As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Ericeira Trail Run (66km) - Horizontes pouco claros


Dezembro é o mês das são Silvestres, provas curtas, urbanas, muitos amigos, ambiente de festa... A verdade é que as festividades, juntamente com o trabalho que aperta e os surtos consumistas que roubam o resto do tempo para treinar, a época convida a repouso e boa vida! É um mês que pomos de lado os desafios maiores, só queremos sopas e descanso! Não há mesmo nada que nos faça mudar isto! ....A não ser que alguém diga as palavras mágicas:

"Vai haver um trail de 60 e tal quilómetros em cima do Natal... bora?" Pronto, já que usas um argumento tão convincente...



Este sábado foi dia de correr a distancia maior do Ericeira Trail Run. Esta corrida contrariou teorias Darwinistas e apareceu por geração espontânea +/- 2 meses antes da data do evento. Como é apanágio das corridas da Horizontes a imagem era muito cuidada, mas desde o momento do anuncio da prova deu a ideia que a falta de informação (nas primeiras semanas o "site" da prova era uma única imagem) significava que o próprio conceito ainda estava a ser cozinhado na cabeça dos organizadores. No entanto, os ingredientes para o sucesso estavam todos lá: boa promoção via redes sociais, uma distancia convidativa para estreias no trail e outra maior numa altura em que há poucas provas grandes, e boa localização, perto de Lisboa. Pronto, temos um vencedor! Ou será que não?

Nas semanas que antecederam o dia, os meus receios foram sendo completamente abafados pela natural ansiedade e vontade de correr. No sábado lá fiz então a hora e pouco que separam Almeirim da praia de Ribeira D'Ilhas com a Sara, onde me encontrei com mais 7 (!!!) elementos da minha equipa, A20KM. 

A equipa com o herói, Luís Mota
O muito frio que se fazia sentir convidava os atletas a aguentarem nos carros o máximo de tempo possível até se dirigirem à meta. Às 7:45 (a partida era às 8) dirigi-me finalmente com os meus colegas para o controlo zero, a 20 metros da meta. Cerca de metade dos 100 atletas presentes já tinham feito o controlo, enquanto os outros 50 esperavam pacientemente que dois elementos da organização fizessem um controlo rigorosíssimo (como eu nunca vi) do material obrigatório. Enquanto isso, o speaker dizia que não adiaria a partida. Às 7:58 lá me consegui despachar e fui para o pórtico, com o speaker a repetir várias vezes que a partida era às 8, e que os meninos deviam ter ido fazer o controlo mais cedo. Entretanto bate as 8 horas, e com cerca de 20 atletas ainda no controlo zero, dá o sinal de partida! Vamos lá ver, nada contra o rigor no controlo, até acho muito bem! Mas, porra, haveria assim tanto problema em adiar a partida 5 minutos?? Enfim, a verdade é que regras são regras, e realmente já se podia ter feito o controlo há muito.. Bem, está na hora de correr!



Os primeiros quilómetros de prova foram feitos junto ao mar, subindo e descendo por trilhos e estradões largos que entravam e saiam de praias. Como sempre, e ainda por cima com o frio que estava, preciso de alguns minutos até estabilizar a respiração e correr com algum conforto. O caminho convidava a correr, mas a prova era longa e os constantes sinais na minha cabeça aconselhavam-me a precaver-me e avançar com cautela. 

Nas ultimas duas semanas antes da corrida a organização avisou vezes sem conta que o percurso seria todo ele passível de ser feito a correr, o que aos olhos de alguém (ainda mais) inexperiente poderia significar facilidades. No entanto, qualquer pessoa que já tenha feito distancias longas (mais que 30km), sabe que mesmo que o percurso não seja sinuoso, muitas horas a correr, mesmo devagar, desgastam brutalmente o corpo.


O primeiro abastecimento, apenas de líquidos, chegou aos 8km de prova. Portanto, íamos com 8km, praticamente todos feitos a correr e com os obrigatórios reservatórios de água cheios. Eu pergunto, será que alguém parou neste abastecimento? Ok, estava lá, mal não há-de fazer. 

Os próximos 8km, que nos separavam do primeiro abastecimento de sólidos aos 16km, foram feitos a afastar-nos da costa para dentro da mata. Tinha finalmente estabilizado a respiração e sentia-me bastante bem a correr. O percurso continuava igual, muitos estradões e asfalto que convidavam a correr, convite esse que eu aceitei. 

