Para mim, foi A prova de 2018. Incluí-a na lista das 10 provas da minha vida e foi, sem dúvida, uma das melhores que já fiz até hoje. Em todos os aspectos! Este ano voltei para a dose inteira, os 48km, que incluíam uma descida e subida extra, mais 15km de Parque Nacional Peneda-Gerês (PNPG). Mas não foi essa a principal diferença para o ano passado. Essa notou-se assim que saí à porta da nossa Casa da Árvore no parque de campismo Lima Escape: o céu estava azul!
Chegámos ao Gerês logo na sexta feira, para dois dias que incluíram passeio mas, principalmente, descanso e boa vida no parque de campismo. Os miúdos adoram andar pelo monte a brincar e nós adoramos o descanso, o ar fresco, as refeições com o Vasco e a família na rua, dormir a sesta e acordar com vista para o Rio Lima no nosso bungalow. Se não conhecem, aconselho a todos irem passar uns dias ao Lima Escape, é um paraíso! Além disso, saí com o Vasco, às 7:30 da manhã do Parque para nos deslocarmos a pé para a partida, que foi às 8. Um luxo!
O céu estava limpo e ainda antes da partida tirei os manguitos que me deixaram mais confortável a sair de casa. O dia previa-se quente, com temperaturas a rondar os 30º em cotas baixas, diametralmente oposto ao temporal épico de 2018. O ano passado foi especial também por essas condições extremas, mas confesso que estava curioso para realmente ver as paisagens em vez do nevoeiro.
O perfil da Serra Amarela é perfeito. Duas subidas, duas descidas, 48km e 2800m de subida. O percurso da ultra repete na integra os 33km da prova longa, por isso já conhecia a primeira subida e ultima descida. Lembrava-me dos engarrafamentos do ano passado, muito por culpa do elevado caudal do rio Froute, por isso decidi partir a dar tudo para ficar posicionado de forma a não apanhar muita gente na entrada dos trilhos. Objectivo cumprido, não só andei sempre bem nos primeiros 5km, que sobem só ligeiramente, como a travessia do rio foi tranquila, nem deu para molhar os pés.
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Estes trilhos são nos tais 5km iniciais. Fotografia do Carlos. |
Passados estes primeiros trilhos ligeiramente inclinados, a primeira grande subida começa um bocadinho antes de chegar à Ermida e termina na Louriça, o ponto mais alto da Serra Amarela. Nada menos que 10km e quase 1300+! A subida é perfeita, muito variada, com vários locais a permitirem um trote fácil misturados com outros super inclinados e técnicos. Percorremos parte de uma Grande Rota, com caminho de calçada granítica arrumada à mão, trilhos difíceis já perto do planalto.Foi aqui que o céu limpo compensou, deu para perceber bem a imensidão do PNPG enquanto andávamos no estreito trilho que percorria a crista que nos levaria à Louriça. Do lado direito, entre as encostas agrestes cinzentas do granito, flutuava o espelho de água da Albufeira de Vilarinho das Furnas, perto dos 1000m de cota, e do lado esquerdo montanha a perder de vista, pontuada pelo azul muito escuro do Rio Lima que serpenteava pelo vale. Uma maravilha.
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Um trilho espetacular e VIlarinho das Furnas ao fundo. Eu vou lá atrás! Foto da organização. |
Há uns meses que ando a correr com uma confiança que nunca tinha tido e, mais uma vez, decidi ir com tudo nesta prova. Sentia-me super bem a subir, nesta primeira ascensão à Louriça demorei menos 20 minutos que o ano passado! Duas horas depois da partida fiz-me à descida desconhecida, que nos levaria até ao Lindoso, para voltar a subir e vir dar ao mesmo sítio. Olhando para o percurso esta parte é um pouco estranha, descemos e subimos de forma quase paralela e acabamos exactamente no mesmo sitio (daí os 33km da prova longa serem integralmente cumpridos). Pelo que me explicaram, e ouvi-o da boca do mestre Carlos Sá, o PNPG não autoriza a passagem em certos sítios da montanha, de forma a preservar a fauna e flora, o que é totalmente compreensível. Aliás, a sensação de andar em sítios virgens e inexplorados é um dos grandes atractivos desta prova.
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O planalto antes de chegar à Louriça. O muro de pedra percorria a crista. Foto do Perneta Carlos Cardoso! |
A descida acabou por não ser grande coisa em termos técnicos mas serviu muito bem outro propósito, que foi descansar as pernas para o que viria. Foram 7.5km a descer, 2 ou 3 em estradão e o resto em trilhos não muito difíceis e pouco inclinados. Demos a volta no espetacular Castelo do Lindoso, antes de apanhar uma Grande Rota e, aí sim, fazer valer a pena aqueles 15km a mais.
