As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Ultra Trail de São Mamede - 100km

Na subida para o abastecimento dos 80km passei por alguém que, ao ver a minha t-shirt do MIUT, me disse "então, essa que tens ao peito é que foi difícil, esta é fácil!". Depois de resistir a um primeiro impulso de lhe mandar com os bastões no lombo, respondi-lhe: "não há provas fáceis!".

Foi no dia 30 de Dezembro de 2014 que me inscrevi. Cinco meses e meio antes da prova decidi que esta seria a terceira vez que tentaria correr acima dos 100km no espaço de dois meses. Ao contrário do que digo no parágrafo que inicia este texto, há um sitio onde as provas são fáceis: sentadinho ao computador, em casa. É tão fácil!

Mas não, não foi fácil, foi muito duro. Cem quilómetros nunca hão-de ser fáceis. Cem quilómetros com temperaturas que variaram de manhã de Novembro a tarde de Agosto, numa terra seca que levanta um pó fino a cada passo, com um vento fortíssimo durante a noite que criou uma névoa sempre presente desse mesmo pó, não foi fácil, muito pelo contrário.

Mas comecemos pelo inicio.


A meu lado, sentados na relva do Estádio dos Assentos em Portalegre, estavam o Joel e o David, colegas da Associação 20km de Almeirim. Os três nervosos, cada um com os seus motivos, fizemos ultimas verificações ao material entre sorrisos ansiosos. O ambiente era verdadeiramente brutal e correspondia às expectativas. Eram mais de 500 atletas perfilados para a grande aventura. Os espectadores, apoiantes e familiares duplicavam ou triplicavam esse número. Até aqui tudo tinha sido perfeito, desde o levantamento dos dorsais, à entrega do saco com a troca de roupa até ao rigoroso QB controlo zero. 

No palco ouvem-se os primeiros acordes de Maria, a música de Xutos que daria inicio à corrida. Foi entre guitarras distorcidas, aplausos, gritos, muitos sorrisos e uma adrenalina quase palpável que há meia noite passámos por baixo do pórtico! Fora do estádio um corredor humano com uns 300 metros embalou-nos para a empreitada brutal que nos esperava. Que início!

Três quintos dos A20KM presentes.
A previsão era de muito calor, mas a organização avisou-nos para a noite que podia ser bastante fresca. Parti com uma camisola e tshirt, mais um buff no pescoço e outro na cabeça. Na mala o corta vento e as luvas, que ganharam lugar cativo em todas as provas que faço. A noite realmente estava fresca, mas o pior era o vento fortíssimo que levantava um pó muito fino. De repente lembrei-me do Super Bock Super Rock no Meco, onde tínhamos que andar com aquelas máscaras anti-poeira. Dei uma nova utilização  ao buff do pescoço e pu-lo a tapar a boca e o nariz. Corri várias horas assim. 

Foram bastante tranquilos e rolantes, os primeiros 17km até Alegrete, onde estava situado o segundo Posto de Abastecimento e Controlo (PAC). O percurso era coerente. Com alguns trilhos, muito estradão, e passagem por muito pouco asfalto em certas ligações. Foi assim até ao final. É verdade, era maioritariamente estradão, mas quem vai ao UTSM não está à espera de encontrar os trilhos da Lousã, por exemplo. Já defendi aqui várias vezes que, apesar de gostar mais de correr em trilhos, não é por correr em estradão que acho um percurso de menos valor. Cada prova tem a sua personalidade, e o percurso de São Mamede faz sentido assim desta maneira. 

A chegada ao PAC2 coincidiu com o primeiro castelo conquistado, na pequena vila de Alegrete. Já dentro da muralha, ruas estreitas, muito arranjadas e bem iluminadas levaram-nos até uma praça central repleta de gente a apoiar. Falava da personalidade de São Mamede, e também passa muito por este orgulho visível que as pessoas têm em mostrar a sua terra. Em todo o lado foi assim!



