Este domingo foi dia da romaria anual de Casaínhos, uma prova curtinha (15km) com tudo na medida certa: subidas, descidas, trilhos e feijoada. Dia de convívio, de reencontrar amigos e finalmente conhecer outros. Foi essas coisas bonitas todas, foi... Mas antes disso também foi palco de uma batalha sangrenta que perdurará nos anais da história.
Essa, a história, surge aqui relatada numa parceria Quarenta e Dois / Crónicas do Sr. Ribeiro, num texto escrito a duas mãos (cada um escrevia 1 ou 2 parágrafos e passava ao outro):
O Sommer chegou primeiro, levou toda a família e amigos. Talvez o peso da derrota do ano passado o tenha feito querer equilibrar a balança, e como de balanças percebe ele, levou mais carga para o seu lado.
O Filipe apareceu quase em cima da hora, com um ar de falsa descontração, sentia-se a pressão por trás dos sorrisos que tentava distribuir gratuitamente às pessoas que se aproximavam sentindo já o sangue da batalha.
Parou o carro à frente do seu adversário e antes de sair disse entredentes à mulher para seguir o guião. Mestre da dissimulação, meteu o mais falso dos sorrisos quando, cordialmente, cumprimentou o seu oponente. Nesse momento tenso, o Filipe reparou num leve tremor da sobrancelha direita do Sommer. Estava a resultar.
A conversa de circunstância quase os faz vomitar de angústia, mas o tempo passou e estavam agora a 5 minutos da partida. O Filipe conta as camisolas pretas da MRT que o cercam e arrepende-se de não ter trazido ele próprio reforços.
Lado a lado, esperaram tensos alheios ao bulício que os rodeia quando soa o sinal da partida que, sem aviso, os lança numa luta feroz.
O de Almeirim sabe que tem de assumir a prova, tem de encostar o de Lisboa, logo ali em Casaínhos, antes mesmo de Fanhões. E, assim, imprime um ritmo controlado apenas meio segundo acima daquilo que sabe que o seu opositor anafado aguenta. “Assim ele sofre, mas não rebenta, para já…”
Habituado aos esquemas, o Sommer combatente trafulha, procura esconder-se no meio da multidão, “Vou apanhá-lo de surpresa!”
E assim passam a porta do Estádio Municipal e voam pela estrada para uns primeiros quilómetros bem ao jeito do Filipe, que se apercebe pelo canto do olhos das dificuldades que o gordo tem em manter um ritmo alto enquanto saltita desconfortavelmente no estradão irregular. Chega a ser constrangedor.
O fosso estava criado, mas é nas subidas que o esquilo mais se sente em casa e, quando atacam a primeira, um trote tranquilo é o suficiente para se aproximar do ofegante adversário que se debatia num engarrafamento causado por outro frequentador de Monsanto. Enervado, o Sopa da Pedra sente a pressão e segue atabalhoado trilho acima, à espera que a descida o confortasse.
Virado o monte, abrem-se as portas do Inferno!!!!
À frente, o Filipe perde a noção da distância para o seu perseguidor e dispara com medo de ser agarrado, lá atrás, o gordo chegado ao cimo do monte, não teve outra hipótese, tapou o nariz, fechou os olhos e mergulhou, corajosamente, soltando um guincho, para fora de pé.
Era a primeira descida, o primeiro encontrão, as primeiras pedras, o da frente, procurava material para sopa, o de trás, não queria cair e ficar em picadinho!
“Mantém o ritmo só mais um bocado!!!” implorou a si mesmo o desgovernado ribatejano, enquanto aproveitava cada bocadinho de descida para ganhar metros à bulldozer que o perseguia. Aproximava-se o meio da prova e a decisiva parede, oásis de esperança para o Sommer, que se benzia a cada curva e contra-curva enlameada das descidas de Casaínhos.
Já na base da parede, o da frente nem teve coragem de olhar para trás "rais parta o gordo, que me respira no pescoço", pensou. Foi mãos nos joelhos, língua a raspar o chão e toca a papar metros que o grandão até bate palmas nesta subida.
Já lá em cima, virou-se, lentamente, como quem contempla a paisagem, mas o gordinho já não caía nessa, sabia que o Filipe o procurava e por isso atirou-se para o chão, com estrondo, escondendo-se por entre a vegetação, tentando que o opositor não o visse. Levantou-se quando se sentiu em segurança e galgou os metros finais, procurando encurtar a distância que os separava!
