As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Maratona do Porto 2016 - Quem dá o que tem...

Desde o final do ano passado que o regresso à Maratona estava nos planos. A ideia era focar o ano nas duas grandes provas (MIUT e UTMB) e depois aproveitar um ultimo trimestre descontraído que incluiria uma maratona do Porto, assim, como dizer, a rolar (lol). Mas a prova rainha não se compadece com estes paternalismos e acabou por ser um dos momentos mais intensos do ano. Afinal de contas, a Maratona é a Maratona…


Há 3 anos tinha sido a minha 4ª maratona, e este ano regressei ao Porto para a sétima. Muito mudou entretanto. Mudei eu, que passei a focar-me muito mais na corrida de montanha, e mudou a própria corrida, deixando a partida de ser no centro do Porto para junto ao rio, em Matosinhos. Sinceramente, esta mudança para mim é irrelevante. Não é isso que vai mudar a essência do percurso. Esse, na sua grande maioria, era e continua a ser centrado no Rio Douro. Para a frente e para trás, sempre junto ao Rio. De notar, isso sim, o aumento de público tanto em número como em entusiasmo, com algumas zonas muito preenchidas!


Vista do pórtico antes da partida.
Esta maratona trouxe outra novidade: pela primeira vez na vida fiz uma corrida em equipa. É muito raro, tanto em estrada como em trail, seguir muito tempo com a mesma pessoa. Não gosto de adaptar o meu ritmo, seja para andar mais depressa ou mais devagar. Mas fiz todos os treinos de preparação para o Porto com o Rodrigo, estávamos exatamente no mesmo ponto e tenho a certeza que, se tivéssemos corrido em separado, os nossos tempos teriam sido iguais. Ambos um pouco mais baixos, mas iguais.


Com o Alexandre (estreia) e Rodrigo (segunda maratona)
Como já vos tinha dito anteriormente, com o decorrer dos treinos mudei de ideias de uma maratona "tranquila" para um ataque ao meu melhor tempo, de 3h19. Defini com o Rodrigo que fixaríamos o ritmo alvo nos 4'40''/km, o que daria algo na casa das 3h17. Para mim, a definição do ritmo da maratona é dos passos mais importantes na preparação. Tem que haver uma perfeita noção do trabalho feito e das nossas capacidades. Não podemos correr o risco de sermos ambiciosos de mais e levar a marretada no fim. Mas se queremos ir no limite, estabelecer um ritmo baixo de mais pode ser frustrante, na medida em que chegamos ao fim com a sensação que podíamos ter dado mais.

A partida foi dada na avenida entre as rotundas da Anémona e do Castelo do Queijo. Com vários blocos divididos por tempo e numa avenida larga, era de esperar que o pelotão fluísse bem, mas curiosamente não foi o caso. Talvez por logo a seguir à partida termos subido a Avenida da Boavista, os primeiros 2km foram bastante confusos, com alguns esticões e paragens. Demorámos um bocado até entrarmos no nosso ritmo.


Junto ao Parque da Cidade.
Mais aceleração menos aceleração, passámos nos 10km confortáveis e certinhos no ritmo alvo. Já se sabe que os primeiros 10km de uma maratona são os 10km mais fáceis que vamos fazer, se assim não for algo está errado.

Enchido o chouriço na volta à doca de Leixões, a prova começou realmente com nova passagem na Rotunda da Anémona, aos 12km. O pelotão dispersou finalmente e corríamos, agora sim, à vontade. Distraídos pela paisagem, os quilómetros passaram sem darmos por eles e o ritmo foi aumentando sem grandes sacrifícios.  Por volta dos 19km, nova estreia! Já posso dizer que tenho algo em comum com a Jéssica Augusto, depois de um pit stop numa casa de banho portátil. Despachado o assunto, meti um bocado de mais andamento para voltar a apanhar o Rodrigo, o que aconteceu cerca de 2km depois, mesmo a chegar à Ribeira. Muita gente na rua e a incentivar na pequena rampa de acesso à Ponte D. Luis, que subimos algo sofregamente. A Meia Maratona estava logo ao virar da ponte, no empedrado de Gaia, a qual cruzámos 1h38 depois da partida - mesmo em cheio nos 4'40''!