Cheguei aos 17km em muito boas condições e agradado com o ritmo médio que levava até aqui. Nunca tinha levado esta informação no relógio, mas experimentei depois de ler o post do Paulo Pires e confesso que achei motivador. No entanto, estes tinham sido os quilómetros de aquecimento, íamos finalmente entrar no Pente de São Mamede, nome pelo qual é conhecido este bonito perfil de altimetria:

Lindo.
Os 13km seguintes seriam quase sempre a subir, até ao topo da Serra de São Mamede, nos 1025 metros de cota. A subida não foi tão agressiva como seria de pensar ao olhar para o perfil, mas apanhámos alguns troços bastante agressivos, no que julgo ser uma pista de downhill. No UTSM as subidas nunca são longas de mais, e quase sempre são intercaladas com troços bons para correr.

Sentia-me bem a subir e os músculos pareciam frescos. Abrandei algumas vezes quando começava a ficar entusiasmado, à cabeça vinham-me os primeiros 30km do MIUT que praticamente acabaram comigo. Nos troços mais inclinados aplicava o conselho do Luís Mota e seguia com passos muito curtos, sem nunca parar. Parti para esta prova com a mesma estratégia de todas as ultras que faço: tentar controlar ao máximo e gerir o esforço para sofrer o menos possível. Mas secretamente tinha outro objectivo, queria chegar ao fim sem entrar em modo Walking Dead. 

Quase a chegar ao topo o vento era inacreditável. A noite era de lua nova, muito escura. A luz das estrelas, apesar de quase rivalizar com a dos nossos frontais, não era o suficiente para fazer perceber se estávamos ou não no meio de floresta, mas isso era logo perceptível quando apanhávamos rajadas de vento que nos faziam andar de lado. Houve alturas que tive dificuldades em bastonar porque o vento empurrava os bastões! 

A chegada ao topo, nos 30km, foi às 4 da manhã. Tenho muita pena de ter feito esta parte do percurso de noite, mas se calhar teria mais pena de fazer esta subida com 80km nas pernas :)


Como previsível, ali tão alto a temperatura baixou muito. Ouvi dizer que andou entre os 4 e 5ºC e sentia-se bem na pele. Quis demorar-me o menos possível no abastecimento, com medo de arrefecer, e trinquei qualquer coisa rapidamente antes de atacar a descida. Quando saí senti as mãos geladas e um certo desconforto, mas adiei a decisão de vestir mais roupa por uns minutos, tinha quase a certeza que a descida não seria violenta e conseguiria aquecer. Foi a decisão certa.

Um pequeno aparte: gostaria de reforçar, meus caros leitores, que nesta parte do texto me estou a queixar de temperaturas BAIXAS. Era só isso, vamos continuar.

Seguia-se um troço de 9km quase sempre a descer até ao próximo abastecimento. Como tinha pensado, não foi muito difícil. Maioritariamente estradões com muita pedra e trilhos largos, pelo menos nos primeiros 7km, até entrarmos numa descida muito acentuada e bastante técnica.

No inicio da semana anterior à prova torci o pé no trabalho. Daquelas torções feias que até fazem TREC! Como foi logo na segunda feira, não corri mais até ao dia da corrida. Muito gelo e voltaren depois, cheguei a sexta feira sem dores. No entanto, há alguns quilómetros que sentia uma pequena impressão que apesar de não me doer deixava-me com pouca segurança e fui sempre a defender-me. Foi nesta descida mais difícil que me desconcentrei momentaneamente e TAU, mama lá com um pé torcido! Cinco asneiras, três uffffffs e 200 metros a usar os bastões como moletas a dor lá foi atenuando e quando aqueceu já conseguia correr novamente. Tinha consciência que o mal estava feito e fiquei ainda com menos segurança, mas decidi continuar com reforçada concentração.

