As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Zela Sky Marathon (45km) - À mau

De acordo com o meu método rudimentar e autodidata de planear o treino, a semana que passou foi o culminar do período de carga para a preparação do MIUT e entrei nas 3 semanas de alívio. Nos últimos dois anos aproveitei os 50km da Ultra do Piodão como ultimo grande aperto, uma prova rolante, pouco técnica mas com muito desnível. Este ano decidi arriscar num tipo de corrida que me atrai cada vez mais, o Sky Running. A prova foi o Zela Ultra Marathon (ZUM), na distancia de 40km e uns anunciados 2600 metros de desnível positivo. Números impressionantes, típicos do Sky Running, numa ambiciosa primeira edição da prova de Vouzela.

Fui acompanhando ao longo dos meses a preparação do percurso através de conversas com o meu amigo da organização Hugo Costa, que, de maneira a tentar explicar-me o que tinha pela frente, definiu a prova como uma mistura de Serra D'Arga e Abutres. Ou seja, a aliar ao muito desnível teríamos pela frente um percurso com partes bastante técnicas. Bonito! Comecei a pensar que tinha arranjado maneira de apanhar amasso tal que não teria tempo de recuperar para a Madeira. Bom, nada a fazer, siga para os 250km de carro até Vouzela!

Como todos sabem, as ultimas semanas, particularmente a ultima, foram de muita chuva em todo o país. Estava previsto atravessarmos vários ribeiros que nos últimos dias aumentaram consideravelmente de caudal, impossibilitando os atravessamentos. A organização teve então que fazer algumas alterações que, segundo os mesmos, originariam "pequenos bónus de altimetria e desnível". Compreensível. Melhor do que ninguém, eles saberão o que poria em risco a segurança dos atletas. Sky Running ou não, essa deve ser a primeira prioridade. O problema, talvez o único que tenho a apontar, é que esses pequenos bónus nunca foram quantificados. Ou seja, ninguém sabia à partida quantos quilómetros ou desnível iria fazer.

Esquerda para a direita: Pedro, Vasco, eu, Rodrigo e Mota.
O dia anunciava-se molhado e foi debaixo de chuva que saí da Pousada da Juventude de São Pedro do Sul com o Rodrigo e o Mota, para nos juntarmos ao resto da comitiva da Parreira que tinha ficado em Vouzela. A partida, marcada para as 8:30, não aconteceu sem antes dos cerca de 100 participantes serem sujeitos a um diligente controlo de material obrigatório. Já tinha ouvido dizer que a Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, entidade que organiza o campeonato nacional de SkyRunning, é bastante rigorosa neste aspecto. Percebi durante o dia que são bastante mais exigentes do que imaginava! Lá chegaremos.

Partida dada à hora certa e o pelotão não precisou de mais do que os primeiros 2km à saída de Vouzela para dispersar. Também não demorou muito até entrarmos no tipo de terreno que nos acompanharia em praticamente todo o percurso. Encostas muito íngremes de terra completamente preta, coberta de cinza, cravejadas de maciços graníticos, como pontos cinzentos a sair de uma massa escura. Por todo o lado paus verticais, cinzentos, secos, mortos, cravados no chão. Um cemitério de árvores carbonizadas que cediam ao mais ligeiro encosto. A água continuava a correr no fundo dos vales, numa tentativa desesperada de voltar a dar vida àquele inferno. Os incêndios do ano passado foram catastróficos e passados tantos meses ainda é impossível passar em sítios destes sem ficar esmagado.

Fotografia brutal do João Marques. Um exemplo perfeito do que é uma subida do ZUM
O percurso, tal como prometido, rapidamente se mostrou muito complicado. Como conseguem ver na fotografia, era difícil sequer pisar chão, tal a quantidade de pedras. Todas as subidas e descidas eram feitas numa espécie de escalada por entre o granito. Confesso que é o meu tipo de rocha preferida. Mesmo molhada agarra como se fosse lixa, só é perigoso se estiver com terra por cima. 

Tinha até ontem alguma dificuldade em explicar a alguém o conceito de Sky Running, mas o meu amigo Rui Nascimento, que participou na distancia maior (62km), não podia ter sido mais claro: se tens um monte de calhaus a separar-te do topo de um monte tens duas hipóteses: se estiveres numa prova de trail contorna-los por um estradão ou um trilho, se a prova for de Sky vais direito a eles e passas por cima, pela distancia mais curta até ao cume. Isto é das coisas que mais gosto no Sky, é tudo feito "à mau", uma grande parte das vezes nem sequer há trilho. As próprias marcações ajudavam a isso, distanciadas quanto-baste, quase a convidar a fazermos a nossa própria trajectória, o que nem era difícil já que não havia nenhuma vegetação, só terra preta e granito. Falando em marcações, não posso deixar de dizer que ouvi algumas pessoas a queixarem-se. Sinceramente, nunca me perdi ou tive dúvidas, mas admito que em certas alturas o tal distanciamento e inexistência de trilhos possa ter originado alguns problemas. 


