As minhas corridas na estrada

domingo, 19 de julho de 2015

Ultra Trail Monte da Lua (52km) - A balança desequilibrada


O ano passado foi das provas que gostei mais de fazer, por isso decidi que ia ser uma das duas únicas que iria repetir este ano. Gostei porque achei das provas mais completas que já fiz. Tem de tudo, desde zonas corriveis, paisagens brutais, passagem por lugares históricos e turísticos, trilhos técnicos e dificuldade QB, num equilíbrio perfeito. Este ano houveram algumas alterações no percurso (assim de repente, talvez um terço do percurso tenha sido diferente) o que desfez esse equilíbrio fazendo a balança pender para um dos lados. Terá a qualidade da prova sofrido com isso? Para que dos lados pendeu a balança? O melhor é continuarem a ler...

(Peço desculpa por este teaser descarado).


Como sempre na Horizontes, a imagem das provas é perfeita. Trabalho da Astrodeck.
Às 8:15, como combinado, o Paulo Garcia, director da Horizontes, fazia uma breve explicação da prova. No areal estavam já os mais de 200 ultras que partiriam às 8:30, um quarto de hora antes dos muitos que participariam na prova curta de 25km.  "Nesta prova não há escaladas, nem cordas para descer, nem nada dessas coisas que agora parece que estão na moda", dizia o Paulo, uma frase que dita no Centro Nacional de Indignados, vulgo Facebook, daria a azo a pelo menos 100 comentários. Comigo estavam o Eduardo, que fez um desvio no caminho para me ir buscar a Rio de Mouro, e o Paulo, que fez um desvio no caminho para me ir buscar o dorsal à Pro Runner a semana passada.

A única foto onde aparecemos os três
Passava pouco das 8:30 quando partimos para a aventura. O ano passado deixei-me ficar praticamente para ultimo nos primeiros metros, o que me fez estar parado uns 5 minutos na passagem de uma linha de água, por isso acelerei um pouco para ficar bem posicionado na entrada dos trilhos. Só que uma das alterações em 2015 foi precisamente os 5km iniciais. Uma boa opção, aquela passagem era desnecessária. Curiosamente, foi nestes 5km iniciais que houveram os principais problemas de marcações. Apesar do pelotão ainda ir muito junto, várias vezes nos perdemos, já que em vez de fitas muitas vezes o percurso era apenas marcado com bolas pintadas. Ninguém me disse isso, mas julgo que terá sido mais um caso de fitas roubadas, já que o resto do percurso estava impecavelmente marcado, duma forma inteligente e eficaz, como é apanágio da Horizontes. 

Mais trilho menos trilho, mais estradão menos estradão, tal como o ano passado foram 18km de prelúdio até entrarmos finalmente na Serra de Sintra. Com passagens por Colares e chegada na zona histórica de Sintra apinhada de turistas para uma subida final até à Quinta da Regaleira, onde estava o primeiro abastecimento de sólidos. Apesar de terem sido 18km por trilhos pouco técnicos e estradões, nunca deixou de ser um percurso interessante. 

Até agora tudo bem.
Nada interessante era a humidade brutal que se fazia sentir. Apesar do sol ainda não brilhar, bastou-me correr 500m para ficar completamente encharcado em suor, e assim continuei até ao fim.

O primeiro de dois abastecimento sólidos estava bem composto e com tudo o que uma prova de 50km com este nível de dificuldade exigia. Cheguei lá com bastante fome, por isso ainda me demorei um bocado de volta dos biscoitos de manteiga, salgados e da melancia, que me soube pela vida. O segundo abastecimento sólido só estaria dali a 20km. Era muito longe, mas a julgar pelo percurso do ano passado seriam 20km tranquilos e não me preocupei. De qualquer maneira, avisado que só haveriam dois abastecimentos sólidos, carreguei com bastantes barras e geis para não ser apanhado desprevenido.

Após o abastecimentos entrámos na fase da prova que compensa o regresso ano após ano. A passagem pela Quinta da Regaleira e a subida do Parque das Merendas.

A misteriosa Quinta da Regaleira
É apenas a segunda vez que visito a Regaleira, ambas em prova, e mais um vez fiquei com a sensação que lhe devo uma visita bastante mais demorada. A descida do Poço Iniciático é sempre espetacular, assim como a descida pelos caminhos em pedra, este ano com o divertimento acrescido de ir a fazer slalom entre os milhares de turistas que por lá andavam. 

Saídos da Regaleira, iniciámos outro ponto alto do Monte da Lua: a subida ao Castelo dos Mouros pelo Parque das Merendas.


Uma subida que dá bastante trabalho, com muitas escadas, muita rocha e num ambiente brutal bem no coração da Serra de Sintra. Nesta altura estava uma neblina que dava um ar ainda mais místico às árvores gigantes que nos rodeavam. É nesta subida que passamos por uma exposição de fotografia permanente ligeiramente...digamos..fantasmagórica.