“Está a funcionar!” pensou, primeiro, para depois achar que estava a ser enganado, “Calma, está a funcionar bem de mais!!! Aqui há gato!”
Terminou a subida ainda a tempo de ver o adversário a fugir.
Parecia tão perto, mas perto também estava o fim da prova e da sua energia.
Era agora ou nunca, pensou o Sommer, enquanto recusava, a arfar, um copo de água oferecido no abastecimento, e arranjava maneira de voltar a colocar no sitio o pulmão que entretanto se tinha desalojado. Esqueceu o amor que até então sentia pela vida e atirou-se a mais uma descida num single aberto de fresco, cheio de raízes sacanas.
O de Almeirim, ainda meio desconcentrado com a visão do gordo a atirar-se para cima de uma silva lá atrás a meio da subida, decide que já não estava para brincadeiras e aumenta a parada. Faltava meia dúzia de quilómetros e tinha o passarão na mão.
O Sommer desesperava com a velocidade com que o trapaceiro se afastava, e balbuciou qualquer coisa para o seu companheiro do lado, mas quando não teve resposta, reparou que estava sozinho...
Estaria a enlouquecer? Seria o fim?
Sozinho atacou aquela que já não era a última subida, mas parecia ser uma depois!
O de Almeirim, com medo, tinha fugido! Engendrou um novo plano maquiavélico, para dar a estocada final no gordo… Ia lançar a contra-espionagem! Deu ordem de arranque aos seus reforços, para baterem as várias estradas, que se cruzavam com a prova, a fim de saber o paradeiro do perseguidor e gerir o ritmo sempre naquela sua forma malandra, abrandar, para o gordo salivar, e voltar a arrancar para o badocha desesperar…
“Desculpas!”, respondeu a Sara do Filipe, quando o gordito no seu delírio disparou qualquer coisa sobre carregar um companheiro ferido aos ombros durante os últimos quilómetros. "Ele vai todo torto e já não sabe o que diz, arranca que é teu", disse a matreira numa sms enviada ao Filipe, que ganhou novo ânimo.
O plano do campino tinha resultado. Faltava ultrapassar uma última parede e depois deslizar para a meta.
Frustrado, lá atrás o esquilo dizia mal da vida e pontapeava pedras na descida enquanto pensava o que tinha corrido mal.
Já com o Estádio Municipal em vista o nosso Ribatejano, finalmente, com gosto riu, por mais uma vitória que lhe sorriu.
Mas faltava alguma coisa… Emoção talvez… Uma perseguição final?? Cadê do gordo??
Ainda do outro lado da encosta, triste, cansado, suado, desidratado, arrastava-se ao som do oboé. Pópópó…
O gordo pensava em dizer, quando chegasse, “À terceira é de vez!”, mas sabia que lhe esperava de resposta, “Não há duas sem três”…
Dobrou a encosta e rebolou com o que tinha, para o estradão que lhe faltava, apanhou a parede caiada do Estádio, e virou, envergonhado passou o portão para os metros finais de mais uma humilhante derrota.
Por mais um ano ficará o machado de guerra enterrado entre os restos da feijoada ao almoço. A azia da derrota deu lugar àquela provocada pelo enfardamento de enchidos e a rivalidade diluiu-se em cerveja preta.
O sol pôs-se sobre o campo de batalha de Casaínhos, segue-se mais um ano, milhares de quilómetros separam os nossos guerreiros do seu próximo embate. Alguns – muitos - destes serão palmilhados pelos dois, fingirão amizade e partirão juntos em aventuras por este mundo fora, acertarão o passo e até darão a mão para ajudar o outro, mas sabendo sempre que se estão a medir e a preparar para o próximo derby de Fanhões, a prova que fica para lá do espírito do trail.
Ufa! Fiquei cansado com tão grande e épica batalha que vai ficar nos anais da história!!! :)
ResponderEliminarUm abraço
Muito, muito bom. Não me leves a mal ó Sopa da Pedra, mas na próxima batalha sou pelo Sommer ;)
ResponderEliminarAbraço
Ehehe muito bom!
ResponderEliminarO Gordo andou a carregar malta às costas... Senão acho que te fazia o bigode... :)
ResponderEliminarEra bom Sílvio, era bom... Quando o Henrique se lesionou eu já não via o Filipe há 5 minutos, ou me tornava no Mo Farah do alto de Casaínhos, ou já estava fora de alcance
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ResponderEliminarLol muito bom
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