No abastecimento dos 16km, em Monte Bom, estava a Sara à minha espera.

Correr? Nah, primeiro há que pousar para a foto.
Este abastecimento deixou boas indicações. Muita variedade e qualidade, numa altura que já corria com bastante fome (o pequeno almoço foi às 5 da manhã). 

Foi com o estômago reconfortado e ânimo redobrado que voltei a enfrentar a estrad...perdão, os trilhos! O percurso agora levava-nos até Mafra, onde iríamos passar pelo Palácio Nacional e eu iria rever a Sara. 

Ponto prévio: eu adoro correr, seja em estrada ou trilhos. Não me importo demasiado que o percurso tenha algum alcatrão ou estradões. Como expliquei aquando do Reccua Douro Ultra Trail, às vezes é imperativo e até faz algum sentido que se façam alguns segmentos em estrada. No Douro serviu para mostrar aldeias escondidas que caracterizavam fortemente a região e as gentes da zona. Para mim, muito mais importante que haver obstáculos complicados a cada quilómetro, é que o percurso tenha carisma! Não sei se estou a romantizar demasiado a coisa, mas gosto de perceber que um trajecto faz sentido, que não se chega do ponto A ao B pelo caminho mais óbvio ou mais complicado, mas pelo que se enquadre mais na personalidade do trail! (Ok, esta se calhar foi pseudo-intelectual de mais :) )

Dito isto, na minha opinião, o que se passou nos quilómetros antes e após Mafra não fez sentido nenhum. Estrada atrás de estrada, cruzamentos, rotundas, passagem pelo MacDonalds (!!!) e até houve lugar a uma surreal volta de cerca de 2km pelo parque desportivo de Mafra, para sair quase pelo mesmo sitio! Eu percebo, o Palácio de Mafra é um ex libris, e sinceramente gostei de lá passar. Mas será que aquele era o único caminho??

Photobomb no Palácio de Mafra
Escusado será dizer que tanto alcatrão e estradão me obrigaram a correr ininterruptamente. Estava agora com 30km de prova em cerca de 3 horas, algo estranho num trail. A primeira consequência foi o desgaste brutal dos pés. As minhas Salomon são muito boas em trilhos técnicos, mas são muito duras para correr na estrada, parece que tenho duas tábuas nos pés a baterem com estrondo no chão. A segunda consequência derivada do desgaste foi correr com cada vez mais fome. Aqui entramos no que para mim foi outra grande falha nesta corrida.

Os 6 abastecimentos em 66km parecem perfeitamente adequados. Mas dos 6 abastecimentos, 3 deles eram só de líquidos (abastecimentos só de líquidos numa prova tão longa não me parece que faça muito sentido), o que quer dizer que os 3 abastecimentos sólidos estavam demasiado afastados uns dos outros - 16km até ao primeiro, 22km até ao segundo e 23km até ao terceiro! A juntar a isto, o terceiro abastecimento de sólidos estava a 5km da meta!! Apesar de estarem bem apetrechados, estavam muito mal posicionados. Corri quase sempre com fome, e pela primeira vez não trouxe para casa nenhum dos géis ou barras que levei (4 geis + 3 barras).

Bem, problemas à parte, antes do segundo abastecimento de sólidos, por volta do km 30, entrámos na que para mim foi a zona mais interessante da prova, a subida ao Penedo de Lexim. 

O Penedo de Lexim é uma formação geológica muita interessante situada no topo de uma colina. Segundo o Google era uma antiga chaminé vulcânica, e o magma que a formou sofreu arrefecimento lento e gerou minerais bem desenvolvidos. Para o alcançar subimos por um trilho bastante técnico (que saudades) que desembocou numa grande clareira no topo da colina! A descida? Adivinhem... Sim, foi pelo alcatrão :)

A descer a colina, onde estava a minha fotografa favorita :)
O segundo abastecimento sólido chegou depois de descer do Penedo. Cheguei lá esganado de fome. Como sempre, estava bem apetrechado, e desta vez até tinha uma sopa de legumes quentinha que me soube muitissimo bem! Se eu soubesse que já só ia comer na meta tinha repetido... 3 vezes!

Nesta altura tinha passado o meio da prova. Faltavam cerca de 30km que, segundo um membro da organização que estava no abastecimento, seriam mais interessantes e com menos estrada. De facto foram, andámos muito mais tempo em terra (mesmo assim, maioritariamente estradões), mas já estava de tal maneira desgastado que a partir dos 40km já fazia contagem decrescente!