Outra do João. Quase que dá para cheirar a cinza. Reparem que não há trilho
Os primeiros 15km do percursos foram os mais técnicos, com subidas e descidas constantes no meio das pedras. No entanto, as secções tinham comprimento suficiente para não ser o parte-pernas puro, o que me agradou bastante. Fizemos vários quilómetros ao longo do leito de ribeiros no fundo de vales, a fazer lembrar os tais Abutres, subimos por caminhos romanos graníticos, tal como em Arga. Havia água por todo o lado, dentro e fora dos ribeiros. Muita lama e descidas escorregadias. À medida que nos aproximávamos da Serra do Caramulo as encostas ficavam mais expostas e as subidas mais trabalhosas, mesmo como eu gosto. 


Estava a divertir-me muito e, melhor de tudo, sentia-me fresco e cheio de força. Deserto para chegar aos 20km para atacar a maior subida do percurso, com cerca de 600+. Essa chegou depois do segundo abastecimento e foi ainda melhor do que esperava. O Hugo há algum tempo me dizia que eu ia gostar desta subida, que tinha lido os meus relatos e sabia que era do meu agrado. Não se enganou minimamente! Muito variada, nada monótona, todo o tipo de pisos e inclinações, a acabar com uma escalada no meio de gigantes de granito num pico com uma grande proeminência! Ganhei vida nesta subida! Assim que pisei plano desatei a correr como se nada fosse. Aliás, como se não levássemos já 2100+ em apenas 27km! 

Início da subida, numa das raras zonas verdes do percurso
Lá em cima estava o terceiro e muito completo abastecimento. Comi presunto acabadinho de fatiar, uns copos de isotónico e arranquei a comer uma bifana muito boa. Não reparei na canja, que também havia, se não também tinha marchado. À porta do abastecimento estava um segundo controlo de material, desta vez pediram o frontal e apito. Todos paravam e quem estava em falta foi penalizado com tempo!

Ei, não se pode ficar sempre bem nas fotografias...
Os restantes 18km da prova foram um pouco diferentes do que tínhamos encontrado até então. A primeira grande descida, depois de conquistado o ponto mais alto, foi excelente e permitiu rolar a velocidades muito interessantes, sempre no meio de encostas graníticas. Depois mais um pico conquistado e começou a fase mais rolante da prova, quando já íamos com 2500D+ e as pernas começavam a pedir algum descanso. Isto para mim é o ideal, apanhar porrada no início e depois embalar para a meta. Ainda tivemos tempo de ir buscar mais 250+ antes de voltar a entrar em Vouzela com 2750+. A distancia? Bem, aos 40km somámos cerca de 5, perfazendo 45km. Mais de 10% além do anunciado. 

Na chegada.
Adorei a prova. Cada vez gosto mais deste género de percurso. Chamem-lhe Sky Running ou lá o que quiserem, mas gosto. Gosto de provas mais "caseirinhas", nota-se o empenho de todos e o gosto em deixar uma boa impressão em cada um dos atletas. Bons e bem distribuídos abastecimentos, bons trilhos (ou, melhor ainda, falta deles) e critério na escolha do percurso. No fim, algo inédito: toda a gente no balneário se estava a queixar da água! Não, não estava fria, estava quente de mais! O ZUM está de parabéns. Como já disse lá atrás, o único problema para mim foi não terem dito logo que o percurso teria um acréscimo tão grande. Nem tanto pelos 5km, como a parte final da prova foi mais rolante nem se deu por eles, mas para que à partida se saiba o que se tem pela frente.

Quanto à minha prova, dificilmente poderia ter corrido melhor! Penso que, dentro desta distancia média, foi a melhor que alguma vez fiz. Não senti a mínima quebra e diverti-me do primeiro ao ultimo passo. Comi nas horas certas, sem problemas de estômago. Tudo parece ter corrido bem, o que resultou num boost brutal para o MIUT! Terminei os 45km com 2750D+ em 6h30, numa zona da tabela não muito habitual para mim, mas o melhor de tudo foi sentir as reservas muito longe de estarem esgotadas. Que daqui a 3 semanas os astros se voltem a alinhar desta maneira...

Agora, que comece o tapering!!




5 comentários:

  1. Este ano o MIUT vai ser brutal. Parabéns pela prova e por mais um fantástico relato, até eu fiquei com vontade de experimentar... Se o Gajo ler o teu post, já sei que ele vai inscrever se numa prova desta modalidade.
    **

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  2. Parabéns por mais uma grande aventura e por mai um grande texto!

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  3. Muitos parabéns! Fizeste uma óptima prova e a prova era óptima. Nada mais se podia pedir!

    Agora... altura para muito juízo :)

    Muita força para o MIUT. Estamos contigo!!!

    Grande abraço

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  4. Lindo! Estes números esmagam-me... 45 Km a subir e descer montanhas? É outro mundo. E os abastecimentos é outra coisa que me fascina nessas provas. Boa recuperação/abrandamento para o MIUT. Abraço!

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  5. Juízo nas próximas semanas Filipe! Um abraço

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