Ouch!
Cheguei ao abastecimento de São Julião, aos 39km, com bastante fome. Felizmente este era dos abastecimento mais bem apetrechados e comi umas bifanas, a juntar à habitual banana e alguns salgados. Uma voluntária ainda me deu um pouco de pomada anti-inflamatória que espalhei no tornozelo e no pé. Estava fino e pronto para enfrentar o petisco seguinte.

Eram cinco da manhã e estava prestes a entrar naquela que para mim é a parte mais terrível de uma ultra - o nascer do dia. Nas outras duas experiências que tive as horas que se seguiram ao nascer do sol foram devastadoras e quase ditaram a minha derrota. Desta vez ia apanhar o clarear a meio da subida de 550 metros verticais que em 5km nos levariam de volta aos 1000 metros de altitude. Bebi um grande copo de café quente no abastecimento e ataquei a subida com confiança. 

Esta terá sido das mais complicadas do percurso, mas nada de transcendente. Subíamos na face oeste da montanha e por isso ainda sem conseguir ver os primeiros raios de luz. Assim que a dobramos começa um dos espectáculos mais brutais que já tive oportunidade de assistir. 

A Serra de São Mamede é uma espécie de oásis no meio da planície alentejana. No topo, num dia de céu limpo como aquele que apanhámos, o horizonte prolonga-se por quilómetros e quilómetros de terreno plano. Lá bem ao fundo via-se o céu vermelho e uma pontinha do sol que haveria de nascer dali a pouco. Do outro lado, o da serra, o sol rasteiro iluminava algumas montanhas cobertas de verde, o que provocava um contraste fabuloso entre montanhas escuras e outras verdes já "acesas". Foi por acaso que cheguei àquele ponto àquela hora, mas se soubesse o que ia apanhar tinha andado stressado os primeiros 40km para não perder aquele espectáculo. O terreno ajudava, ligeiramente a descer por trilhos e estradões fáceis de correr. Saquei da Go Pro e tirei as únicas imagens de toda a corrida.



Por volta do quilómetro 45, pouco antes do quinto abastecimento, começamos a ver lá ao fundo o Castelo de Marvão. Era lá o sexto abastecimento (60km) e simultâneamente a partida para o Trail Longo de São Mamede, onde estavam alguns amigos. No inicio da corrida defini o objectivo de chegar lá antes das 9 para os cumprimentar. Naquela altura ia bem dentro do objectivo e com o castelo à vista cheguei a pensar que estava garantido, mas, perguntem aos Mouros, conquistar um castelo nunca foi nem nunca será fácil!

Marvão. Reparem na planície que vos falava.
Chegado ao quinto abastecimento estava novamente com fome e o efeito nascer do sol já tinha passado. Comi uma bifana quentinha e bastante saborosa antes de atacar a tortuosa jornada da conquista de Marvão, mas sentia o sono a atacar e o corpo a querer desligar. Já tinha passado por isto e de repente voltaram os receios de uma morte anunciada. Depois da Madeira investiguei um pouco sobre isso e cheguei à conclusão que há mais gente a passar pelo mesmo, e foi-me aconselhado um produto da Gold Nutrition. Uma espécie de shot altamente concentrado de cafeína. Um Red Bull aditivado. Um actimel do inferno!

BOOM!!!!
Eu sei que isto é muito um bloqueio psicológico, mas a verdade é que não voltei a sentir sono o resto da corrida! Animado pelo renascer ainda antes de morrer, passei pela minha melhor fase nesta altura, que coincidiu com a conquista de Marvão. A temperatura estava agora perfeita, os estradões deram lugar a muitos trilhos e corríamos várias vezes ao lado de ribeiros. O castelo estava cada vez mais perto. Estava agora a cerca de 2km, mas cá em baixo, na base do monte. Faltava apenas subir uns 200 metros verticais e estava lá! O caminho entrou numa estrada de seixo antiga. A subir, subir, subir...


