a primeira prova sobre a qual escrevi um relato e deu origem a este blog! Acreditem que não estou a exagerar quando digo que a minha vida mudou por causa do Quarenta e Dois. Adoro escrever e receber o vosso feedback, mas a quantidade de gente que entrou na minha vida por causa disto é impressionante. A partir daqui as corridas da lista têm o respectivo relato, é só clicar ali no link.



Já tinha feito 3 ou 4 ultras a rondarem os 50km e achei que era altura de dar um passo maior. Percebi rapidamente que o passo foi bem maior que a perna, particularmente enquanto subia um monte já na parte final da prova e não conseguia dar mais que 2 ou 3 passos por minuto. Foi uma das provas onde tive que ir mais ao fundo buscar sabe-se lá o quê para conseguir acabar. Pela primeira vez tive a noção perfeita de que numa ultra vivemos várias vidas, morri, ressuscitei, voltei a morrer e reanimar... No final de 14 horas voltei à Régua e fui recebido pelo saudoso João Marinho com um high-five e dois dedos de conversa. Nunca mais me vou esquecer desse momento nem da implacável Serra do Marão.



O ano da calamidade. Os Abutres já eram conhecidos por serem uma prova extrema, mas este ano mudou tudo. Este foi o ano que meteu o Épico nos Abutres. Um dilúvio como nunca mais se viu, trovoada, gelo e uma Serra da Lousã que decidiu naquele dia mostrar-nos a todos como somos insignificantes. Para mim, foi uma tempestade perfeita. A juntar às condições climatéricas extremas uma série de erros de principiante deixaram-me no fio da navalha durante as 10 horas que lá andei. Foi sem dúvida das maiores aventuras que já vivi e resultou nalgumas lições que nunca mais esqueci e no meu relato preferido aqui no blog.

Para saber do que isto se trata, favor seguir o link para o relato :)

O MIUT. O inevitável MIUT. Esta lista está por ordem cronológica, mas se fosse por ordem de importância o MIUT 2015 estaria destacadissimo em primeiro lugar. Mudou tudo. Fez-me ver a corrida de montanha de outra maneira, fez-me ver a mim próprio de maneira diferente. Apaixonei-me pela ilha e por esta prova, tanto que em 2019 vou para a minha quinta travessia consecutiva. É a melhor prova do mundo, tem tudo.



O UTMB apareceu na minha vida quase como uma espécie de ponto de passagem obrigatório na vida de qualquer corredor de montanha. Não devia ser assim, na verdade inscrevi-me na prova pelas razões erradas e ainda por cima tive o "azar" de me calhar logo à primeira. Não estava preparado para aquela enormidade, mesmo já tendo feito 4 ou 5 provas de 3 dígitos, incluindo dois MIUTs. No entanto, como em quase todos os impulsos que vou tendo nisto das corridas, o que aparentemente é uma má decisão acaba por moldar muito do que se passa no futuro. O UTMB foi virado depois de um sofrimento atroz, mas ir à meca do trail correr nas montanhas mais bonitas do planeta, passar por um buraco tão grande como passei e sair do outro lado vivo, sentir o apoio da família e amigos e finalmente chegar àquela praça de Chamonix 44 horas depois e ter a minha família a esperar-me é algo que ficará para a vida.

Also, melhor foto de sempre para sempre :)

A MITIC ia contra tudo o que eu achava que gostava no trail. Super agreste, com trilhos técnicos do inicio ao fim e um acumulado que não lembra a ninguém, 10.000D+, o mesmo que o UTMB em menos 60km. Achava eu que gostava de trilhos fáceis, de provas longas mas acessíveis. Foi a prova de três dígitos que me correu melhor até hoje e onde me senti mais imerso na montanha. Uma antítese completa das multidões do UTMB, cheguei a andar horas sozinho enquanto assistia ao segundo nascer do sol da empreitada, no vale mais abismal que já vi. Demorei 34 horas. Mais 21 horas que demorei a cumprir a mesma distancia em Abrantes, por exemplo. Passei por tempestades, cometi erros de principiante, transpus cristas e vias-ferratas perigosas. Tornei-me finalmente num correr de montanha depois de virar esta prova.



