As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Fim da Europa - missão cumprida

Depois de duas participações, em 2014 e 15, este ano voltei àquela que é, sem dúvida, a minha prova de estrada preferida: o Grande Prémio do Fim da Europa! (Eu sei que agora se chama só Corrida do Fim da Europa, mas eu vou continuar a chamar Grande Prémio porque...bem, é mais fixe!)

Tirado do Facebook da Prova. Foto da chegada, no Cabo da Roca.
Antes de mais, vamos tirar uma coisa do caminho. Nos últimos 2 ou 3 posts fiz menção a uma mudança muito significativa aqui por este lados. Desde o dia 1 de Dezembro que passei a ter acompanhamento no treino, algo a que resisti durante anos, mas achei que estava na altura de dar o passo. Estou com a equipa da Armada Portuguesa do Trail, do Paulo Pires e Armando Teixeira. Pretendo fazer muito em breve uma publicação mais extensa sobre isto, ainda só passaram dois meses, quero ficar mais por dentro da filosofia de treino antes de falar sobre isso. O que por enquanto vos posso dizer é que mudou integralmente a minha maneira de treinar! Tem sido um mundo novo de descobertas a todos os níveis, estou mesmo muito entusiasmado.

Uma das mudanças "impostas" pela APT foi um planeamento mais sensato das provas, neste caso com vista ao primeiro objectivo do ano, o MIUT. Por isso, em vez de em Janeiro fazer logo uma ou duas ultras como de costume, este ano surgiu a oportunidade de voltar a uma corrida que sempre gostei muito.

Escusado será dizer que cheguei a Sintra com a confiança nos píncaros, além disso, por andar a fazer poucas provas desde Dezembro (foi só a São Silvestre da Golegã), estava ansioso por voltar a correr com um dorsal. Depois de um aquecimento de 15 minutos (sim, agora até faço aquecimentos!) posicionei-me a cerca de 30 metros do pórtico e aguardei os 5 minutos que faltavam para a partida.

Retirado do Facebook da prova. Eu estou...para ali
Pode parecer estranho, mas esta é aquela prova de estrada que toda a gente que prefere o trail devia fazer. É uma espécie de sky running, mas na estrada! Primeiro subimos a serra, andamos ali uns quilómetros no planalto no sobe e desce (imaginem que é uma crista daquelas lixadas do sky) e finalmente descemos a fundo, montanha abaixo. São 16.5km, 400+ e 550-. Uma prova de estrada completamente diferente da grande maioria, ainda por cima num dos sítios mais bonitos de Portugal. Não é por acaso que é das mais antigas (30ª edição) e conta todos os anos com mais de duas mil pessoas! este ano foram 2228 a cortar a meta. Impressionante, para uma prova tão exigente a nível de percurso e de logística como esta.


Começamos com a subida da Rampa da Pena. Assim de estalo, até ao km 4, levamos logo com cerca de 250+! E aqui não há baby steps, é para ir a fundo! Pulsações a tocarem no red line e pernas a pedirem para abrandar, papamos as curvas e contra curvas que desfazem o desnível até lá acima. À mínima folga na inclinação a passada alargava logo. Apesar de ter partido relativamente perto do pórtico, devem ter saídos umas 200 pessoas à minha frente, a maior parte delas virei, uma a uma, nos 4km de subida, até estabilizar no planalto, lá para os 5 ou 6km.

Créditos na foto
Esta parte do planalto, com constante sobe e desce, é provavelmente a parte mais dificil da prova. Depois da grande rampa inicial, as pernas rejubilam a cada pequena descida. Os ritmos disparam de imediato, mas como as subidas aparecem logo de seguida, é um suplicio mudar novamente para pernas de subida (malta do trail, isto diz-vos alguma coisa? Ah pois, também há parte pernas nas estradas de Sintra!). 

