As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Madeira Island Ultra Trail

Parti derrotado.

Não me lembro de alguma vez ter começado uma prova assim. Certamente nenhum MIUT! Depois de praticamente ter deixado de conseguir treinar após os 20km de Almeirim, a 3 semanas da partida, perdi toda e qualquer confiança que tinha para o MIUT. As dores no gémeo, mesmo quando caminhava, eram uma constante nuvem negra que pairava, mas pior que isso era ter perdido a vontade de partir. A angustia aumentou na quinta feira, dia em que fui para a Madeira com o Rodrigo, o Mota e o Simão. No aeroporto o pânico instalou-se de tal forma que, já dentro do avião e a minutos de descolar, enviei um mail à pressa à organização a pedir para trocar a distância para os 60km! A resposta chegou às 4 da manhã: não, amigo. Vais ter que te aguentar à bronca!

Fotografia do Nuno, que vai assumir um papel preponderante nesta história. Já vos conto.

A noite estava perfeita. Céu limpo, temperatura fresca mas não demasiado e sem vento. Pareceu de encomenda, já que choveu torrencialmente na quinta feira e depois voltou a chover no domingo de manhã. O ambiente em Porto Moniz estava uma sombra de anos anteriores. Fruto dos adiamentos por causa da COVID eramos apenas 315, um terço de 2019. Não me queixo, sou um bocado bicho do mato e gosto muito mais das provas com menos gente. Bebi um café no sitio habitual, para dar sorte, e sentei-me na escadaria habitual, para dar sorte. Meti a cabeça entre as pernas e fechei os olhos, a tentar abstrair-me ao máximo de tudo o resto. Faltava uma hora. 

Minutos antes de apanhar o autocarro para Porto Moniz. A moral estava em altas, como se percebe.

Com o Simão, o meu companheiro de treinos na caminhada até aqui. E que brutalidade de prova ele fez! 21h45

Olhos fechados, respirar fundo e contagem decrescente. Estava na altura. Assim que tocasse a meia noite a minha vida nas próximas 20 e muitas horas teria apenas um objetivo: conquistar o próximo metro. Conheço esse sítio, já quase vivo lá. 3, 2, 1.... Bip. Cronómetro iniciado. 

Foto da organização

Primeiros passos de corrida e o gémeo deu logo sinal. Já estava à espera, nada de pânico. Só precisava de perceber se a dor ia aumentando ou se seria suportável, como nas ultimas semanas. 500 metros de corrida e engatámos logo na primeira subida. Armar bastões e siga pra cima! 

Inicio da primeira subida. Fotografia do Miguel Cadalso.

Continuava com nenhuma vontade de ali estar, desconcentrado e pessimista. Não que pensasse em desistir, isso nunca me passou pela cabeça em qualquer ponto da prova, mas estava quase a fazer um frete. É um lugar comum dizer que numa grande ultra metade é físico e a outra metade é cabeça, mas é 100% verdade e o facto é que a minha cabeça não estava para ali virada. Subia devagar, mais devagar do que devia e podia, sempre perfeitamente na zona de conforto. Tinha decidido que, por causa do gémeo, não ligaria ao tempo final, só queria chegar ao fim. Claro que isso do gémeo era treta. Quer dizer, doía-me e doeu-me do primeiro ao ultimo passo, mas era suportável, não era isso que me prendia. Foi a desculpa que dei a mim mesmo naquelas horas iniciais para não entrar em prova!

Mas o MIUT não se coaduna com desculpas e a descida para a Ribeira da Janela era já ao virar do monte. Primeira descida, num trilho simpático que serpenteava pela encosta, mesmo até junto ao mar onde apanhámos um banho não de água mas de pessoas, aplausos e gritos. É uma passagem mítica todos os anos e, para mim, marca o verdadeiro inicio da prova: a subida para o Fanal.

Fotografia do Mario Pereira, retirada do Facebook da prova. Em primeiro plano o Pedro Caprichoso e o Ricardo Silva, ainda partilhei uns km com o grupo deles, lá atrás venho eu e lá mais atrás reparem na serpente de luzes a descer a encosta.

Nesta fotografia do João Faria, também retirada do Facebook da prova, dá para ver a serpente a partir da subida ao Fanal. Uma imagem mítica de todos os MIUT

Na subida para o Fanal, o primeiro km vertical que apanharíamos, com 1100+ em 11km, continuei com a mesma estratégia. Devagar, sempre abaixo da zona de conforto, sem forçar nada. Primeiro por entre as casas e finalmente no meio da floresta, entre degraus de troncos de madeira e piso enlameado, lá chegámos ao primeiro abastecimento, aos 15km. 

A estrutura montada para este MIUT era a mesma para aqueles com 1000 pessoas. Quer dizer que os abastecimentos eram enormes e havia pouca gente. Impecável. Comi bem e bebi dois copos grandes de café. Sentia-me bem e o gémeo estava controlado, mas ataquei a descida seguinte com cuidados redobrados. Fui muito lento nas partes mais técnicas e nunca arrisquei nada. Queria chegar a Estanquinhos o mais são possível, mas isso estava a custar-me tempo. Muito tempo. 