A entrada mais inesperada nesta lista, mas esta foi provavelmente a melhor prova que já participei. Puro Sky Running: subir e descer ao ponto mais alto da montanha pelo caminho mais curto possível, tal como se fazia na origem desta vertente, na ascensão e descida ao Monte Rosa, nos Alpes, em 1993 (a diferença é que o Monte Rosa tem mais de 4000m de altitude). Tive a sorte de apanhar um fim de semana perfeito, com chuva torrencial durante a noite, o que tornou o percurso super desafiante, mas a organização perfeita ajudou muito a que esta prova se tenha tornado absolutamente memorável. No meu relato chamei-lhe uma pérola, agora só quero ter a sorte de poder participar em 2019!


terça-feira, 13 de novembro de 2018

Trail de Casainhos 2018 - Reunião de família

Mais uma vez, aconteceu Casainhos!

Pelo quinto ano consecutivo, o inicio de Novembro é marcado pela ida a Casainhos. Quinto ano que vou escrever um texto sobre uma prova da qual aparentemente não teria nada de novo a dizer. Afinal de contas o percurso é mais ou menos sempre o mesmo, o almoço também nunca foi diferente, até as pessoas vou vendo as mesmas ano após ano. Mas a verdade é que nunca resisto a escrever sobre este domingo, invariavelmente um dos melhores do ano. Em nenhuma outra prova do país me sinto tão em casa. Todos me tratam pelo nome. Desconfio que é assim com quase todos os 300 que lá vão, mas não quero saber. É como se fizesse parte da família.

É isso, família.

O Trail de Casainhos é como se fosse um daqueles ajuntamentos familiares em que se matam saudades dos avós e daqueles tios que não vemos há meses. Há riso, boa disposição, comida com fartura em cima da mesa e um almoço que se prolonga até meio da tarde!

Este ano choveu. Não, desculpem, acho que não passei bem a mensagem. Este ano CHOVEU. Estava a chover quando fomos levantar o dorsal, estava a chover durante a prova e continuou a chover enquanto estávamos a almoçar. A certa altura, durante a corrida, a chuva era tanta que tinha dificuldades em ter os olhos abertos e ver o caminho! Condições perfeitas, diria eu, para uma prova com cerca de 14km e 660 metros de subida onde o ritmo é sempre elevadíssimo. Não há cá tempo para sentir frio ou para gestão de esforço, é prego a fundo do primeiro ao ultimo segundo!

Há coisas que não mudaram mesmo nos ultimos 5 anos. O meu ar envergonhado, o ar ameaçador do Sommer e o facto de chegar à frente dele. Sim, sim.. para o ano é que é, diz ele.
Foi isso que fiz. Às 10:45 arranquei a ritmos perfeitamente anormais para mim numa prova de trilhos, de repente estava no grupo dos 5 primeiros a correr abaixo de 4. Tenho notado ultimamente que demoro uns bons 20 minutos até começar a sentir-me bem a correr, talvez por isso aquela primeira subida em trilho tenha sido tão massacrante! Mas não havia tempo para pensar nisso, lancei-me na descida atrás do Zeca e ultrapassamos mais um na subida seguinte em estradão. Íamos em 3º e 4º! Descemos furiosos pelos trilhos técnicos de Casainhos para o que pensava serem cerca de 3 ou 4km rolantes antes de atacarmos a parede da prova, mas este ano houve uma alteração e tivemos uma boa subida em single track antes de lá chegar. Comecei a subir a trote à frente do Zeca e a aproveitar os pequenos patamares mais planos que o zigue-zague do trilho proporcionava, mas percebi depressa que a minha respiração estava muito mais ofegante que a dele, ainda lhe ofereci passagem algumas vezes, o que acabou por acontecer logo no inicio da parede da prova.

