As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Ultra Louzantrail (43km) - You can't always get what you want...

Há 4 anos participei na então segunda edição do Louzantrail. Não correu bem. Por razões que podem ler aqui, pelo calor anormal, pela minha própria prestação, a edição de 2015 de Louzantrail não me deixou boas recordações, de todo. Entretanto a prova evoluiu e, bem, eu também. Seria então em 2019 que daria nova oportunidade a esta prova, que já é de referencia a nível nacional. A primeira mudança em relação a 2015 foi o inteligente aproveitamento da passagem dos Abutres para o verão, a Serra da Lousã é incomparavelmente melhor no inverno. Mas não se ficaram por aqui, foram muitas as mudanças.Será que foram todas para melhor? O melhor é continuarem a ler... (que teaser descarado).
Senhoras e senhores, mais um post com a valiosíssima contribuição do Miguel Cadalso!
Como disse há pouco, a prova ganhou muito com a mudança para Janeiro. Ainda por cima tivemos a sorte de apanhar um dia perfeito, sem chuva, nevoeiro ou temperaturas muito baixas. Outra coisa que mudou foi o local de partida, agora na Nave de Exposições da Lousã, de onde partiu o UTAX em 2017. Uma espécie de arena, espaçosa, com todas as comodidades. Uma coisa que não mudou foi a forma muito competente e profissional com que a comunicação foi feita nos meses antecedentes. Um design geral muito bom e um guia de atleta super completo com todas as informações e mais algumas. Lembram-se de há 4 anos o percurso ter passado de 45km anunciados para uns quase insuportáveis 54km? Pois bem, este ano acho que as indicações estavam certas ao centímetro! 43.9km com 3200D+ foi então o menu que às 8 em ponto, sob comando do inevitável Joca, cerca de 400 atletas começaram a degustar.

Foto da Sara, na partida
Esta prova surge na fase final da preparação para a Travessia Integral da Serra de Montemuro, que acontece daqui a 2 semanas (SÓ?!?!). Não tenho treinador, mas tento orientar os meus treinos para a duas ou três semanas do objectivo atingir o pico (vulgo, rebentar num treino) e depois tirar carga para estar afinadinho na prova grande. Desde o Pisão que tenho vindo a treinar muito bem. Sentia a forma a subir semana a semana ao ponto de achar que nunca estive tão bem, até que a semana passada, num treino no Montejunto com malta que anda bem mais que eu, dei o estoiro. Uma semana antes do Louzan. O ideal seria então ir a descer até ao Montemuro, mas havia o Louzan por isso tentei fazer controlo de danos tirando muita carga de forma a conseguir fazer a prova condignamente. A coisa até começou muito bem! Mas quando eu achava que ia sacar dali mais uma boa prestação...pumba, apareceu o Trevim! Bom, já lá vamos...

Foto do Matias Novo, partida dos 43km

Como eu dizia, a coisa até começou bem. Muito bem! Depois de um pequeno périplo pela Lousã, entrámos na serra em trilhos largos e sempre corriveis, bom para dispersar o grande pelotão. O trilho largo foi gradualmente estreitanto enquanto subíamos vagarosamente num single muito limpo que zigue-zagueava pelo meio das árvores. Isto para mim é a imagem de marca deste lado da Lousã, em contraponto com os trilhos agrestes do lado de Miranda. A primeira subida, de quase 8km, foi-se desenrolando com troços pouco inclinados, feitos a trotar, intermediados com algumas, poucas, paredes. Estava soltinho e subia quase sem dar por isso, a certa altura senti o ar a ficar mais frio, puxei os manguitos para cima e olhei para o relógio, já íamos quase com 1000+! Cerca de uma hora depois estava virado o primeiro monte e, melhor sensação do mundo, as pernas responderam assim que lhes pedi para correr na descida. 


Ao contrário do que é habitual, olhei muito pouco para o perfil antes da prova. Aliás, acho que nem olhei. A Lousã não é conhecida propriamente pelas subidas muito longas, mas antes pelo constante parte pernas, quer seja maioritariamente a subir ou a descer. E assim foi. Um tricotado de trilhos atrás de trilhos, com passagem por ribeiros e aldeias do xisto perdidas pelos montes, mais ou menos técnicos, com mais ou menos pedra, a Lousã ia-se mostrando single após single. 