Pórtico da Meia Maratona
Confesso que gosto de provas com retornos. É impossível não nos distrairmos à procura de caras conhecidas, a gritar incentivos e a ouvir alguns de volta. Essa é a melhor parte deste segmento do percurso de ida e volta à Afurada, porque de resto é um pouco desinteressante, com a agravante de ter partes muito chatas de empedrado. No entanto estávamos a sentir-nos bem, e o Pacer das 3h15 no raio de visão (estaria a 300/400m) dava uma motivação extra. O ritmo voltou a aumentar e a passagem aos 30km com 2h19 até indicava que estávamos a ganhar algum tempo ao objectivo, mas foi então que levámos o primeiro pontapé nas canelas: a rampa de acesso à Ponte D. Luis para a travessia de volta ao Porto.

Passagem na Ponte D. Luís
Imediatamente senti que algo tinha mudado. Falei com o Rodrigo e ele confirmou que se estava a sentir um bocado desconfortável. A nossa prova ia entrar numa nova fase, a partir daqui só teríamos os depósitos de reserva, a luta ia começar.

Ultrapassada a Ponte voltámos à direita para novo enchimento de chouriço de 1.5km para cada lado. O ritmo não era fluído e olhava constantemente para o relógio, ainda assim mantinha-se no pretendido apesar de muito mais esforçado. Nova passagem por baixo da Ponte D. Luís aos 32km. Disse ao Rodrigo: pronto, metade está feito.

Os 32km são uma marca importantíssima na Maratona, e no Porto ainda adquire um significado maior. Deixa de haver atletas mais lentos em sentido contrário e ficamos apenas nós e uma recta infindável de 10km. A contagem decrescente ia começar.

Ponte D. Luís vista da Ribeira
9.
O trigésimo terceiro km foi dos mais memoráveis pela passagem no túnel. Eye Of The Tiger a bombar, 5 ou 6 televisões com a famosa corrida do Rocky Balboa pelas ruas de Philadelphia, e alguns cartazes motivadores. Muito bom!


8.
Logo a seguir ao túnel, uma subida. Uff!! Fazemos um esforço enorme para volta aos 4'40'' mas ainda conseguimos. Com que consequência??


7.
Porra. Porcaria do vento tá sempre contra?? E as descidas? Só subimos?? Não se desce?? Ritmo já nos 4'50''. Ui, que vai custar!


6.
Disse ao Rodrigo que estava a quebrar, para ele avançar se quisesse. Claro que ele também estava a quebrar, estava exatamente como eu. Ritmo a diminuir, margem a desaparecer.


5.
Estou. Farto. Do. Douro.


4.
Batemos no muro com força e seguimos atordoados. Digo asneiras a uma cadencia maior que os passos por minuto. Apetece-me caminhar um bocado mas não o faço por causa do Rodrigo, provavelmente ele está a pensar o mesmo. Porra destas bandas que só tocam forró ou lá o que é esta merda!


3.
F***** para os 39km!! Farto desta m****, f*****!!! O ritmo foi definitivamente por água abaixo, estamos completamente em modo sobrevivência!


2.
MERDA.


1.
NUNCA MAIS NA VIDA FAÇO UMA MARATONA!! Mas como é que é possível passar pela placa dos 41km e achar que ainda falta uma eternidade?? Corro completamente tenso, curvado, com os maxilares serrados e literalmente a rosnar. Enchente brutal na subida de 500m que nos leva até ao Queimódromo.


0.5.
Olha a Sara com a Mel ao colo! Fim da subida! Então mas isto tá a acabar? Oh Rodrigo, tu queres ver que já tá??


0.195.
Braços no ar, pernas leves, ADORO ISTO!


0.
TÁ FEITO, TÁ FEITO!!

[Rodrigo, a sério que não uma foto nossa na meta??]

Ainda abraço o Rodrigo antes de desfalecer no chão. Olho para o relógio, 3h19m56s, 3 minutos a mais do que aquilo a que nos tínhamos proposto. Os mesmos 3 minutos a mais que demorei a fazer a segunda meia em relação à primeira.