Andámos nesta "estrada" uns bons 2km, quando comecei a ouvir o speaker. Eram 8:20 e estava bem dentro do objectivo! Já conseguia cheirar a comida do abastecimento e quase que toquei na muralha!

Sucesso!! 

Mas...

Hãn? Estas fitas estão mal não estão? Isto deve ser do Trail Longo!

Não estão? Então mas..aquilo é um trilho a descer!

Pois é. Eu disse-vos que a conquista de um castelo nunca era fácil, e isto estava a ser fácil de mais. A 100 metros da muralha, o trilho manda-nos de volta para baixo, numa descida interminável em pedra. 

Antes de voltar a subir ainda tive tempo de torcer novamente o pé e passar por aquelas dores horríveis! Mais uma vez num momento de desconcentração, alguém ia a passar por mim e eu quis facilitar saindo do trilho. Irritei-me comigo mesmo e chamei nomes muito pouco fofinhos ao tornozelo, ao castelo e à porcaria da pedra que se meteu debaixo do pé. Bah, bora mas é subir esta porcaria!

Ataque final ao Castelo. Não sou eu mas não faz mal.
Ainda irritado com o tornozelo, fiz os duros 500 metros finais com raiva. Entrámos pela porta da traição e estávamos dentro do Castelo de Marvão. Eram 8h40, objectivo cumprido!

A Sofia Roquete (2ª classificada) a entrar pela porta da traição.
Fui directo para o abastecimento onde estava a troca de roupa. Tirei a camisola e vesti a t-shirt que levaria até ao final. Também aqui funcionou tudo na perfeição em termos organizativos. De seguida fui comer uma sopa de legumes muito boa e ainda tive tempo de besuntar o tornozelo com Voltaren que me deram. Enchi a mochila com 2 litros de água e isotónico, que já estava na reserva. Quando acabei todo este processo passavam 1 ou 2 minutos das 9 e não tinha visto ninguém do Trail Longo. Fiquei com pena, mas paciência. Fiz-me ao caminho.

Já me tinham avisado para a descida de Marvão, que não era pêra doce. De facto era bastante inclinada e com muita pedra, mas o que me chateava mais era ter zero confiança no meu pé esquerdo. Fi-la sempre muito concentrado e em muitas zonas com a ajuda dos bastões. Já não me doía novamente, mas sei que um movimento em falso podia originar nova torção.Foram 3km sempre sozinho e a bom ritmo.

Conformado que tinha perdido a partida do trail longo foi completamente inesperado quando passa por mim a voar o primeiro classificado, que ia com 2km! Logo a seguir vem o Luís Mota, um dos atletas portugueses que mais admiro (não apenas do trail) e que viria a ganhar a prova dos 42km. Nunca tinha ficado tão contente por ser ultrapassado! De seguida vieram todas as caras conhecidas que eu queria ter visto antes da partida. Todos, conhecidos ou não, viam o dorsal laranja e davam uma palavra de incentivo! Foi muito engraçado ver este espírito de respeito que os atletas dos 42 tinham pelos dos 100 e deu-me muita força e animo.

Um momento tantas vezes repetido...
Foi com esta boleia que fiz os 10km que nos separavam do 7º abastecimento, aos 70km, que estava situado em Carreiras. Já eram 10 da manhã e o calor começava a apertar, por isso ainda soube melhor aquele km a descer, num trilho que serpenteava entre árvores que ofereciam uma sombra bem fresca, mesmo antes de chegar ao abastecimento. No fim da descida, a poucos metros do abastecimento, tive um momento um pouco aflitivo quando vi um amigo deitado no chão desidratado, exausto, quase inanimado. Não vou dizer quem era, penso que nos próximos dias será ele próprio a contar, mas foi um grande susto e não saí de lá até ter a certeza que ajuda vinha a caminho. O momento assustou-me e confesso que baixou-me um bocado o ânimo... Mas ele já está bem, é o que interessa.