Mas o pináculo do ácido láctico é no já mítico km 10! Uma rampa com 15% de inclinação e pouco mais que 500 metros atinge-nos como um murro no estômago. Metemos a viola no saco e tentamos sobreviver àquela ultima subida antes da loucura dos 6km finais. Aqui sim, foi modo trail. Baby steps curtinhos, só para não ter que caminhar!

Assim que viramos o km 10 vemos o mar e o farol no Cabo da Roca lá ao fundo. Esperam-nos nada menos que 6km de descida, com inclinações às vezes bastante fortes! É prego a fundo e tentar não pensar muito na tareia brutal que as pernas levam nesta descida. 

Deixei tudo o que tinha nesta descida! Acreditem, estava tão em esforço como na subida! Ganhei um respeito maior pela malta do Avalanche 0:29, que cumpriu os 10km a descer para tentar baixar dos 30 minutos. Hoje de manhã, no treino que fiz, senti bem estes km, mas a adrenalina de ir a velocidades anormais (óbvio record dos 5km, 17:26) e ver o farol a aproximar-se cada vez mais é impagável! Foi mesmo até à ultima gota e em grande esforço que virei a ultima rampinha mesmo antes da meta!

Reta da meta, num cenário idílico! Foto retirada do Facebook da prova.
Foi brutal! Definitivamente a minha prova de estrada preferida. A prestação também foi boa, com 1:08 na meta, mas nem tempos nem classificações (20º) batem aquela sensação saber que deixei lá tudo o que tinha. É assim que gosto de correr!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Âncoras

Estava a 5 ou 6km da meta instalada na Lousã, em 15º ou 16º,  na descida final do incrível Louzan SkyRace deste ano. Deixei tudo o que tinha e não tinha naquela descida.  Arrisquei como raramente arrisco, a adrenalina vinha a níveis altíssimos, sentidos apurados, músculos e respiração no limite! Passei por 3 ou 4 caminheiros quando, 10 ou 15 metros à frente, tropecei, caí, rebolei, e, como que aproveitando o movimento natural da cambalhota, voltei a levantar-me e segui exactamente no mesmo passo. Acho que nem senti o chão, queria era seguir caminho e surfar aquela brutal onda até ao fim!

Foi então que, quando me levantei, ouvi aquela frase.

"Para que é essa pressa toda?! Já não vais ganhar nada!"

Ao longo da vida tenho-me cruzado com pessoas destas. Mais do que não perceber porque é que faço o que faço, porque é que me esforço, porque é que acordo todos os dias de madrugada, abdico de muito e vivo obcecado com esta paixão tão forte que é a corrida, mais do que isso tudo, são pessoas que, a viver na sua zona de conforto, vêem com desdém aqueles que lá fora ousam fazer mais, ser mais.

"Todos os dias? Isso só te faz é mal"

A grande maioria das vezes é inconsciente, eu sei que é. Mas de vez em quando lá me cruzo com um deles e de imediato sinto aqueles tentáculos negros a quererem agarrar-me. A meter-me peso em cima, 1 grama de cada vez. A puxar-me para a sombra.

"Mas treinas tanto para quê? Já ganhaste alguma corrida?"

Aprender a reconhecer estes polos negativos foi o primeiro passo para me tornar imune. Decidi afastar-me o mais que posso deles. Aprendi a rodear-me de pessoas positivas, que gostem genuinamente tanto de falar como de ouvir. 

"100km? Para quê? Que parvoíce!"

O desporto, em particular a corrida, é o mais puro exemplo de meritocracia. Se trabalharmos, se nos esforçarmos, temos a recompensa. Gosto de estabelecer objectivos difíceis porque sei que trabalhando lá chego e, por outro lado, acho que é da maior importância fazer coisas difíceis!

Hoje em dia quando percebo que alguém me está a prender uma âncora ao pé não fico irritado. Educadamente, e com um sorriso, digo-lhes:

É verdade, nunca vou ganhar a corrida. Mas ai de mim se não vou fazer o meu melhor em tudo o que faço!