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O Castelo do Lindoso, onde demos a volta para subir. Foto do Carlos Cardoso |
A subida foi excelente! 7km com 800+ feios de rajada, num caminho cheio de pedra, muito trabalhoso, mesmo como eu gosto. Daqueles que exigem pensar passo a passo qual é a maneira mais económica de subir. Liguei o piloto automático e senti-me muito bem a subir, recuperando mesmo algumas posições. O sol do meio dia começava a apertar quando passámos por uma pequena fonte. Um oásis já perto do topo, onde praticamente tomei banho e aproveitei para voltar a encher os dois flasks que iam na reserva!
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Um dos trilhos por onde descemos, até ao Lindoso. Foto do Carlos Cardoso |
Quatro horas de prova, 19km para o fim. Uma descida. O ano passado estes 19km ficaram marcados como uma das coisas mais incríveis que já fiz, muito por culpa das condições climatéricas que fomos apanhando, mas este ano consegui ver a serra em toda a plenitude e foi tão bom ou melhor. Primeiro cerca de 5km no planalto, onde descíamos mais, mas também fomos apanhando pequenas subidas, todas cumpridas a trote. Corríamos em paisagens de granito, sem trilho, por cima da pedra cinzenta rugosa ou em tufos de erva, escalámos autenticamente maciços e passámos por manadas de vacas e cavalos. Descidas técnicas, difíceis, mas sempre espectaculares para correr.
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A Antena na Louriça. Foto do Perneta, pois claro. |
Desde a segunda passagem pela Louriça, antes da descida final, que estava em modo competição. Estava a sentir-me com pernas para descer e a subida tinha-me corrido na perfeição. A primeira metade da descida foi feita sempre no limite, mas já cheguei ao Germil, a 10km da meta e local do penultimo abastecimento, em défice, já não estava solto a descer. Eis senão que, chega a grande Alice Lopes lançada. Tinha andado a trocar de posição (e na conversa, já agora) com ela desde praticamente o inicio, e se a tinha deixado para trás na subida ela vinha lançadissima na descida a defender a primeira posição. Lança-me um "Bora, Filipe!" e eu, ainda a meio de um bocado de aletria, arranco atrás dela a tentar acompanhar.
Logo a seguir ao abastecimento entramos numa das partes mais rápidas da descida, em caminhos de calçada de granito e trilhos cheio de tufos de erva que escondiam pedras. Vou a dar tudo para acompanhar a Alice, mas claramente está mais forte, mesmo assim não abrando. Sei que a meio destes últimos 10km há uma pequena subida (cerca de 100+, por aí), vou conseguir descansar aí. Já vou a implorar pela subida quando entramos num bosque e finalmente começo a ver o ribeiro que havíamos de atravessar antes de subir.
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Parte final da subida, foto do Carlos. |
Ufff, subida!
O pior é quando abro as pernas para escalar as pedras no ribeiro, estas explodem numa cãimbra generalizada! Ui, como isto está! Respirei fundo e comecei a subir muito devagar, até que, como previa, consegui relaxar, ganhar fôlego e, mesmo assim, subir bem. Seguem-se mais 2km a descer a um ritmo muito alto (para mim, claro), em trilhos cheios de pedra, ligeiramente a descer. Nesta altura apanhámos mais dois companheiros dos 48km (desde a Louriça que vinha a passar pessoal dos 33) que se juntaram ao comboio e estávamos agora muito perto de começar os espetaculares 4km roubados às margens do rio Tamente. Mas ainda havia um obstáculo dificílimo para ultrapassar: um murete de pedra com 50cm de altura. Ah pois, mais cãimbras!
Deitei a toalha ao chão e deixei-os seguir, ia gerir até ao fim. Faltavam 4km, seriam feitos num trilho a direito, pouco técnico, nas margens do Tamente. Os dois primeiros quilómetros fi-los integralmente a correr, ganhando energia vital em cada travessia do rio, onde praticamente tomava banho. O trilho, ora na margem esquerda ora na direita, é todo à sombra e ao lado das águias cristlinas do rio, o que ajudava a refrescar num dia que já estava quentíssimo.