Numa qualquer aldeia do Xisto (Talasnal?) com o Ranger Flávio


O primeiro abastecimento a sério (houve um pequeno, num controlo aos 10km) foi na aldeia do Talasnal, aos 16km. Há 4 anos, depois de ter criticado os abastecimentos do Louzan, decidi que nunca mais ia voltar a falar de abastecimentos. Pontualmente quebrei a regra e vou ter que voltar a fazê-lo desta vez. Se em 2015 foram fracos, este ano estão certamente no top dos mais faustosos! Muito perto de passar aquela linha ténue que distingue um abastecimento de uma prova de um buffet de casamento! Quis demorar-me o menos possível, estava a sentir-me super bem e muito motivado porque ia a acompanhar malta que normalmente anda muito à minha frente. A descida seguinte acentuou as boas sensações, mas era a subir que me estava a sentir melhor e inclusivamente ia ganhando terreno a quem ia mais à frente. Foi verdadeiramente um sol muito forte, mas infelizmente de pouca dura...

MC
A minha prova começou a virar por volta dos 20km. Depois de uma separação da prova de 29km, entrámos numa zona de autentico parte pernas. Quase sempre a subir, mas constantemente a variar entre pequenas descidas a pique e picadas a subir. Subimos e descemos dezenas de vezes, cada vez tinha mais dificuldade em acompanhar o Flávio, companheiro que fez grande parte da prova comigo. O carrossel estava a ser devastador e as pernas foram-se apagando aos poucos, até já não responderem de todo. Aproveitava as partes planas para caminhar e tentar recuperar, antes de respirar fundo para subir vagarosamente ou apenas tentar não cair nas descidas íngremes. Dois km disto depois, chegámos ao abastecimento dos 22km, onde estava a Sara. Demorei-me bastante mais neste abastecimento e consequentemente arrefeci bastante. Voltei a puxar os manguitos para cima e calcei as luvas antes de me fazer a um trilho enorme que nos levaria de volta à cota 1000, depois de subir 350m. 
Uma das tais picadas a subir. MC
Nesse parte pernas ainda passámos por sitios destes, a fazerem lembrar a zona de Gondramaz. MC
Felizmente, esta era daquelas subidas que gosto. Comecei muito mal, mas à medida que o corpo foi entrando na subida fui ganhando confiança e de maneira constante aumentei o passo. Quando viramos o cume finalmente ficamos expostos ao sol o que ajudou a aquecer as mãos que já doíam bastante do frio! Estávamos agora a descer para o Candal em trilhos e estradões bons de correr e, ténuamente, as boas sensações estavam a regressar.

Uma parte da subida, muito limpinha. MC
A descida, com o Candal lá ao fundo. MC
No Candal voltei a encontrar a Sara, mas desta vez de fugida já que não havia abastecimento. Estávamos com cerca de 2300D+ e prestes a iniciar a ultima subida, que nos levaria até ao Trevim nos 1200m. Depois de ultrapassado um circo provocado por um rapaz qualquer dos 29km que decidiu voltar-se para trás e dizer que o pessoal da ultra devia ter ido por outro caminho, provocando o caos num grupo de umas 20 pessoas, lá chegámos ao inicio do meu cabo das tormentas: um interminável corta fogo que nos levaria até aos 1000m. 

Ao contrário de todas as outras subidas da prova, esta não era num trilho a serpentear. Era um corta fogo, puro e duro. Uma reta de 1.4km e 350D+ onde se via o final assim que começávamos a subir e olhávamos BEM lá pra cima. Ok, não era um trilho, mas também não era parte pernas, uma subida constante até podia ser bom pra mim, pensei eu. Vá, vamos a isso. 

Puuuuuxa
Meti um passo pequeno e marquei o ritmo da subida com os bastões, muito certinho. Perna direita, braço esquerdo, perna esquerda, braço direito. A estratégia estava traçada, agora era só passar aquele desconforto inicial, entrar na subida e começar a papar malta. 

Vá, vocês os 3 podem passar por mim, mas deixem-me só entrar na subida que já vos digo!

Bom, tu também, passa lá, ainda estou a ver os outros e lá ao fundo ainda vejo a camisola amarela do Flávio, é só uma questão de tempo até começar a carburar e já ganho terreno!!

Oh porra..mais 5 a passarem.. então mas...

Ok. Houston, we have a problem!

Olhava vezes sem conta para trás e só via gente a aproximar-se, não conseguia colar em ninguém e todas as minhas referencias da frente iam ganhando metros. A subida era dura, mas nada do outro mundo. Eu é que tinha irremediavelmente rebentado. 

Ainda antes do abastecimento no sopé do Trevim, a seguir ao baloiço da Lousã, passámos por uma zona de singles em terreno quase plano, um espectáculo para correr. Mas desta vez as pernas estavam mortas e enterradas, já não saía o mais tímido trote. Era só ver gente a passar e eu cada vez a desmoralizar mais.