Foto roubada do blog da menina.
Ultrapassada esta dificuldade iniciámos a descida até à Lagoa Azul. Tal como no ano passado, foi uma descida muito tranquila e rápida. Primeiro por trilhos muito bons e depois por estradões a descer não muito inclinados, o que nos permitia correr a bom ritmo sem qualquer desconforto. 

Era lá que estava localizado um abastecimento de líquidos, onde enchi o camelback que se esgotou pouco antes de chegar ao abastecimento. A gerir o abastecimento estavam 3 miúdos nos seus 15, 16 anos. Perguntei a uma quanto faltava para o próximo, a resposta foi um enfadado "não faço a mínima ideia" e um revirar de olhos ehehe Um colega dela lá me disse que estávamos no km 28 (o meu relogio marcava 27.9, perfeito) e que o próximo estaria a 7 ou 8km (na verdade estava a 12km, mas a culpa é minha que não estudei o guia de participante).

Lagoa Azul - foto roubado ao blog Quarenta e Dois, que roubou a foto do Google.
Cheguei aos 28km com cerca de 3 horas e meia, confiante e com boas sensações. Pelo percurso do ano passado seguir-se-ia uma subida técnica mas curta, seguida de alguns estradões bons para correr que desembocariam no Trilho das Pontes, uma pista de Downhill feita em sentido contrário que nos levaria até ao topo, na Anta de Andrenunes. Foi uma secção que o ano passado não me custou nada de especial a fazer, o que me dava alguma confiança. Mas foi precisamente a partir daqui que a prova mudou completamente de cara.

Perfil 2015
Perfil 2014
Como é visível nesta comparação, percebe-se que a primeira metade da prova é sensivelmente igual, assim como os últimos 12km. Mas é ali no meio, entre os 28 e os 40km, que a coisa muda completamente de cara. A subida que nos levou até à Anta o ano passado transformou-se em 3 subidas. Ou seja, os estradões tranquilos que nos levariam até uma longa subida e descida fácil até à Azoia transformaram-se num parte pernas intenso quase sempre feito em pistas de downhill do BTT, ou para cima ou para baixo. 

Foi um segmento de 12km muito complicado, em terreno sempre com grandes inclinações e por vezes muito técnico. Subir pistas de Downhill é super difícil, mas descer também não é nada fácil. O calor apertava e o litro e meio de água com que tinha abastecido na Lagoa estava rapidamente a esgotar. Parecia que tínhamos entrado numa prova completamente diferente. Deixei de ver sorrisos nas pessoas para serem substituídos por esgares de sofrimento. A meio de uma subida inclinada passa um colega em sentido contrário. Tinha-se sentido mal, vomitou, e agora descia até à estrada. Incrível como a prova mudou completamente de cara, e eu estava a sentir isso não só no espírito mas principalmente nas pernas e na região lombar (culpa minha, desde Portalegre que não faço exercícios de reforço desta zona). 

A estucada final foi uma subida que já tinha ouvido falar várias vezes nas Crónicas do Sr. Ribeiro, do Luís Sommer. A subida ao Convento da Peninha.

Peninha. Uma foto que tirei com o telemóvel.
Mentira, é do Google :P
Ao contrário das outras todas que fizemos, esta subida era num estradão completamente exposto ao sol. Olhava para cima e via não só o Convento mas colegas a arrastarem-se umas centenas de metros à frente. No céu voava um omnipresente helicóptero, que em vez de andar a filmar o Tour preferiu passar a tarde toda a sobrevoar a Serra de Sintra. Foi quando dei por mim a lançar impropérios ao helicóptero que percebi que não estava a ter um bom dia!

A meio da subida ainda tivemos direito a um daqueles quadros que nos fazem lembrar exactamente porque é que aqui andamos. 


Esta era a vista a que tínhamos acesso durante a subida, mas em vez do mar víamos um manto de nuvens brancas, muito denso, a baixa altitude. Sabem quando vão num avião, passam as nuvens, aparece o sol e lá em baixo só vêm um manto branco? Era exactamente assim. Em cima um céu muito limpo, em baixo um manto branco que nem nos deixava ver o chão. Incrível. Foi nesta altura que tirei pela primeira vez a Go Pro do bolso da mochila para tirar uma fotografia, o momento sem dúvida que merecia. Infelizmente o cartão teima em não se meter sozinho dentro da máquina, por isso, mais uma vez, levei a Go Pro a passear uns quilómetros.

O segundo abastecimento de sólidos estava aos 40km, na Peninha. Já tinha esgotado a água há pelo menos meia hora e estava com bastante fome. Cheguei lá com 6 horas. Lembro-me que o ano passado comecei a descer a primeira arriba com 5 horas e meia, e ontem ainda me faltavam alguns quilómetros até chegar à Azoia... Bem o melhor é não pensar muito nisso.