A subida seguinte, para Estanquinhos, é um dos momentos chave do MIUT. É uma bomba. Impossível descrever por palavras aquele portento. Os números da parte inicial, 1100+ em 4km, explicam alguma coisa, mas só passando por lá se consegue perceber. É a subida perfeita. Sempre aos ésses, num trilho de terra escura cravejado com pedras que permitem ir sempre escolhendo a melhor maneira de subir. O ritmo era certinho, fluido, sempre a trabalhar por entre pedras e degraus. Já depois dos 1000 metros uma pequena pequena folga na inclinação e aproveito para comer uns figos secos que levava comigo, mas logo a seguir recomeça o trabalho para a ponta final, agora num trilho mais a direito que nos levaria até ao planalto do Paul da Serra, que estava incrivelmente bonito. A lua cheia brilhava no céu limpo e mostrava os cumes todos que nos rodeavam, a erva rasteira estava congelada pelo frio e toda ela brilhava como pequenos cristais que estalavam quando os pisávamos. Perfeito!

No abastecimento de Estanquinhos dei uma vista de olhos ao papel que levava comigo onde tinha os tempos previstos de passagem. Já levava mais meia hora que em 2019! Não estava à espera que fosse tanto. Enfim, o mal estava feito.  

Segui com o plano e tentei poupar-me ao máximo na descida para o Rosário, abastecimento que marcava os 40km de prova. Praticamente percorri a andar os 2km muito chatos naquele estradão inicial cheio de pedra grande e solta à saída do abastecimento e finalmente soltei-me quando entrámos nas levadas. Um trilho maravilhoso, quase plano, que nos embrenha dentro da floresta Laurissilva. 


Duas fotografias dos trilhos na descida para o Rosário, pelo Miguel Cadalso.

Foi a sexta vez que ali passei e a sexta vez que apanhei o nascer do sol nestes trilhos. Mas posso dizer com toda a certeza: nunca apanhei um tão perfeito como este ano. Não sei se por ter sido um sol de Outono, pelo céu estar tão limpo, pela conjugação de tudo e mais alguma coisa... Nunca vi nada assim. Os tons laranja dos primeiros raios de sol davam vida e aqueciam o verde da Laurissilva, uma coisa de outro mundo! A Madeira é mesmo um sitio único. 

Fotografia do Cadalso numa parte emblemática da descida.

Chegado ao Rosário voltei a olhar para a cábula, tinha mantido a meia hora a mais em relação a 2019, mesmo a ser muito conservador na descida. Não estava mau, meia hora ainda era recuperável... Nesta altura comecei a entrar na prova, sentia-me bem e solto, naturalmente amassado dos 3000+ que já tinha nas pernas, mas isso é o mais normal. Com jeitinho a coisa ainda encarrilhava!

Iniciei o caminho do Rosário para a Encumeada bastante mais animado. Pela primeira vez tinha a cabeça dentro da prova, agora era altura de ver se o resto se alinhava. Sempre encarei esta parte do percurso como uma espécie de proforma: saímos da noite e sobrevivemos ao inferno dos primeiros 30km, agora íamos a caminho da Encumeada para uma das descidas mais massacrantes antes de começar a segunda parte da prova, mas antes temos estes 9km com 600+ de interlúdio. Primeiro descemos por umas hortas, depois um estradão e finalmente as escadas mais certinhas de toda a prova, no caminho do quebra panelas (não me lembro se é mesmo este o nome), uns degraus a subir perfeitos para meter um ritmo certinho.

A parte final da subida.

Virada a encumeada tínhamos uma pequena descida antes do abastecimento no hotel. Nos outros 5 anos esta descida era pela estrada, mas este ano entrámos numa levada incrível com 1 ou 2km que acabou num trilho a pique a desembocar mesmo à entrada no hotel. Muito mais massacrante, por causa da inclinação do trilho, mas valeu a pena. O que também valeu a pena foi ter encontrado a meio desta descida o Mota, que estava nos 85km! Um dos meus companheiros de treinos de madrugada, que se estava a estrear numa distância destas. 

Entrámos e saímos do abastecimento juntos e seguimos para a segunda parte do interlúdio, antes de finalmente começarmos a descer para o Curral. Mas desta vez já não era um caminho simples. Primeiro subimos o famoso pipeline, que mais uma vez fiquei com a impressão que tem mais fama que proveito. Não é uma subida muito difícil. Depois contornámos o vale inteiro num trilho muito bom, ondulante, quase sem inclinação, que fizemos quase integralmente a correr, tais eram as boas sensações!

Fotografia do Mota no fim do pipeline.

Faltava-nos agora apenas o meio km vertical de subida antes da grande descida para o Curral. Tínhamos saído à 1h15 do abastecimento, por isso decidi que seria ali, bem no inicio da subida, que iria comer. Para esta prova adoptei uma estratégia diferente com a alimentação. Com a ajuda e conselhos do Simão, decidi que até ao Curral não ia tomar géis. Antes, levei uns sacos que continham meia sandes de pão de forma com presunto, dois figos secos e duas gomas. A cada hora, hora e meia comia um destes sacos, além dos abastecimentos. Até ali já tinha comido 3 daqueles sacos e a estratégia estava a correr bem, mas...algo mudou.