Lindo. E andei eu a arrastar-me por aqui. MC
Esta foto no baloiço comigo e os meus miudos obviamente não é da prova, mas tá do caraças e eu quero metê-la aqui :)
Arrastei-me até finalmente chegar ao abastecimento, mais uma vez completissimo, onde comi uma sopa bem quentinha. Faltavam só 200 e poucos metros de subida até ao Trevim e depois seriam 10km sempre a descer. Mas nem isso me animava. Arrastei-me pela subida, sempre sem parar, mas constantemente a ser virado por pessoas. 

Conquistado o alto do Trevim, ponto mais alto da Serra da Lousã, olhei para o relógio e este marcada 33km com 3100D+. Um Pisão! Grande abuso esta prova. Restava nada mais nada menos que 10km de descida, que nos fariam perder 1000m de elevação.

O Trevim lá ao fundo. MC
Vista lá de cima. MC
Fiz-me a ela com a confiança a roçar o zero. Mais um, dois, três, quatro passavam por mim. Até que, aos 2km de descida muito atabalhoada, passa por mim o Carlos e o Bruno. Meti conversa com o Carlos, um conterrâneo, e tentei por tudo acompanhar o ritmo dele na descida. Aos poucos ele foi-me rebocando pela rede interminável de trilhos incríveis que compunham a descida. E, mais uma vez, deu-se o milagre do trail! De morto a enterrado renasci e estava de novo a sentir-me bem! Olhava para a paisagem brutal, ainda aos 1000m, enquanto descíamos num maravilhoso trilho na encosta. Lembrei-me da viúva, em Sintra, quando penetrámos na floresta num single de terra mole e muito escura. Agarrei-me às árvores para fazer aquelas curvas mais apertadas e hipnotizei-me com o som da minha respiração e dos passos a martelar a terra mole. Sorria cada vez mais à medida que via os quilómetros a passar sem dar por eles. Que descida incrível! Dizem-me que aqueles trilhos foram quase todos abertos de propósito para esta prova, pois bem, Montanha Clube, dou-vos os parabéns. Mesmo que o resto tivesse corrido tudo mal, aquela descida do Trevim à Lousã valeu pela prova!

MC

MC
Confessei ao Carlos que se não fosse ele provavelmente teria demorado uma boa meia hora a mais, que lá em cima já tinha atirado a toalha ao chão. Disse-me que ele próprio se motivou por irmos a andar bem, por isso foi mutuo. É sempre surpreendente perceber como a parte psicológica é fundamental numa ultra. 

No final dessa grande descida. Penso eu...
Cruzámos a meta juntos, 6h50 depois da partida, 44km e 3200+ conquistados. Confesso que não fiquei contente com a minha prova, de todo. Acho que estava mal habituado. Depois de me sentir bem do inicio ao fim em Abrantes e no Pisão achava que era capaz de tudo, mas o Trevim meteu-me no meu lugar. Até estava um bocado aborrecido, mas o entusiasmo dos Joões, que fizeram a viagem para baixo comigo e com a Sara, tratou de me contagiar e animar. Enfim, não era bem o que eu queria, mas se calhar era o que eu precisava! (hãn, e esta ligação espetacular ao titulo do artigo? Ah pois é)

Na chegada. MC
Quanto ao Ultra Louzantrail, acho que perceberam ao longo do texto que foi um sucesso brutal.  Tudo no sitio e quantidades certas. Um percurso equilibrado super desafiante, muito bem marcado, apoio do público em muitos sítios, abastecimento excelentes, ambiente na partida e chegada e ainda competitividade quase sem precedentes em Portugal, principalmente nos 29km. Se há 4 anos fiquei desiludido, desta vez fiquei totalmente rendido. O Louzantrail é, sem dúvida alguma, uma das melhores provas do país. Parabéns a todos!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Aquele post #5

"Esquizofrénico, estável ou nenhum dos dois. Espero apenas que 2018 seja mais um ano com muita montanha, muita aventura e muitas horas a fazer aquilo que mais gosto, com quem mais gosto. Mal posso esperar!"

Foi assim que acabei o post resumo de 2018 e que estive agora a reler. Ora, assim de repente: houve montanha, houve aventura, houveram muitas horas (426, segundo o Strava) a fazer o que gosto e definitivamente rodeado por pessoas de quem gosto. Por isso, vou começar pela conclusão: 2018 foi um sucesso!

Mas nem tudo correu bem.

Primeiro foram as sessões de ginásio, que tanto me ajudaram em 2017 e no inicio de 2018. Gostava mesmo daquilo, tanto que já estava a fazer 3 por semana, a juntar aos 6 treinos de corrida. Infelizmente é muita coisa para encaixar nas madrugadas e estava a sair do ginásio às 8, depois de 1 hora de corrida e 1 hora de ginásio, quando tinha que sair para o trabalho às 8:20. Eram 3 manhãs demasiado stressantes e tive mesmo que abandonar. Talvez quando os miúdos forem mais velhos volte a ter disponibilidade ao fim do dia.