Cheguei ao abastecimento novamente com fome, mas neste já não havia "comida a sério". Comi uns biscoitos e banana à pressa, era o primeiro abastecimento dos 42km e a afluência era mais que muita. Não me senti muito confortável neste abastecimento, confesso... Uns metros à frente haviam uns balneários públicos, aproveitei para encharcar o buff, molhar braços e reforçar a dose de vaselina que tinha nas coxas (gastei um boião só nesta prova). Muito raramente fico assado, mas nesta prova acabei quase em carne viva! Provavelmente por causa do tempo quente e seco, suponho.

Vaselina.
PS - Já devem ter reparado que estou com alguma dificuldade em arranjar fotos para ilustrar este artigo eheh
Foi nos 7km até Castelo de Vide, onde estava o próximo abastecimento, que começaram as grandes dificuldades da prova. À medida que o dia avançava o calor apertava mais e mais. Ao meio dia já passava dos 30 graus e começou a ter um efeito devastador, tanto em mim como em toda a gente que ainda estava em prova. O ar era extremamente seco e quente, misturado com o pó que andava no ar provocava uma sensação de secura permanente. Bebi litros e litros de água, isotónico e água com eletrólitos, mas a sede estava sempre lá! Uma sensação muito desconfortável a que não estava habituado.

A chegada ao abastecimento de Castelo de Vide foi muito sofrida, passei provavelmente pela minha pior fase nestes quilómetros.

Castelo de Vide. Não chegámos a conquistar o castelo, a vista do abastecimento era +/- esta
Assim que cheguei ao abastecimento enchi novamente os 2 litros de líquidos que a minha mala carrega e depois quis comer, o que já não acontecia desde Marvão, 3 horas antes. Nas mesas do abastecimento voltava a não haver comida a sério, como sopa, bifanas ou carne... Informaram-me que apenas no próximo abastecimento, dali a 13km, a encontraria.

Infelizmente aqui vou apontar aquela que para mim foi a única falha em toda a organização. Do quilómetro 60 aos 90 andei a batata frita e banana e fez-me muita falta comida a sério. Reparem que os PACs 4, 5 e 6 tinham comida quente, depois deixaram de ter a seguir a Marvão. Percebo que eram coincidentes com os dois primeiros da prova de 42km, e que para essa prova não fazia sentido terem mais comida, mas para o pessoal dos 100 fez falta. Eu sei que os puristas que estão a ler isto vão dizer que devemos ser auto-suficientes e que eu sou um menino. Enfim, se for só eu a queixar-me sou eu que estou mal, se mais gente achou o mesmo tenho a certeza que para o ano vai ser diferente, tudo o resto foi perfeitamente impecável.

Saí do abastecimento um bocado irritado e comi um gel e uma barra que levava comigo. A birra passou-me pouco depois. Encontrei companhia que me acompanhou em 2 ou 3km muito corriveis e fizemo-los a bom ritmo. A verdade é que já estávamos com 80 e tal quilómetros nas pernas e estávamos a correr perto dos 6min/km. A prova estava a correr bem, o pior já tinha passado e agora era gerir até ao fim. Esta constatação devolveu-me o ânimo.

Alguns quilómetros antes do abastecimento passámos por uma fonte de água de água potável. Praticamente tomei banho nessa fonte. Meti a cabeça debaixo da água fresca durante algum tempo, encharquei o buff, molhar braços, pernas, peito... Era quase uma da tarde, o calor estava a ficar insuportável. Este foi um ritual que passei a repetir em todas as fontes e ribeiros que passava. 

Cheguei finalmente ao PAC 9, no Convento da Proença aos 90km.