A corrida confortável e controlada dos primeiros 30km estava a transformar-se num trote lento e muito difícil. Olhava para o estradão plano e recto que se estendia à minha frente como para uma encosta da Serra da Estrela, era um pé à frente do outro, olhos baixos e cabeça a fugir para outras paragens. O treino de reforço muscular anda a fazer bem, porque as descidas deixaram de me custar nos músculos. Por outro lado, os pés e articulações dos tornozelos gritavam por piedade a cada pancada no alcatrão ou terra dura. 

E os quilómetros não passavam...

Mais uma subida enorme...em alcatrão... e no topo da colina avisto finalmente o mar. Estamos no quilómetro 60, já não falta muito! Começa a descida para a Foz do Lizandro.

Sim, em alcatrão.

Era aqui que estava o ultimo abastecimento sólido. A 5km da meta. Como é óbvio, o cheiro a meta, o cansaço e o desgaste acumulado fizeram com que nem pensasse em comer. Depois como na meta, pensei eu. Pois, comi mas paguei, e bem, no bar da praia, porque abastecimento na meta nem vê-lo!

Edição - Soube, depois de escrever o post, que afinal havia mesmo um abastecimento na meta!! Só não reparei na sinalização (se existia) e ninguém me avisou. De qualquer maneira, critica retirada :)

Os 5km que faltavam até à meta foram também muito sofríveis. O trail era baseado na Ericeira, tem que haver mar, concordo. Mas aqueles quilómetros parecem ter sido traçados por alguém que vai fazer um treininho de 5km à Ericeira, e decidem correr no calçadão. Se há pouco fazia a contagem decrescente dos quilómetros agora era quase metro a metro!

Quanto à chegada, dificilmente poderia ser mais idílica. A descer por uma escadaria de madeira, com o pórtico à beira mar e o sol a pôr-se no horizonte. 


Cruzei a meta com 66.5km no relógio e 7h46 depois. O banho quente foi tomado no Parque de Campismo da Ericeira, e o repasto foi no Bar da praia. Do dia ficam as boas recordações passadas com amigos e com a Sara, algumas partes do percurso, mais um objectivo cumprido e principalmente o prazer imenso que dá correr. Seja em trilhos, em estrada ou estradões, a subir ou a descer - gosto de correr. 


Quanto à Horizontes, de quem tinha ficado com muito boa imagem no Monte da Lua, não queria estar a bater mais. Não tenho por sistema dizer mal da organização de provas, até porque sei que a grande maioria das vezes é trabalho voluntário e com gosto. Mas desta vez fiquei bastante desiludido, simplesmente porque me pareceu tudo planeado em cima do joelho e com algumas falhas básicas. Não vou ser fundamentalista e dizer que nunca mais participo em provas deles, mas espero que tenham aprendido com o que se passou no sábado.

Ah, já me esquecia, esta prova marcou a estreia oficial da minha nova companheira, a GoPro. Transportei-a no bastão (sim, levei bastões) e fui fazendo pequenos clips que editei quando cheguei a casa. O resultado é este video de 3 minutos. Façam o favor de ver, de preferência com som, que deu uma trabalheira a sincronizar com os tempos da música!


Quanto a mim, vou finalmente ceder ao ócio do fim de ano e ... participar numa São Silvestre! :D 

12 comentários:

  1. Muitos parabéns, Filipe!
    A mim a estrada (um bocadinho em excesso, é verdade) não me preocupou, só mesmo em partes com muito trânsito e pouca berma (como aquelas centenas de metros antes da Foz do Lizandro), apesar de notar o mesmo que tu em relação aos Salomon no asfalto.
    Só uma coisa, no final tinhas abastecimento! Era na parte de trás do bar, a caminho do estacionamento (era no mesmo local onde faziam também as massagens). Realmente não estava muito sinalizado, dei com ele por acaso.
    Até à próxima! :)
    PS: Esse vídeo está um espectáculo, e a sincronização com a música??! Impecável!! :P

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  2. Muitos parabéns por:
    - (mais) Uma excelente prova
    - O excelente filme onde dá para ter uma ligeira impressão do percurso e de como corres rápido! :)

    Um abraço e força para uma São Silvestre! (Já escolheste?)