Depois foi a porcaria de um músculo da coxa, que me azucrinou desde Abril até Outubro. Fui fazer o MIUT lesionado, naveguei em piloto automático até ao X-Alpine para não agravar e passei UM MÊS INTEIRO sem correr, em Julho. Mas nem tudo a coxa estragou. Como não podia correr acabei por nadar todos os dias desse mês, redescobrindo uma paixão antiga e atingindo uma forma interessante. O resultado foram algumas travessias, até 7 ou 8km, e uma prova de Swimrun. Depois de voltar a correr livremente a natação acabou por ficar novamente para trás, mas não está esquecida. 2019 vai meter água, de certeza!

2018 foi ainda o ano em que, depois de andar anos a adiar, finalmente passei a tomar atenção ao que como. Começou pelo açúcar, que eliminei logo em Janeiro (fez agora um ano), passei a consumir muito mais verdes e frutas e menos arroz, massa e pão. Sinto-me melhor! Principalmente a correr, mas também no dia a dia. Com o mesmo nível de treino perdi cerca de 5kg, quando achava que já estava no peso ideal. Não vos vou dizer que a mudança foi radical, mas sinto-me bem e tenho a certeza que estou a fazer bem ao meu corpo.

Quanto a números, o mês de paragem acabou por mesmo assim não afectar o volume de km. Foram 3600 de corrida, o mesmo do ano passado. Já o desnível acabou por ser menor, 123k D+, números parecidos com 2017, contra 140k de 2018. Menos semanas de 3000+, muitas com 2000+. Não tenho grande explicação para isto, também não sinto que a minha forma tenha sido afectada, por isso não lhe dou grande importância.

O ano começou bem, logo em Janeiro nos Reis. Depois andei enfiado em buracos em Poiares e lidei com alguns problemas intestinais no Sicó. A preparação para a primeira grande do ano continuou numa aventura sky em Vouzela, que adorei. Finalmente chegou o MIUT, pela quarta vez. Não foi o melhor ano nem o pior, foi o ano em que percebi que, como todos, tenho limitações e que por mais que queira há patamares que não vou atingir. A seguir fiz a tal gestão até chegar aos Alpes, com passagem pela Serra Amarela no Gerês, aquela que para mim foi a prova do ano. O X-Alpine foi mais uma daquelas "aventuras de uma vida" que revisito muitas vezes em pensamento. O mês seguinte foi de descida à terra. 30 dias sem correr, coisa que não acontecia há anos. Nadei, muito, e até fui ao pódio de uma prova de Swimrun, um mundo novo que faço intenção de explorar no ano novo. Até ao fim do ano ainda estavam por fazer os 100km mais rápidos da minha vida, numa prova diferente mas que foi muito dura, em Abrantes, e mais incursões pelo sky, na sempre espetacular Serra da Freita e na irmã Serra da Arada, naquela que foi a surpresa do ano.







Em 2019 vou interromper uma corrente já com alguns anos e não vou fazer nenhuma prova no estrangeiro. Devido à contenção orçamental mas também porque ainda não estou com vontade de fazer 100 milhas novamente. Cada vez gosto mais de provas de 100km, sinto-me confortável e acho que ainda há muito para explorar nessa distância. Talvez 2020 seja o ano de voltar aos 168km! 

Quantos a provas, as três grandes serão a Travessia Integral da Serra de Montemuro (110km), já daqui a 4 semaninhas, o MIUT (quem diria?!?) e o Ultra Trail Serra da Freita. Sim, vou finalmente à Freita! Como fico com Julho livre por não ir ao estrangeiro abre essa hipótese. 

Como disse lá atrás, 2019 também vai meter água. Quero fazer pelo menos duas provas de Swimrun e talvez uma loucura qualquer de águas abertas. É um desafio que me alicia bastante.

Vou repetir algumas das melhores de 2018, como a Serra Amarela e o Pisão, experimentar algumas provas novas e ainda fazer um regresso à maratona, no Porto! Quero melhorar nas distancias de trail até aos 50km, é onde sou mais competitivo e confesso que me dá grande pica andar no limite. 

Ao contrário do que parece ser a corrente geral, gostava de em 2019 fazer mais provas! Se não as fizer será mesmo por falta de dinheiro, porque eu gosto muito de provas. Dá-me oportunidade de conhecer sítios novos e testemunhar o esforço de organizações, o que me dá muito prazer. 

As linhas gerais para 2019 estão traçadas, mas muito ainda haverá para descobrir. De certeza que vão ser 12 meses intensos com "muita montanha, muita aventura e muitas horas a fazer aquilo que mais gosto, com quem mais gosto." Até já!