Comecei a comer a sandes e, como sempre, empapou um bocado na boca. Nada de estranhar, é normal. Mas outra coisa não estava a ser normal, estava a subir a um ritmo muito baixo e enquanto comia a minha respiração estava descontrolada, completamente ofegante. O sol já estava alto e corríamos pela primeira vez fora da sombra, comecei a suar em bica. Demorei mais de 10 minutos a comer a sandes e os figos e acabei com a sensação que tinha feito uma série de 1000m a fundo! Respirei fundo e tentei meter um ritmo certo na subida para recuperar o folego, mas simplesmente não conseguia. O Mota começou a afastar-se ao ritmo dele e eu a afundar-me. 

Finalmente chegados à Relvinha, local onde viramos a montanha para a descida, 4.5km de subida depois, engato na descida já derreado. E, claro, esta não é a descida certa para se fazer vencido. Mais de 3km onde se perdem quase 700m de desnível, muito massacrante e técnico. 

Cheguei ao Curral das Freitas, Base de Vida, 61km, às 12h38. Quase uma hora depois de 2019...

Fotografia que enviei à Sara, com o obrigatório Compal de pêra na Base de Vida.

Aquela réstia de esperança sentida até à subida da Encumeada tinha-se esvaído. As ultras são uma verdadeira montanha russa de emoções. É incrível como num momento estamos no topo do mundo e, meia sandes de presunto depois, descemos ao fundo do poço.

Sentado na base de vida sentia-me um farrapo. O gémeo tinha-me voltado a doer e coxeei até à zona da comida quente para ir buscar um prato de massa, do qual comi 3 garfadas, enjoei e deixei o resto. Troquei relutantemente de tshirt mas deixei a térmica, apesar de estar calor. Não me apetecia... Troquei 4 ou 5 palavras com o Mota, disse-lhe que estava acabado, que ia ser em modo wallking dead até ao fim. Arranquei primeiro que ele, disse-lhe que nos viamos na subida de certeza.

Saí do abastecimento dobrado, cabisbaixo e vencido. Afundei-me em pensamentos negativos. "Não presto para isto", pensava. "Não fui feito para provas de 3 dígitos. Farto-me de treinar e depois chego aqui e é sempre a mesma merda. Nunca evoluo, é sofrer do início ao fim!". 

Arrastei-me nos 2km de alcatrão que subimos à saída do Curral antes de entrarmos no trilho da gigante subida ao Pico Ruivo. Já sabia de cor e salteado o que me esperava: um mar de sofrimento. Estava no fundo do poço. Bem, mas agora já ali estava, nada a fazer, tenho que ir ao trabalho.

Subia vagarosamente apoiado nos bastões por entre os eucaliptos do inicio da subida. Lá em baixo começo a ver alguns companheiros que naturalmente me vão alcançando. Um, mais outro, mais outro... vão todos passando por mim. Um deles era o Vitor Silva, um amigo de Guimarães com quem já partilhei alguns km e aventuras. Vinha com o Nuno, um maluco, também de Guimarães, que estava inscrito na prova dos 42km mas decidiu não partir e antes sair com o Vitor do Curral e levá-lo à meta. Engataram atrás de mim e começámos a conversar. Não me quiseram passar e eu, para não estar a atrapalhar, aumentei um pouco o ritmo. Continuámos a conversar, aquelas conversas normais à pescadores, de conquistas passadas. Continuei na frente, no mesmo ritmo, e eles atrás mim. Conversámos, rimos, passámos pessoal..... 

Espera, passámos pessoal?

Um de cada vez, fomos rodando os 3 na frente do comboio. Falámos de corrida, do trabalho, dos filhos, da vida... Sem dar por isso, já tínhamos a subida praticamente toda feita! Passámos a Boca das Torrinhas, já perto dos 1600m, e entrámos no reino das escadas. Sempre bem dispostos e a andar bem.

Há pouco falei-vos da montanha russa que é uma ultra, se isto não foi a maior reviravolta que eu já passei está lá perto. Fiz nada mais nada menos que o meu melhor tempo na subida Curral - Ruivo! E tudo graças ao Nuno e ao Vitor. 

Fotografia que o Nuno tirou ao Vitor no abastecimento do Pico Ruivo. Tenho pena de não ter uma boa foto com os dois!

Lá em cima, entre os picos, foi abismal. Vale sempre, mas sempre a pena. Tudo. O esforço, o sofrimento, o treino, as dores. Quando entramos naquele mundo fica tudo compensado. Este ano estava incrível, com algumas nuvens que nunca chegavam a cobrir completamente mas iam abrindo e fechando, sempre em movimento, sempre a modificar a paisagem. Mais uma vez, íamos os 3 em perfeita sintonia, agora com a companhia do Aldónio, um madeirense que engatou no comboio. Esta foi sem dúvida a minha melhor fase da prova e, também aqui, bati o meu record para o percurso entre os picos!



E esta sequência de fotos tirada pelo Nuno? Brutal.

