As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Swimrun Arrábida - Que mundo novo é este?!

10:45. Já deviamos ter começado a prova há quase duas horas, mas sobre isso podem ler mais nestaCrónica do Sr. Ribeiro. Estava borrado de medo, prestes a saltar do Galeão do Sado para o mar. Vi o primeiro a saltar lá para dentro, respirei fundo, apertei os oculos contra a cara pela 893ª vez e já com vontade de vomitar saltei para dentro de água.

Fotografia do Facebook da organização
Pânico! Água gelada! Senti pela primeira o peso do equipamento que levava para nadar. Sapatilhas de trail, meias, t-shirt que ganhei numa prova e o dorsal da prova. Dei umas pernadas de bruços para me manter à tona mas as sapatilhas não me deixavam dar o impulso que precisava.


Calma, Filipe!

Passaram uns segundos, meti o Pool Buoy no meio das pernas e dei umas braçadas. Relaxei as pernas, mesmo com as sapatilhas mantiveram-se à superficie. Óptimo. Dei umas braçadas e disse a mim mesmo para descontrair. Estava num ambiente familiar, na água, lá dentro não ouvia nada. Uma, duas, três, quatro braçadas e respira. Ok, estável. Contornei o galeão e preparei-me para a partida. Ainda me virei para o Sommer e disse-lhe para relaxar, que o pool buoy era suficiente para deixar as pernas a flutuar, mas assim que me viro novamente para a frente: PIIIIII!!! PARTIDA, VÃO!!

Sem dar por isso tinha entrado numa máquina de lavar da qual só iria sair mais de duas horas depois!!!

Estava mesmo no meio do furacão! Comecei frenéticamente a nadar, a respirar de duas em duas braçadas. Pernas, braços, sapatilhas por todo o lado! Olhava para a frente e só via espuma, respirei quase em pânico, engoli água. Felizmente os muitos anos de natação dão-me à vontade para lidar com esta situação e isso foi o que precisava para entrar na prova. Cerrei os dentres, foquei-me na braçada e comecei a passar pessoal, e ai da perna que se atravessasse à frente! De repente estava a nadar à vontade, mas a sentir que estava a fazer muito mais força que o habitual. A t-shirt de corrida que levei estava longe de ser a escolha certa para aquela prova e funcionava como uma espécie de cobertor que me prendia o deslize. Isso irritou-me, comecei a apertar mais na braçada e a nadar mais depressa. Olhei para a frente, já via pessoal a sair para a praia, estavam feitos os quase 1000m do primeiro segmento de natação. Mais uma ou duas braçadas e levantei-me. Vi a Sara, a Sra. Ribeiro e o Ribeirinho mais velho na praia aos gritos!

"BORA BORA!!! FORÇA!!!!"

Olhei à volta e não vi o Sommer. Saí na mesma para a praia e fiquei ali meio abananado a correr de um lado para o outro. De repente lá estava ele, a sair a cambalear da água. Não lhe dei tempo para respirar, puxei-o por um braço e comecei a correr praia acima ainda ele estava a tirar os óculos.


Depois da primeira natação, enquanto esperava pelo Sommer.

"Vais bem, vais bem!! Bora lá!!!" disse-lhe.

Ele nem respondeu, meteu a trote atrás de mim. Senti-lhe a respiração super ofegante. Eu ainda tive ali dois minutos a recuperar, ele nem teve tempo de respirar. Pensávamos nisso depois. Tempo para pensar é o que não existe nesta prova!

De saída para a primeira corrida. Somos a dupla 7. Fotografia da IronMe
Primeira corrida. 4km com 200D+. Bora Sommer, cola atrás. Seguimos a trote numa subida de 1.5km onde se vencia praticamente todo o desnível. Sentia-me bem e solto, o Sommer, sempre à mesma distância lá atrás, nunca vacilou. Virámos para a descida e entrámos em trilhos muito bons. Estávamos no nosso ambiente, descontraí na descida e deslizei a velocidades impróprias, a passar mais e mais gente. Senti que o Sommer estava em dificuldades, já o conheço, não estava a relaxar na descida e corria a forçar. Disse-lhe para ter calma, que àquilo já estava ele habituado. Os trilhos sucediam-se e nós seguiamos de faca na boca. Trail a sério, como gostamos!

4km depois estávamos de novo na praia. Pulsação a 1000. Parei, meti a toca na cabeça, óculos, pool buoy entre as pernas e voltei-me para trás. O Sommer estava com ar de pânico. Calma, disse-lhe, vamos relaxar nesta natação, começámos depressa de mais. Sim, disse ele, ainda não consegui respirar! Entrei calmamente na água e deixei-me ficar ao lado dele para me ver enquanto respirava. Alonguei muito a braçada e sentia-me super bem a nadar, sem esforço. Estava mesmo a precisar daquela água fria.

A calma antes da tempestade durou pouco, 300m. Nova praia, agora ele praticamente não perdeu tempo para mim na natação, arrancámos de imediato para novo segmento de corrida, agora com 9km e 450D+. Go go go!!!