A descida começou num trilho espectacular, muito bom para correr, e desembocou em estradões que nos levaram até à Azoia e as malvadas arribas.


As arribas são a imagem de marca do Monte da Lua. Toda a gente falava delas durante o percurso, toda a gente já ouviu falar delas mesmo que não tenha feito esta corrida. São quatro depressões. Quatro subidas e quatro descidas muito trabalhosas, muito técnicas, estupidamente inclinadas. Um carrossel do horror que quebra o espírito de qualquer um. As descidas são muito difíceis, a única preocupação é não cair por ali abaixo, as subidas são feitas pelas rochas, sempre inconstantes. Depois há a parte psicológica, no inicio da descida se olharmos para a frente vemos o final da subida e sabemos o que nos espera!

Felizmente, depois das provas que tenho feito nos últimos meses este ano não custou assim tanto. Na verdade não custou nada. A certa altura até comecei a saltitar de rocha em rocha! Foi uma marav.... 

LOL! ok, esqueçam, isto é tudo mentira. FOI UM HORROR!!! Ainda foi pior que o ano passado! Tinhas as pernas muito mais massacradas e com as cãibras a ameaçarem a cada passo. Parei uma data de vezes nas subidas para recuperar o fôlego. Mas imediatamente perdia-o quando reparava no sitio onde estava. São 5km que têm tanto de duro como de espectacular e, se me perguntarem a mim, valem a inscrição no Ultra Trail Monte da Lua!

Foi quando estava a chegar ao fim da quarta e ultima subida que me lembrei do prato que nos esperava de seguida. A subida em areia da Praia da Adraga.


Se já vinha moribundo, esta subidazita na areia deu cabo do resto. Foi uma miséria!

Os 2 ou 3km que se seguiram até chegarmos à Praia Grande deixaram-me a mesma impressão que o ano passado. Não lhes achei grande piada. Não tem nada de desafiante ou interessante. São chatos, muitas vezes na areia, no meio de vegetação densa. Enfim, suponho que é um mal necessário, a meta estava ao virar da esquina.

Antes de chegarmos ainda tivemos direito a um bónus. Este ano, em vez de corrermos na estrada ao lado da Praia Grande, descemos uma grande escadaria que nos levou à orla e foi lá, na areia húmida no meio dos banhistas, que corremos os cerca de 500 metros da praia. 


Ah e tal, correr à beira mar é giro! É giro a porra! Correr 500 metros na areia, quando já vamos com 50km nas pernas, não é lá muito giro! Ainda por cima no meio de uma data de gente jogar às raquetes e à bola na praia. Claro que vamos fazer os 500 metros sempre a correr, há que manter alguma dignidade! Ui, que me custou tanto!

Saímos da praia por uma escadaria, corremos mais uns 500 metros e estávamos de volta à Praia das Maçãs finalmente!

O levantar de braços não é de alegria. Foi a reacção de pânico quando percebi que tinha que saltar por cima daquela corda.
Como sempre, na chegada estavam a Sara e a Mel, que me receberam após 52km, 2500D+ e 8h27 depois, o que me valeu um 50º posto. Demorei mais uma hora que o ano passado! Fruto das alterações do percurso, principalmente, mas também me sinto muito longe da forma que tinha quando fiz o MIUT e que se prolongou até ao UTSM. Foram 20km finais muito sofridos, sem grande prazer em lá andar. Acabei completamente de rastos e quase não conseguia chegar ao balde de melancia que ataquei furiosamente durante um quarto de hora no abastecimento final. Contas por alto comi quilo e meio de melancia! Hoje ainda me sinto bastante desmoralizado e com sérias dúvidas quanto ao planeamento para o resto do ano. Ou alguma coisa muda durante o Verão ou os 112km do UTAX vão ter que ficar para 2016 :\

Quanto à prova, e respondendo à pergunta do capítulo inicial, é verdade que este ano se esticou um bocado a corda quanto à dificuldade, fazendo pender a balança de uma corrida anteriormente perfeitamente equilibrada. Mas, na minha opinião, não ficou nada a perder! A essência do Monte da Lua está toda lá. Uma prova muito completa, desafiante, variada, com todo o tipo de terreno e paisagens. Um bocado mais difícil, é verdade, mas longe de ser uma prova de dificuldade extrema. As marcações, exceptuando aqueles quilómetros iniciais (mais uma vez, tenho quase a certeza que foram actos de vandalismo e maldade), estava impecável. Quanto aos abastecimentos apenas acho que entre os 28 e 40km deveria haver mais um de líquidos, já que são 12km muito duros e com a temperatura que estava aposto que a grande maioria ficou sem água, tal como eu.  Provavelmente voltarei para o ano e com toda a certeza aconselharei esta prova como uma primeira incursão na distancia ultra!

Ah, no fim não há balneários para tomar banho. Mas quem é que se lembra disso quando se está com as pernas de molho nas águas geladas da Praia das Maçãs? :)