Conquistado o pico do Areeiro saímos daquele planeta e voltámos à Madeira. Tínhamos pela frente 4km de trilho maioritariamente a descer até ao abastecimento, no Chão da Lagoa. Aqui descemos novamente à terra. Os degraus a descer logo a seguir ao Areeiro têm um tamanho terrível, o mais desconfortável possível. Demasiado altos e espaçados, não dá para transpor sem ser a martelar as pernas! Com o sol a pôr-se no horizonte também as reservas acumuladas naquelas horas de euforia começaram a esgotar-se. É mesmo assim, a montanha russa estava novamente a virar. Estava na altura de voltar a cerrar os dentes.

Fotografia pelo Ricardo Gonçalves, um amigo madeirense que conheci há uns anos precisamente aqui no Areeiro! Atrás vem o Aldónio, também ele irá ter um papel muito importante no desfecho.

Chão da Lagoa, 81km. O pior já estava, já tínhamos praticamente todo o desnível positivo vencido, assim como as maiores dificuldades técnicas. Mas a chave desta prova é no Poiso, aos 92km. Digo isto a toda a gente: se ao sairmos do Poiso tivermos pernas para correr, então a prova está feita. Se não, é um martírio até ao fim. Bem, mas antes do Poiso, temos uma descida e uma subida para tratar. Vamos a isso.

Foto do Ricardo, dentro do abastecimento do Chão da Lagoa, com o Vitor e o Nuno. Foi aqui que ligámos os frontais.


Às vezes esqueço-me que nem toda a gente conhece este perfil de cor. Aqui fica, para se situarem.

Detestava esta descida ao Ribeiro Frio, que é a aldeia antes da subida ao Poiso. Quem leu os meus anteriores relatos do MIUT já ouviu falar muito dela. Principalmente das subidas a meio da descida! Mas este ano a organização fez-nos uma muito agradável e bem vinda surpresa: descemos por outro sitio! Uma pista de BTT aos ésses, muito boa de correr! Que maravilha. Nem dei pelo tempo passar.

Já a subida senti-a bem nas pernas. E nos braços. E nas costas. E nos ombros. Ufa, que o gajo da marreta estava ali a meio! Mais uma volta na montanha russa! Pumba, lá pra baixo!  Ainda por cima estávamos a chegar ao ponto chave! Vejam bem no perfil acima, a partir daqui é sempre a descer, mais propriamente 25km a descer. Se as pernas tiverem reservas é uma limpeza, se não...ui, modo walking dead, na segunda noite, durante 25km... E a verdade é que as luzes do tablier estavam todas acesas nesta altura.

Ultima foto que enviei à Sara, no Poiso. As minhas selfies são sempre terríveis. 

Comidinha para o bucho e ala que se faz tarde. Os 9km até à Portela são, na teoria, os mais fáceis de todo o MIUT. Primeiro num trilho muito limpo e simpático, depois num estradão a descer. Tudo muito corrível e com desnível negativo. Perfeito, não é? Pois bem, o problema é que tinha os quadríceps destruídos. Tal como no UTMB, em 2016, rebentei a parte da frente das coxas e agora tinha dores horríveis a descer. Inacreditável. Tive tanto cuidado em todas as descidas! Pensando com distanciamento, talvez o problema tenha sido esse. Travei demasiado em todas as descidas e lixei as pastilhas. Parecia um entrevado cada vez que o terreno inclinava mais um bocadinho, estava a ficar profundamente irritado e frustrado. O pior cenário estava a concretizar-se. Ao chegar ao abastecimento da portela temos 200 metros a descer em alcatrão. Tive que adoptar a táctica UTMB, desci de costas! Valha-me Deus. Como tu estás, Filipe Honório....

Agora sim, definitivamente toalha ao chão. A hora que tinha a mais no Curral nunca mais a recuperei, mas agora até as 25 horas estavam em risco. Mais uma vez, no fundo do poço. Entrei no abastecimento, agarrei em dois bocados de banana, um de bolo de mel e dois quadrados de chocolate e fui para a rua comer. Não queria aquecer muito e apetecia-me estar sozinho. Esperei tranquilamente pelo Vitor e o Nuno lá fora, uns bons 20 minutos. Não faz mal, estava a saber-me bem e a prova já estava perdida de qualquer maneira. 

Faltavam 17km. Arrancámos todos juntos, mais uma vez, com o Nuno a puxar na frente. Meteu um trote ao qual todos responderam e foi assim que fomos papando o estradão inicial até entrarmos no trilho das Funduras. Em plano os quadriceps não me doíam tanto e até estava a ser capaz de manter aquele ritmo. O Nuno encostou e eu, como não queria parar porque depois me custava a recomeçar, assumi a frente e continuei no mesmo ritmo. Seguiu-me o Aldónio. Entrámos no trilho das Funduras os dois sozinhos, eu na frente, sempre a trote. O trilho é muito ondulante, tanto sobe como desce, mas incrivelmente corria melhor a subir do que a descer. Então continuei, continuei, continuei... Com o Aldónio atrás de mim, já isolados, nunca deixámos de correr. Foram 7km sempre a trote, no sobe e desce. De repente já estávamos na Degolada, uma descida assassina antes do ultimo abastecimento, do Larano. Cerrei os dentes e assumi as dores todas naquela descida. Disse ao Aldónio: "Vamos passar direto no abastecimento?"