Primeira subida, a trote, e parámos num abastecimento para mandar uns copos de água abaixo. Siga, continuámos a trotar subida acima. Fomos passando mais e mais gente. O calor apertou muito, estava a escorrer água e não era a água do mar de onde saí há uns minutos. Esta corrida foi trail puro, muitos e bons trilhos, mesmo ao nosso jeito. Continuava a sentir-me super bem, mesmo as subidas fazia a correr a bom ritmo. Ao mesmo tempo ia espreitando pelo canto do olho enquanto via o meu parceiro, que no seu estilo de quem está prestes a cair para o lado, nunca desarmava. Nunca! Passámos mais pessoal e disparámos na descida. Tens que relaxar agora, lembra-te, estamos em casa!! Disse-lhe. Ele já nem respondia, mas meteu-se atrás de mim a dar tudo. Parámos em novo abastecimento, mais água. Estava um inferno de calor. Faltava só mais uma subida e esta era das boas, quase 200m de desnível num quilómetro. Mãos atrás das costas e bora a arfar até lá acima! Tá feito, é descer até à água, descontrai! Saímos a voar e aqui disparei mesmo. Que loucura, nem sentia as pernas! Só parei em novo abastecimento agora mesmo junto à praia. Reagrupei com o Luís. Iamos para novo segmento de natação, agora com 500m.

A meio de uma das corridas. Sommer logo atrás! Fotografia IronMe
Os segmentos de natação eram ouro para mim, recuperava tudo o que tinha perdido na corrida. A progressão era muito pesada, maldita t-shirt, mas mesmo assim era o suficiente para, com pouco esforço, ir ganhando tempo.

Saímos praticamente ao mesmo tempo da água e corremos na praia, onde estava o Safara, o sr. Swimrun. "vão muito bem, 3º ou 4º!!!" Eish!! Mais ânimo ainda!! Sem tirar a toca atacámos nova corrida, agora era só subir o monte que nos separava da proxima praia e depois correr 500m no areal.

BORA BORA BORAAAA!!!!

Estava eufórico!!! Gritava para o ar enquanto ouvia os passos pesados do Luís mesmo atrás de mim!!

Mesmo antes de entrar para a água, para o ultimo segmento de natação, vi uma touca azul lá atrás (as duplas tinham toucas azuis, como as nossas).  Não há tempo para pensar, mergulha, nada!!!

Mais 400m de natação, sempre a dar, agora sim a deixar lá tudo!!!!

Cabeça fora de água e vejo que a tal touca azul estava ao meu lado. Logo, logo atrás está o Sommer!! BORA, CARALHO!!! Subimos as escadas a correr e começámos a sprintar nos 500m de calçada até à meta!! Passámos a outra dupla! O Luís vinha a gritar atrás de mim. A Sara e os Ribeiros gritavam histéricos a uns metros do pórtico!!! VAI VAI VAIII!!! ESTÃO EM TERCEIRO!!!!

AAAAH MAIS UM BOCADO E..... FEITO!!!!!

Pufff. Desliga o cronómetro, um abraço e toca a agarrar nos joelhos a tentar respirar.

Para a posteridade: Fomos ao pódio!!!!
Dupla 7, com o nosso troféu e...com o Kiko, que também se estreou na modalidade neste dia

Ainda hoje, mais de 24 horas depois, não consegui sossegar o formigueiro na barriga que esta prova me provocou. Que loucura, que intensidade! Quando o Luís me falou do swimrun, há uns meses, confesso que fiquei céptico. Nunca achei grande jeito a isso de nadar com o equipamento de corrida, ou àquela coisas estranha de levar o pool buoy agarrado à perna enquanto corríamos. Até ontem encarei esta prova como uma brincadeira, um dia com o Sommer e mais uns amigos. Fui displicente com o equipamento e praticamente não li nada sobre o desporto. Mas isso mudou tudo quando saltei do galeão para a água do Sado.

Tentei o melhor que consigo, mas é dificil explicar por palavras a intensidade que é participar numa prova destas. Desde ontem que muita gente me pergunta o que é isso do Swimrun mas a minha explicação acaba sempre por ser um embrulhado de palavras. Não é triatlo, nem pouco mais ou menos. É trail com natação. É adrenalina. Segmentos curtos, entra e sai de água. É trabalho de equipa (originalmente inventado na Noruega, foi idealizado como um desporto para ser feito em duplas, e é mesmo assim que para mim faz sentido). 

A organização foi perfeita. Escolha do percurso, marcações, abastecimentos, logística.. Eu nem imagino o que é montar uma prova destas, mas agora percebo perfeitamente quando vi o Safara quase a chorar ao telefone com a Policia Marítima, enquanto via o sonho desmoronar-se por causa do nevoeiro. Ainda bem que tudo se alinhou. 

Este ano já não há nenhuma prova em Portugal Continental, só uma na Madeira, mas para o ano não vou falhar uma do circuito. Aliás, não vamos, porque o Swimrun é um desporto de equipa. Eu, o Sommer, a Sara e a Ribeirada toda, o Safara, o Lizardo, o Roberto, o Kiko, o Salvador, o Zeca, o Prudêncio...... 

Foto de família. Agora bora almoçar!!