Sim, havia uma piscina no abastecimento.
Não, não tomei lá banho.
Sim, devia ter tomado.
:/
Esfomeado, fui a correr buscar 3 ou 4 fatias de pizza que enfardei sentado à sombra. Deve ter sido das vezes que a comida me soube melhor e imagino a minha figurinha a comer. Devo ter bebido um litro de água para empurrar a massa que entretanto tinha empapado na boca. Enchi novamente os depósitos de líquidos e perguntei o menu seguinte a uma voluntária. 6km até ao próximo mais 6km até à meta. Fácil? Nesta altura se me dissessem que a meta estava a 1km mesmo assim tinha feito um esgar de sofrimento!

Os primeiros 6km eram bastante corriveis, mas nesta altura já tinha muitas dificuldades em correr, principalmente por sentir as articulações dos joelhos e pés doridas. Mas o pior era mesmo o calor. A sensação de secura piorava cada vez mais e já não conseguia beber a água com eletrólitos, que quente sabia quase a gasolina e provocava-me azia. Sentia a barriga inchada de tanta água e mesmo assim não passava a sede. Os pulmões também estavam a ceder, comecei a tossir e ficava com um sabor metálico a sangue na boca, o ar muito quente e seco, misturado com os kilos de pó que já tinha inalado não podiam estar a fazer bem... Nesta altura cheguei a parar num ribeiro que não era mais que uma poça de água e encharquei o buff numa água que já não era muito recomendável!

Um quilómetro antes do abastecimento, numa pequena descida, voltei a torcer o pé quando ultrapassava uma atleta dos 42km. Que estúpido! Fiquei super irritado e apeteceu-me mandar pontapés nas árvores! A coitada da atleta que tinha ultrapassado ficou super preocupada e perguntava-me se eu precisava de alguma coisa, mas só me apetecia dizer asneiras. Bah, faltam 7km, agora nem que seja ao pé cochinho! 

Depois do abastecimento, na Penha de Portalegre, faltavam 6km de alcatrão até à pista do estádio. Aproveitei o abastecimento mais uma vez para encher a barriga de água fresquinha e voltei a tomar banho numa torneira que lá estava. 

Esta já ninguém ma tirava, mas ainda faltava penar um bocado.

À saída da Penha, lá estavam elas, as famosas escadas do UTSM!

Ah.... o MIUT... :')
Confesso que os 269 degraus a descer não me custaram nada e fi-los em passo de corrida. Mandei uma mensagem à Sara a dizer que faltavam 6km e fiz-me à estrada. 

Uma dica para os serviços secretos americanos: essa cena do water boarding é para meninos, tortura a sério é meterem um gajo que já vai com 90km nas pernas, com 35ºC, a correr no alcatrão! C'um caraças! Os meus pés assaram completamente e fizeram duas bolhas gigantes nas palmas. 

Ora a correr, ora a andar, lá me arrastei pelos 6km a um ritmo estonteante de 7 e tal ao quilómetro. O cronómetro indicava uns 20 minutos antes das 16 horas quando entrei no estádio, o que excedeu muito as minhas expectativas (estava a apontar para as 17/18 horas) e me colocou confortavelmente num quase inédito lugar do segundo quarto da tabela (147 em 500 e tal que começaram).

Gostei da prova. Gostei muito da dedicação de todos os envolvidos, do entusiasmo das centenas de pessoas que encontrei no percurso e do perfeccionismo das marcações. Mas principalmente senti o amor que foi empregue na organização desta mítica corrida de 100km, que já vai na quarta edição e que esgota num par de dias. O Alentejo já trouxe muitas coisas boas à minha vida, e esta foi mais uma.

Este relato deve ser dos menos dramáticos que já escrevi, porque sinceramente a prova correu-me muito bem. Mas por incrível que pareça foi das provas que me emocionei mais na chegada. Desde que na entrada do estádio li uma inscrição no chão a dizer "já está, és finisher!" (ou qualquer coisa parecida) até cruzar a meta 400 metros depois foi um turbilhão de emoções. Percorri a pista com um sorriso estampado enquanto acenava à Sara e à Mel que esperavam por mim na meta. Mas o melhor foi mesmo no fim. 