Incrível. Já nem sei o que dizer. Passámos diretos a correr no abastecimento, para espanto de todos os que lá estavam, e continuámos o nosso trote na Vereda do Larano. A infinita. Ligeiramente a subir, mesmo boa para as minhas pernas destruídas das descidas. Descemos a boca do risco e aí sim, tive que parar uns segundos, alongar, conter as lágrimas que quase caíam com as dores nos quadriceps, e seguir. Só faltava a ultima etapa, os 5km de levadas à porta de Machico. 

O Aldónio, tal qual anjo da guarda, sempre atrás mim. Passei horas com ele desde o Curral. Ao contrario do Vitor e do Nuno, com ele falei muito pouco, mas também não era preciso, entendemo-nos na perfeição. Parava quando eu parava, acelerava quando eu acelerava, dizia-me para abrandar quando via que eu estava cansado. Conhecemo-nos ali, ele a fazer os 85km eu os 115. Provavelmente nunca mais nos veremos, mas foi em dupla que chegámos a Machico. Em contra relógio, a dar tudo nas levadas finais para conseguirmos chegar antes das 25 horas, o que conseguimos, por 40 segundos!! Só de pensar que há 16km atrás, na Portela, parecia impossível chegar antes das 26!

6 em 6.

Todos os MIUT que fiz foram especiais por uma ou outra razão. Este também o foi.  E foi porque não o fiz sozinho, era impossível ter chegado a Machico a esta hora sem a ajuda de outras pessoas: primeiro do Mota, que me meteu dentro da prova na Encumeada, depois do Vitor e do Nuno, que me foram buscar ao fundo do Poço no Curral e me levaram até ao Pico do Areeiro são e salvo e finalmente do Aldónio, que me empurrou para uma parte final incrível. Foi graças a eles, mas também foi graças a vocês todos que foram enviando mensagens de incentivo ao longo destes 6 anos. Foram 690km e sensivelmente 150 horas que passei nos trilhos do MIUT, numa ilha que já considero também como minha casa. E, claro, foi graças à minha Sara. Incansável no apoio, vive tanto isto como eu e ainda consegue segurar as pontas enquanto eu me vou perder para a montanha. O final perfeito para o ciclo Madeira Island Ultra Trail.




Será..?

domingo, 14 de novembro de 2021

"Ter fé é dançar na beira do abismo". Vem aí o Madeira Island Ultra Trail.

Há cinco meses que não escrevo aqui. Não há volta a dar, pela primeira vez em quase 7 anos não me tem apetecido escrever.

Apesar de nulos em escrita, foram 5 meses fartos em corrida. Não em provas, mas em corrida. Daquela pura! Muitas saídas de madrugada na Estrela, na Gardunha, na Lousã e até nos Açores. Quase sempre sozinho, outras vezes acompanhado apenas por uma ou duas pessoas, foram corridas onde senti uma sintonia comigo mesmo que não me lembro de alguma vez ter sentido ao longo dos anos todos que corro. Talvez por isso, pelas peças todas que encaixaram na perfeição e conseguir tirar da corrida tudo o que preciso, me tenha afastado do blog.

Nascer do sol no Cântaro Gordo, na Estrela

Nascer do sol no Pico da Vara, em São Miguel nos Açores

E....nascer do sol no Trevim, na Lousã! O que é que querem, gosto de treinar cedo...

Bem, mas chega de melodrama e sentimentalismo. Vamos lá despachar a ordem do dia que os 3 ou 4 que ainda estão a ler já começaram a olhar para as notificações no telemóvel. 

Desde os 65km da Freita, o ultimo relato que aqui escrevi, o meu foco virou-se para o Adamastor do costume: o MIUT. O meu 6º MIUT, que, fruto daquilo que nós sabemos, este ano passou do habitual mês de Abril para Novembro.

Desde então participei apenas em duas provas. Os 50km do Estrelaçor e os 20km de Almeirim. Ambas correram muito bem. Foram as primeiras duas provas desde que comecei o blog sobre as quais não escrevi no fim. Infelizmente, um ou dois dias após cada uma delas, faleceram dois familiares muito próximos, o que obviamente me deixou sem disposição para relatos. Segue um curtíssimo resumo:

No Estrelaçor ficou provado mais uma vez que aquele é um traçado perfeito para mim, com a primeira metade muito técnica e a segunda muito rolante. Também já percebi que entre os 30 e os 50km é a distância onde sou mais competitivo, e isso provou-se na Estrela, com um 10º lugar da geral. 

Não tenho uma única foto no Estrelaçor, mas esta é de um treino que fiz na Estrela e passámos ali naquele lago lá em baixo. Por isso....serve!

Nos 20km consegui finalmente alcançar algo que perseguia há meia dúzia de anos, o sub 1h20. Acabei com 1h19m39s, mesmo à justa, com uma média de 3'59''/km! Soube extraordinariamente bem voltar a correr os 20, depois de um ano de interregno. Tanta gente conhecida a puxar por mim quase que aliviou o sufoco que é correr 80 minutos de corda na garganta. Eu disse QUASE! 

Com o Mota, o Rodrigo e as nossas camisolas novas! 

Eu disse que tinha sido um sufoco.