A parede de Casainhos é mítica. Não é uma mega subida, ainda assim ainda vence 160+ em 500 metros, mas tem algumas características muito engraçadas. Primeiro é muito exposta, o que neste dia de diluvio foi significativo, depois é toda feita num trilho bastante inclinado e trabalhoso, e finalmente tem um patamar a meio que não deixa ver a segunda metade da subida até o transpormos. Ou seja, tudo o que uma boa subida de montanha deve ter, mas em ponto pequeno! É espetacular ouvir os comentários do pessoal que não costuma correr em montanha.


Nunca uso fita para registar a frequência cardíaca, mas é nestes momentos que gostava de ter isso. Tenho a certeza que todos os 500 metros foram feitos bem no limite. Ainda assim o limite não foi suficiente, o Zeca fugiu definitivamente e ainda me apanharam mais dois companheiros que vinham logo atrás. Quando cheguei lá acima não sabia se havia de vomitar ou atirar-me para o chão a chorar. Decidi ficar pela terceira opção, que foi desatar a correr atabalhoadamente pelo estradão, entretanto transformado em rio, com água a meio da canela.

Até ao fim ainda fui vendo o Carlos, que ia em 5º, mas apesar de ir ganhando terreno nas descidas nunca o consegui acompanhar nas subidas. Cheguei ao campo do S.C. Casainhos com 1h15 em 6º, 20 segundos atrás do Carlos e 4 minutos depois do 1º! Eu sei que só faço estes "brilharetes" quando não há concorrência, mas, porra, é uma adrenalina do caraças ir a controlar as posições sempre no limite. Uma prova à Tiago Godinho!

Mas este ano o destaque de Casainhos esteve longe de ser o meu sexto lugar. Muito longe! As verdadeiras campeãs foram a Sara, a Sra. Ribeiro e as mulheres do Zeca, Salvador e Diogo (lembram-me do acampamento na Freita Sky Marathon?). As 5 propuseram-se a fazer a simpática e acessível (pensavam elas) prova de Casainhos. Tirando a Sra. Ribeiro, todas tinham zero experiencia de trilhos e apanharam logo o maior diluvio que vi nos últimos anos. Às tantas já estávamos os 5 à espera delas e a conjeturar se teriam o que era preciso para acabar. Achámos que chegariam mal dispostas e prontas a baterem-nos! Não podíamos estar mais enganados. Passadas 3h15 de lama, quedas, corrida, chuva torrencial, trilhos técnicos e paredes transpostas lá entraram as 5 na reta da meta, a correr, sorridentes, umas ao lado das outras. Foi lindo! Uma festa enorme, gargalhadas e vídeos, vinham a explodir com histórias para contar, mas essas tiveram que esperar pelo urgente banho quente.

Foto de família
O terceiro ato deste domingo perfeito foi nas mesas do almoço. Elas 5, nós os 5, mais o João e o Bruno, colegas de trabalho que arrastei para esta vida, e o Ângelo, uma espécie de irmão que tenho desde o primeiro dia de faculdade, em 2002, e que também se estreou nos trilhos neste dia. Tenho a certeza que às dores musculares da corrida se juntaram também maxilares doridos de tanto rirmos, por entre pratos de feijoada, canja e arroz doce. Depois do café, lá para as quatro da tarde, quando os lábios das raparigas finalmente perderam a cor roxa do frio e a feijoada pesava como um tijolo na barriga, lá fomos para casa para uma merecida sesta no sofá.

Com o Ângelo

Que dia perfeito.


Acho que sei porque é que vejo sempre as mesmas 300 pessoas ano após ano em Casainhos. São as 300 pessoas que sabem que este é o segredo mais bem guardado do trail Lisboeta e não perdem tempo a inscreverem-se antes que esgote. Os outros... fiquem atentos em 2019, a família pode sempre aumentar! :)