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  3. Eu ouvi no TSF Runners que esse trail tinha sido planeado para pessoas que faziam estrada começarem a gostar de trail.. Mas pelos vistos a coisa não correu muito bem :)

    Fico à tua espera na São Silvestre de Lisboa :)

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  4. Muitos parabéns!!!! Cá te verei na S. Silvestre de Lisboa!

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  5. Parabéns pela tua prova Filipe!
    Corres muito!
    O vídeo está excelente!

    Abraço

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  6. Belo comentário. Infelizmente a organização da Horizontes tem muito por onde melhorar! Participei nos 25km do Monte da Lua e fiquei bastante desiludido com a organização, quer ao nível do percurso como dos abastecimentos.

    Tal como dizes parece que quem organiza os trails da Horizontes não sabe pensa-los na perspectiva do participante.

    Já participei em trails com organizações teoricamente mais amadoras, e que tinham muito melhor organização.

    É pena a organização não fazer justiça aos locais escolhidos para os trails!

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Eu não participei e estou a ponderar participar em 2015, falaram-me foi que falharam redondamente na vertente da caminhada, supostamente seriam cerca duns 7 Kms e acho que na pratica foi quase 20 Kms. Para nós que corrermos pode não fazer diferença por ali além, mas para o praticante de caminhada que "provavelmente" não têm a nossa "estaleca" é natural que um aumento de distancia assim tenha feito mossa

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  7. Espectáculo Filipe!
    Parabéns por mais uma!
    E o vídeo está brutal! A banda sonora está 5*.
    Força para as próximas!

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  8. Parabéns por mais uma maratona, espera, trail, opah, sei lá...

    Nãonpercebo a questão dos abastecimentos, passaste ou não por um Macdonalds????!!!???? E sei que perto do Convento de Mafra há muitos restaurantes (e alguns bons, em especial se formos um pouco para aquelas ruelas), enfim, vontade de criticar!

    De resto, o video está um espectáculo, sincrono e tudo!

    Ao fim de 66 km descer aquelas escadas deve ter sido uma benção, de certeza ;)

    Quanto ao que contas sobre o trail, pois, não se percebe, pelo que sei a Ericeira tem algo mais para oferecer para além de alcatrão, se calhar falharam os horizontes à organização.

    Abraços

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  9. Vi o video e está altamente! Ainda me deu mais vontade de me aventurar nos longos! :) E logo assim uma pergunta. A câmara tem autonomia para quanto tempo? ou só gravavas de vez em quando?

    Sobre a organização, para os 22kms acho que esteve boa e com abastecimentos suficientes, sabendo de antemão que trails são provas semi-autosuficientes. Acho que o controlo zero foi só para os atletas do ultra, porque a mim, ninguém pediu para ver o que quer que fosse. Como tu próprio disseste, estava frio e a malta foi ficando no carro até mesmo não poder mais, e depois, claro que há demoras e acho que se a partida era às 8h, era às 8h que partiam.

    Sobre o percurso, sendo que só fiz os 22kms, achei-o médio e pouco técnico. Tinha mesmo bastante estrada e estradões de terra batida. As partes mais técnicas acabaram por ser zonas onde tinhamos que ir em fila indiana sem hipóteses de ultrapassar fosse quem fosse. Para não falar que logo aos 2kms tivemos que estar parados quase 20minutos para se conseguir atravessar uma vala onde, mais uma vez, só passava um atleta de cada vez.

    De resto, não sei se a prova foi feita "em cima do joelho", mas se foi, até acho que no mais curto estiveram bem. No longo, não me posso pronunciar.

    Acima de tudo foi uma prova gira, numa boa paisagem, que divertiu quem participou e acessível ao corredor de estrada que se quer iniciar nos trilhos ou que começou há pouco tempo. :)

    Abraço!

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  10. Parabéns Filipe por mais uma concluída. Já tinha visto o teu filme no livro das caras e está impecável, mas na altura já tinha ficado com a sensação de muito estradão e alcatrão através do vídeo. Compreendo alguma da tua frustração...estou inscrito na prova de Vila de Rei da Horizontes (é a minha estreia com eles) em Março...espero que corra tudo bem.
    Grande abraço e mais uma vez parabéns pela prova (isso de as provas serem corriveis tem muito que se lhe diga) e pelo vídeo (vamos lá ver como me vou desenrascar eu com a minha "menina")

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