Se bem se lembram, no final de 2019 e inicio de 2020 treinei com a beAPT, do Armando Teixeira, com vista ao MIUT 2020, que foi cancelado. Foram meses de mudança radical de métodos de treino e, apesar de ter sido durante tão pouco tempo, notei logo uma evolução brutal. Nunca mais voltei a treinar com eles, não que não quisesse, mas infelizmente é um esforço financeiro que não posso assumir hoje em dia. No entanto muita coisa ficou desses meses. Claro que sem o método de um profissional a orientar, mas algumas linhas básicas ficaram gravadas. Passei a sair mais vezes da zona de conforto nos treinos e passei a dar muito mais valor à intensidade do que ao volume de km. 



Só mais duas fotos de treinos perfeitos nestes meses. A primeira na mariola grande do KV do Alvoco e a segunda num qualquer bosque de sonho da Lousã.

Foram assim os últimos 2 meses de preparação para o MIUT. Poucas provas, semanas de treino de muita carga e sensações ótimas! Tudo estaria perfeito e encaminhado para um bom MIUT, mas......

O gémeo.

Raramente estou lesionado. Deve ser aí de dois em dois anos. Detesto falar sobre isso, quanto mais escrever sobre isso... Mas justifica-se, porque neste preciso momento, domingo, a 5 dias de sair de Porto Moniz, ainda tenho sérias dúvidas se vou partir na Madeira. Já que à pergunta se "devo" partir sei a resposta. 

Sim, é dramático. Começou uma semana antes da Estrela, 7 semanas antes do MIUT. Corri o Estrelaçor já limitado e desde então foram 5 semanas de carga cumpridas a toque de anti-inflamatório. Não me orgulho nada disso, mas foi literalmente isso: um treino - um comprimido no fim. Cumpri o plano com o gémeo preso por um arame, mas os 20km de Almeirim trataram de o torcer até ficar da espessura de um fio de cabelo. 

Toda a minha esperança estava depositada nas ultimas duas semanas antes da prova. Parei de correr, comecei a fazer massagens. Mas, infelizmente, ao fim da primeira semana de emergência, as perspetivas não são boas.

Vou entrar na ultima semana e não volto a correr até sexta feira à meia noite. Não faço ideia se consigo chegar sequer ao fim da primeira subida, mas, conhecendo-me, já sei que não vai ser por falta de tentativa. Duas semanas sem corrida claro que vão debelar a boa forma que tinha, mas numa prova de 115km não é por estar 10% em pior forma que me preocupo. Só queria que das 398 variáveis numa ultra daquelas que podem deitar tudo a perder, não conseguir correr por causa de uma dor no gémeo não seja uma delas. 

Enfim. O MIUT não espera por ninguém e está aí à porta. A minha prova preferida, o meu arqui-inimigo. Estou muito ansioso, nervoso e pessimista. Não sei se é daqui que vai sair o primeiro DNF da minha vida, mas não me vou ficar sem dar luta. 

Vamos a isso.

Algumas fotos do site oficial, para inspiração.








segunda-feira, 28 de junho de 2021

Ultra Trail Serra da Freita (60km) - As Goelas do Mundo do Moutinho

Levantei-me, equipei-me e tomei o pequeno almoço em silêncio, para não acordar a família. Eram 5 da manhã quando saí do nosso Airbnb na Póvoa das Leiras, no coração da Serra da Freita. Estava fresco, nada que obrigasse a mais que uma tshirt. Liguei o carro e fiz-me aos 25km que me separavam de Arouca numa estrada muito boa, uma montanha russa a contornar as montanhas da Freita. O sol ainda não tinha nascido mas já se vislumbravam os contornos dos monstros e uma fina linha vermelha denunciava o crepúsculo. No rádio entrou a guitarra nervosa da música "Eu só preciso", do Jónatas Pires, quando um arrepio gigante percorreu o meu corpo todo. Volume no máximo e janelas abertas, deslizava sozinho na estrada, como se todas as peças tivessem encaixado naquele momento! Algo me dizia que o dia ia ser...épico!

Onde há Fritz há grandes fotos. Não falha.

Seis da manhã na Escola Secundária de Arouca. Há dois anos, no mesmo sitio mas para os 100km, estava um caco. Nervoso, ansioso, com tosse e dores de cabeça fruto de uma noite gelada e muito mal dormida. O pior de tudo é que estava longe de saber o que me esperava. Este ano estava no extremo oposto. Muito tranquilo, depois de uma semana com bom sono e a pulsação em repouso a indicar boa forma (yep, controlo isso), mas principalmente ciente do que me esperava e de como o enfrentar. Parti às 6:15, na quarta vaga de 100 atletas. Tudo perfeitamente organizado e fluido, como é apanágio do UTSF. 

Chefe Moutinho em frente da grelha de partida. Foto do Fritz

O percurso mantem-se igual a 2019 até aos 3km, mas logo abandonamos a subida até ao Detrelo da Malhada que caracterizava as edições anteriores, para nos embrenharmos num trilho num bosque húmido e muito fechado, com trilhos de terra escura, pedras de granito cobertas de musgo, lama e a sempre presente água que corria num ribeiro que atravessámos incontáveis vezes. Muito sobe e desce curto, a fazer lembrar os Abutres, naquele segmento entre Gondramaz e Espinheiro. A "Via Dolorosa", conforme nos informava uma placa no inicio. Um trilho técnico e de progressão lenta. Muito bom! O pior é que, tendo partido na quarta vaga de 100 atletas, os 10km que separavam a Via Dolorosa da partida não tinham sido suficientes para dispersar o pelotão, então foi todo feito num irritante e frustrante pára-arranca.