Penso que neste aspecto a organização foi um pouco injusta com o Ricardo Silva e a Ana Rocha, vencedores dos 100km, porque a minha chegada à meta foi MUITO melhor que a deles e fui 147º!!

Ora vejam lá:




:D

20 comentários:

  1. Adorei!!!!! :D
    Especialmente o conjunto de 4 fotos.... (desde ontem que o número 4 anda na minha cabeça.. não sei porquê!! VIva ao BENFICA!!!!!.... claro o UTSM....) :)

    Tu és um super homem!!! Incrível aquilo que já fizeste em apenas 5 meses!!!! E atenção que estou apenas a contabilizar desde o inicio de 2015... Fantástico!!
    Parabéns por mais uma excelente prova!!! :D

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  2. Filipe,
    Depois de ler a tua cronica um sentimento invade-me... Inveja (da boa, mas inveja)!!!
    Fui dos primeiros a inscrever-me mas a CIMLT resolveu marcar a Corrida da Familia para dia 15 e o trabalho manda mais que o lazer, pelo que tive de abdicar... Depois voltei a conseguir inscrever-me mas um erro de servidor não me atribuiu ref MB e lá se foi...
    Se calhar não era para ir...
    Vou para o.ano! Grande prova! Parabéns

    P.s. em Janeiro passado, no Trail vicentino, num dia lindo de sol, dava para ver a serra da estrela lá DW cima!

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  3. Parabéns!

    100 kms... ufa! Deve ser cá um desafio!

    Gostei do "Actimel do Inferno", genial! LOL

    Abraço

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  4. Para o ano, lá estarei (se me conseguir inscrever a tempo! haha).
    Parece-me que é uma boa prova para se fazer os primeiros 3 digitos. Mas, vai dai, posso estar enganado. :)
    Quanto à tua prova, dizer o que quer que seja é repetir-me, por isso, não digo nada.
    Trata mas é desse tornozelo que deve estar bonito, deve. Numa das provas do TCC, ao fim de 2kms, também torci o tornozelo. Fui o resto do caminho com medo de aquilo dar de si, porque, de x em x kms, lá estava uma desgraçada de uma pedra ou de um sulco no chão a fazer com que o voltasse a torcer.

    Para além de outras coisas, quero muito ter um filho para me esperar nas metas! :D :D

    Grande abraço!

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  5. Grande Filipe!
    Parabéns! E já vão 3 acima de 100!!!! Ninguém te pára!

    Não te conseguimos ver,devíamos ir pouco atrás de ti após Marvão pois também vimos esse atleta deitado no chão, estava na altura a chegar a ambulância para o levar. Ainda bem que ficou tudo bem.

    A Serra de São Mamede tem uma vista das planícies verdadeiramente única e o calor...é o segundo ano que vamos aos 42 e apanhámos um calor abrasador!
    Mas conseguiste aguentar tudo isso e venceste mais uma batalha!

    Para o ano, se tudo correr bem, estarei lá mas para os 100 :)

    Beijinhos grande campeão!

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  6. Mais um relato espectacular de mais um espectacular feito teu!

    Mas assustaste-me... o teu tempo não aparecia no PAC8 e 9, parecendo assim que tinhas ficado ao km 76. De repente apareceu no PAC10 e depois lá te vi chegar. Que alívio! :)

    Muitos parabéns! E que prenda à chegada!!!! :)

    Um grande abraço

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  7. Ó Filipe, só para dizer que eu ainda volto aqui para ler isto com calma que a coisa merece, ok? O tempo anda escasso.... não fujas :) :)
    Abraço

    P.S. Já me passou a azia da UTSM, pelo que agora já consigo olhar para relatos e fotos sobre a coisa sem que me espume todo e parta tudo à minha volta :)

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    1. Obrigado Filipe, a sério ... deste-me um cheirinho do que perdi :) ... muitos parabéns por mais uma excelente prova e mais um texto magnifico. A parte que mais gostei? A tua chegada... :)
      Abraço