Aquela recepção.
Um fracasso? Nem por sombras. Estou super satisfeito com a nossa prova e orgulhoso do Rodrigo, que retirou meia hora ao seu anterior registo e do Alexandre, que terminou brilhantemente a sua primeira maratona. Deixámos tudo, mas mesmo tudo nas ruas do Porto e chegámos com o depósito completamente vazio. Foi muito difícil, e já não me lembrava quão difícil é. No fim o tempo não foi mau, acabei por igualar praticamente o meu record. Digamos que foi uma batalha muito difícil, no Porto, que terminou num empate com sabor a vitória. Isto faz-me lembrar alguma coisa... :)




13 comentários:

  1. Brutal. Consegues captar o que a maioria de nós sente durante esta odisseia que é a maratona. É a descrição dos últimos,os 10 km é mesmo isso... Uma infindável recta, em que cada passo custa mais que o anterior. Obrigado por mais este testemunho. Como te disse no fim da prova, foi a busca do sentimento que descreves nos últimos 195m que me trouxe para o mundo da corrida. Obrigado FILIPE, mais uma vez.

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  2. Brilhante texto! Não me canso de ler o que vais escrevendo... Vou captando cada sensação para um dia, quando chegar a minha vez de atacar uma prova destas estar minimamente preparado! Em relação ao resultado, concordo contigo, para quem acabou o Mont Blanc em Agosto, preparar logo de seguida uma Maratona, "é d'Homem"! Muito parabéns pelo resultado e pelo texto.
    "Caracol Apressado"

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    1. Grande Tiago! Por acaso estou curioso com a tua futura estreia na maratona. Cruzei-me algumas vezes com o teu pai, ia muito melhor que eu. Deve ter feito perto das 3 horas, não? Espectáculo. Um abraço!

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  3. Excelente texto! E fico "contente" por descobrir que mesmo quem corre a ritmos que para mim são supersónicos passou exactamente pelas mesmas dificuldades nos mesmos sítios que eu. Um abraço e parabéns pela prova!

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  4. Muitos e muitos parabéns Filipe! Deixaste tudo ali!

    E sim, os últimos quilómetros, sejam de "voadores" como tu ou "caracóis" como eu, são mesmo com essas sensações! :)

    Um grande abraço

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  5. Muito bom, Filipe, o relato!

    O tempo, epah, sinceramente, ficaste próximo do teu RP, para quem inicialmente achava que iria a "rolar", foi bom.

    Abraço

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  6. Esta frase é muito boa: "Digo asneiras a uma cadencia maior que os passos por minuto." ahahah

    Parabéns pela tua prova! Que força de vontade! Qualquer um teria parado, qualquer um teria andado, mas aguentaste até ao fim. Parabéns!

    Já agora uma pergunta, reforças-te a ideia que acabaste com os depósitos completamente vazios. No post não mencionadas nada em relação a comida durante a prova. Nem um gel tomaste ou fruta comeste durante a prova?

    Abraço!

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    1. Na verdade tomei 3! Um aos 10, outros aos 25 e outro aos 35, acho que não foi por aí. A frequencia cardíaca média também se ficou pelos 149bpm, e naquela altura passava pouco dos 150, por isso também não foi por aí. Acho que foi mesmo a boa e velha falta de perninhas :)

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    2. Acho ok pronto não foi falha na hidratação/suplementação. Sim parece que foi. Sem pernas, mesmo com tudo o resto em ótimas condições, nunca dá para mais :)

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  7. Espectacular relato e grande tempo! E o humor sempre habitual e genial! Aquele abraço vizinho!

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  8. Também gostei do pormenor do "túnel do Rocky", entrei mesmo no espírito do Eye of the Tiger! :)
    É claro que fazes mais Maratonas, afinal, qual é mesmo o nome do teu blogue?... ;)
    Parabéns!

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  9. Muitos parabéns Filipe!
    Adorei a tua descrição, é que é mesmo assim! Durante muito tempo vamos nas nuvens e depois entramos numa fase em que já estamos um bocado fartos daquilo e queremos é que acabe rápido e depois entramos no ultimo km, avistamos a meta e de repente o sentimento volta a ser "ISTO É BRUTAL!!!!" =)

    Grande prova!
    Siga para a próxima aventura!

    Beijinhos

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  10. Muitos parabéns Filipe!
    Estiveste muito bem, a correr e a descrever os sentimentos vividos durante uma maratona.

    Grande abraço

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