Outra do Fritz. Se eu fosse famoso tornava-o o meu fotografo oficial. Acho que isso é uma coisa que os famosos fazem.

Primeiro abastecimento em Pedrogão. Saímos do bosque e entrámos finalmente na Freita. Embocamos no PR8, um trilho arrancado à encosta, em xisto, muito exposto e difícil. Paisagem agreste e declives brutais levaram-nos às entranhas de uma garganta muito apertada. De repente eram só troncos, pedras, correntes e cordas. Impossível correr, enquanto nos enfiávamos dentro da barriga do diabo. Até que.. lá estava ela... a placa a indicar que tínhamos entrado nas Goelas do Mundo.

As Goelas vistas de cima. Aquele vale apertado lá em baixo é o que estava a falar. Foto tirada do Facebook da prova.

Uma das coisas que sempre me fascinou na Freita é a maneira como os trilhos têm personalidade. Fruto, obviamente, da paixão com que o Moutinho não só fala deles mas principalmente pela maneira como os pensa. Não há mais serra nenhuma em Portugal em que hajam tantos trilhos dos quais basta dizer o nome e que todos identificam. À Besta, Escadas do Martírio, Três Pinheiros, Bradar aos Céus, entre tantos outros, juntou-se agora o inacreditável Goelas do Mundo. Há meses que o Zé Moutinho nos prepara para ele na sua página de Facebook. Todos acompanhámos o trabalho árduo e a maneira como o mestre se apaixonou por este novo monumento. Era a grande novidade do UTSF e a razão pela alteração do percurso nos primeiros 20km. Dizer que sobreviveu às expectativas é pouco. Se não é o melhor e mais difícil trilho da Freita, anda lá perto!

Conseguem ver o trilho ali na crista? Do Facebook da prova.

Depois do primeiro km, em que nos afundamos na garganta mas que mal subimos, chegamos a uma lagoa alimentada por uma cascata lindíssima. A partir desse ponto a progressão só é possível porque fixaram uns varões de aço na rocha que servem de apoio para os pés e mãos, era impossível progredir sem eles. Já saímos do meio das árvores e agora subimos completamente a pique pela crista de um dedo da montanha. O próximo quilómetro, em que subimos quase 400 metros, foi conquistado a força de braços e pernas, impossível usar os bastões. Este é daqueles que justifica o regresso todos os anos! O único problema foi o trânsito... Nesta altura os trilhos mais difíceis ainda eram todos feitos no pára-arranca.

Foto do meu amigo Marco Domingos. Procurem as pessoas.

Tebilhão, 20km, segundo abastecimento e o famoso ponto em que os percursos se separam. Desta vez segui, com alívio, para a direita, em direção aos 65km, em vez dos 100km. O que já não se pode dizer é que os 100km só começam ali, as Goelas já fazem bem parte do menu. 

4km de trilho fácil até à Povoa das Leiras e estava na base da Besta. Até me arrepio só de pensar no que a malta da prova grande ainda teria que passar até chegar àquele ponto! O ano passado cheguei ali completamente de rastos e ao início da noite. Agora estava com 24km e fresco de pernas, fruto do transito que apanhei até ali e que me obrigou a andar mais devagar. Mas a Besta é a Besta. Ou será a Freita? Bem, o melhor é subir.

A minha melhor foto da Besta. No dia seguinte fui lá com os miúdos. Acho que é um bom trilho para iniciação.

Aproveito para fazer aqui um pequeno parênteses no relato. Os 100km da Freita são a verdadeira prova idealizada pelo Moutinho. Os 65km continuam a ser uma prova extraordinariamente exigente, mas incomparavelmente mais fácil que os 100. É indescritível a diferença que aqueles 35km entre Tebilhão e Povoa das Leiras fazem. Há dois anos disse aqui que saí com um amargo de boca. De facto, não desfrutei grande coisa da prova. É demasiado difícil durante demasiado tempo. Corrijo, é SEMPRE difícil. Rebenta com os pés, o corpo e o espírito. Se a distância se tivesse mantido nos 65/70km, com aquele nível de exigência, pra mim era o ideal. Mas a minha opinião não conta pra nada e esta é a prova do Moutinho. É assim que tem que ser. Serve isto para dizer: querem ver o que é a Freita, vão aos 65km. Querem perceber o Moutinho, vão aos 100km. Mas preparem-se. Não é para qualquer um.

Bem, voltemos. 

Já sem filas, escalei a Besta ao meu ritmo. Que maravilha de subida. Não me entendam mal, é uma parvoíce de difícil, com pedras para escalar com mais de 1 metro de altura, rochas escorregadias e cheiinhas de musgo, água corrente, mãos e pés molhados. Como as pernas ainda estavam frescas não haviam sequer ameaças de cãimbras. Foi prazer puro o que senti, para transpor o km com 350+, até finalmente ser cuspido já depois dos 1000m de altitude. 