      P.S. estou na Suiça, a jantar num restaurante e a suar dos olhos por causa da tua chegada ... o que vale é que e menina que está a servir mesa deve pensar que é do bagaço que bebi como digestivo :)

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  8. Parabéns, Filipe! Estás imparável! Acho que é por gostares tanto do "troféu" que está sempre à tua espera na Meta. Compreensível. :) Muito boa essa sequência de fotos final.
    Quanto ao calor, estou solidária! E com 100km nas pernas, nem quero imaginar.
    Beijinhos, boa recuperação!

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  9. Opah!

    Limito-me a dizer que o teu prémio de finisher é mesmo melhor que o dos primeiros á geral!

    De resto...genial!

    As melhoras.

    Abraço

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  10. Mais um relato gigante. Tens consciência que o pessoal tem que ler isto por fases certo? O que vale é gostamos de ler o que tu escreves :p

    Parabéns por mais um ultra! Mas realmente não houve nada de dramático, é pena assim o post tinha mais emoção :/ ehehe estou a gozar, ainda bem que correr tudo bem!

    Um dia ainda tenho de experimentar esse actimel do inferno, já o vi várias vezes à venda.

    Um abraço!

    PS: As fotos com a tua filha são sempre um mimo :)

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  11. Parabéns Campeão! Estás imparável!! Um abraço

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  12. Tratando-se de um segundo-metadista a terminar a prova quase no primeiro quarto do pelotão, é normal que a chegada à meta tenha sido preparada com toda a atenção.
    Mais uma grande prova e um relato a condizer.
    Parabéns!

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  13. Ultra parabéns! O calor alentejano fez grande mossa, foi mais um obstáculo nesta ultra aventura! Um abraço e boa recuperação!

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  14. Ler os teus posts é sempre uma aventura... pois... porque será?? Exato, porque és a própria aventura! Parabéns pela excelente prova, pela magnifica receção na meta e pela excelente resenha . És uma referência! Beijinhos

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  15. Adorei todo o relato da prova,tão bem escrito que vivi todo o percurso! Parabéns pela conquista!

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  16. Porra Filipe!!! Que máquina!!! E que texto!!! Mais um...
    Se continuares a relatar assim todas as ultras que fazes, no próximo ano a minha mulher põe-me as malas na rua quando descobrir que vou querer fazer os Abutres, Sicó, MIUT, UTSM, etc... LOL :)
    E aquele prémio de Finisher na linha da meta... ufff... priceless!

    Abraço e parabéns por mais uma ;)

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  17. Boas!
    Desde já os meus parabéns!
    Mesmo que quisesse não poderia de deixar de comentar...
    Simplesmente perfeito!
    Cada linha descreve à letra o sucedido. Devo de ter ido à tua frente com uma diferença de 30 a 45 minutos e passei por tudo isto! desde o pó :-), o amanhecer deslumbrante, abastecimentos, incluindo as belas das bifanas, o calor... que mais parecia que alguém se tinha esquecido de uma torradeira ligada até à chegada apoteótica que por momentos parecia que tinha chegado em 1º héhé!
    Obrigado pelo excelente comentário que me fez recordar na integra essa bela aventura!
    Boa recuperação e bons empenos ;-)

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  18. Parabéns Filipe!
    Mais um relato excelente que nos leva para os trilhos. A mim de volta para o TLSM. Vem que eu vi uma camisola do MIUT por lá... ;)
    Foi a primeira vez que fiz os 42km e, depois de ler crónicas do pessoal que fez os 100 fica o bichinho de os fazer também.
    Aliás, parece-me que as organizações das provas te deviam patrocinar a inscrição. Pelos comentários bem se vê que motivas muito pessoal a participar também ;)

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  19. Foi o melhor prémio de Finisher que podias ter desejado! Muitos parabéns Filipe

    As melhoras para essa entorse!

    Abraço

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