Já não sei bem onde isto é. Mas é do meu fotografo oficial e está boa.

Lembro-me do Moutinho uma vez ter dito que depois da Besta, até ao próximo abastecimento em Bondança, seria uma secção fácil, com trilhos limpos, planos ou a descer, para descansar da tareia que tínhamos levado até ali. Claro que isto faz muito mais sentido para quem vem na prova grande, mas ali soube mesmo bem rolar aqueles km até encontrar o abastecimento. 

Continuava a sentir-me super bem, com pernas para correr e força para subir. Depois de Bondança temos uma pequena subida que nos leva de volta aos 900m, antes da descida enorme para as Porqueiras. Mesmo naqueles metros finais da subida em que viramos o monte, meti o trote e as pernas responderam fácil. Com a "Eu Só Preciso" do Jónatas na cabeça desde o início, foi impossível não ficar arrepiado com a vista do horizonte enquanto corria leve e, agora sim, finalmente sozinho como eu gosto, rumo à descida. Um daqueles momentos perfeitos e inesquecíveis. 

Eu sei que esta é repetida, mas adequa-se ao momento. Do Fritz.

Desci motivado os 4km de trilhos que se vão tornando cada vez mais intricados e inclinados à medida que nos aproximamos do fundo, nas Porqueiras. Sempre a trabalhar de bastões, continuava a surfar a onda positiva que tinha apanhado desde o início. Que prova perfeita. 

Seguem-se as Escadas do Martírio, primeira metade da subida final de 800+. Muita água, muita sombra e muitos degraus apertados e curtinhos. Perfeito para manter um ritmo certo. Tal como em 2019, bebi água de cada charco que encontrava. Acho que repeti mais de 100 vezes na minha cabeça a máxima "água corrente não mata gente". O que é certo é que ainda não apanhei nenhuma dor de barriga!

No mal cheiroso paraíso da Lomba, local do mítico abastecimento da canja com cheiro a cabra, sentei-me bem disposto a uma sombra e comi a obrigatória bifana com uma mini fresquinha! Em mais lado nenhum bebo cerveja durante uma corrida, mas porra, soube pela vida!

A Lomba vista de cima. Do Facebook da prova.

Seguia-se agora a segunda metade da subida final. A subida de Bradar aos Céus. Em 2019 foi a estucada final, derrotou-me completamente e ainda hoje estou pra saber como é que a transpus. Estava convencido que este ano seria diferente. Só podia, estava a correr tão bem! Mas assim que comecei a meter a cabeça de fora a pensar que estava ganho, TUMBA, marretada!

Ao contrário das escadas, subia agora completamente exposto ao sol. A água já não corria pelo meio das pedras, agora só havia pó, xisto e moscas a atazanar-me. Já não haviam degraus certinhos, eram pedras de todo o tamanho que nos obrigavam a todo o tipo de abertura de pernas. Lembram-se de na Besta as cãimbras estarem longe? Pois bem, estavam guardadas para ali. Sentia-me completamente ensopado em suor, a gerir os líquidos, com os braços completamente rebentados de bastonar a subir e descer. Subi lento, lento, lento os mais de 300 metros de desnível positivo naquele km antes de chegar novamente ao planalto. Até que finalmente o ar deixou de estar pesado e morno e voltei a sentir uma brisa fresca. 

A Mizarela, pelo Fritz. Poucos depois de virar a subida de Bradar aos Céus.

Abananado pela violência da subida, demorei umas centenas de metros até voltar a mim, mas as pernas ainda tinham descida. Ufa, foi por pouco! Corri pelas pedras parideiras e batalhei no incrível PR7, com a Mizarela como imagem de fundo, até chegar ao ultimo abastecimento em Albergaria da Serra. Não me demorei lá mais de 2 minutos dentro, porque uns metros à frente, na praia fluvial, estava a Sara e os miúdos com um rissolinho de camarão e compal de pêra à minha espera. Que prova perfeita!

A rapaziada na praia de Albergaria.




Agora só 15km me separavam de Arouca. Meia dúzia ligeiramente a subir e finalmente a gigantesca descida final. Desta vez descemos pelo trilho que na edição anterior subimos no inicio, desde o Detrelo da Malhada. Mais uma mudança muitíssimo bem vinda. A descida é toda suave, num trilho muito bom  e fácil, no meio das árvores, como uma espécie de prémio para quem chegou até ali. Muito melhor assim. Afinal as pernas ainda estavam carregadas de descida e deu para curtir muito até ao fim. 

No pavilhão lá estava a Sara e os miúdos, que me acompanharam na meta. Já não o faziam desde Março de 2020 por causa da merda da Covid. Mas neste dia todas as peças encaixaram. Desde as 5 da manhã, quando saí do Airbnb, até às 5 da tarde, quando cheguei à meta, 11h07 depois de partir. Aliás, continuou a encaixar na perfeição nas horas seguintes, enquanto descansava ao fim do dia no jardim da nossa casa das Leiras e via os miúdos a brincar, enquanto jantávamos uma posta arouquesa na aldeia do Espinheiro, até ao momento em que nos despedimos da Serra da Freita, no domingo. Que prova perfeita.

Feito.







Fritz.



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