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O Tamente, numa das travessias. Fotografia da página "Sapatilhas Pensadoras" |
A dois quilómetros do fim, depois da 5ª ou 6ª travessia do Tamente, depois do 5º ou 6º refrescar na água fresca, já não consegui meter o trote no plano. Agora sim, tinha acabado. Arrastei-me até ao fim e nem consegui correr na rampa final, onde me esperavam a Sara, os miúdos e a família do Vasco!
Mesmo com este estoiro no fim, considero que fiz uma boa prova. Acabei com 6h40, na 26ª posição, em 130 que acabaram! É verdade que ultimamente tenho andado a treinar muito melhor e a correr com mais confiança, mas andar a melhorar os meus resultados só me faz dar mais valor a quem anda na frente. O Ricardo Silva fez só quase 2 horas a menos que eu! Uma palavra também para a impressionante Alice, que não deu hipótese na classificação feminina!
Quanto à prova, nem sei se devo deixar mais elogios, ainda pensam que estou a ser falso. É, para mim, uma das melhores, se não a melhor que já fiz. Percurso, localização, a animação na partida, na chegada, o Tamente, os abastecimentos, o Lindoso, o Gerês, o prémio de finalizador.. Nada, mas mesmo nada, falha aqui. Mais nada a dizer.
Restam agora duas semanas para a Freita. Se devia ter feito uma prova destas tão perto? Não me parece. Se devia ter ido para os Alpes fazer quase 90km com 6000+ uma semana antes da Serra Amarela? Também não me parece. Mas não trocava o que vivi, quer no Gerês quer nos Alpes, nem que fosse por duas horas a menos na Freita!
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Fotografia pela muito simpática Marta Lopes, da organização. |
Antes de acabar, só uma referencia a estes dois miúdos que estão na foto acima. Umas semanas antes da prova a organização anunciou que iria haver uma corrida para os miúdos. Assim que disse isso aos meus, andaram durante dias excitadíssimos, a Maria Amélia não falava de mais nada! Inscrevi-os, levantei os dorsais, e foi muito giro ver o nervosismo deles, principalmente dela. Infelizmente ainda estava em prova quando eles correram, mas acho que foi lindo. O percurso, que seria de 150m acabou por ser bem maior, uns 400m, e incluía uma subida jeitosa em trilho, a mesma que nós fizemos no fim. A Mel meteu a game face e desatou a correr por ali a fora. O Manel, de longe o mais pequeno de todos, quando viu aqueles cavalões todos a ganharem avanço ficou assustado, parou, olhou à volta e voltou para a meta a correr para a mãe ahahah acho que foi um sucesso! A Maria Amélia descreveu-me ao pormenor cada passo, cada ultrapassagem e dificuldade. Depois andou o dia todo com o dorsal e a medalha ao peito e até a levou para a escola! Pequenos pormenores desta prova, que nunca nos vamos esquecer. O primeiro trail da Mel e do Manel! :)
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Depois do levantamento do dorsal, a foto obrigatória |
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Acertar de estratégia de ultima hora. Reparem que o Manel levava o dorsal nas costas, dizia que no peito não dava jeito para correr. Eu acho que era para o estilo. |
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Linha de partida. Aqui se vê a confiança do Manel, já está à procura da mãe ehehe |
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Aí está, o primeiro isolado, com o Joca a puxar por ele! Pronto, foi só até ao fim da passadeira vermelha e voltou para trás ahaha |
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A chegada da Maria Amélia. Diz que ultrapassou uma data deles. Incluindo alguns meninos!! (palavras dela) |
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Parámos no Mac de Santarém para lanchar, ainda vinha assim. |
Antes de dar os parabéns a ti, tenho que os dar aos dois estreantes! Muito bom!
ResponderEliminarTens aí uma atleta muito competitiva :) Ele ainda é pecanito mas nota a fotografia onde parece estar a estudar o dorsal ao pormenor :)
Quanto a ti... o que dizer? És uma máquina brutal!
Grande abraço
ahah já estava a analisar o perfil! Coitado, ficou todo desgostoso porque a irmã não esperou por ele ehehe Obrigado, João!
EliminarMais um texto daqueles muito muito bons. Desta vez não posso dizer que "senti" a tua prova (só em parte) porque não me imagino a correr em alguns sítios onde passamos. Fizeste uma prova brutal, se dúvidas houvesse basta ver que acompanhaste a maquina infernal que é a Alice :) … muitos, mas muitos parabéns pela excelente prestação e por mais esta beleza de texto. As fotos desta vez foram bem empregues :)
ResponderEliminarAquele abraço
P.S. essa dos miúdos terem participado e gostado é muito bom. A minha mais velha já não quer e a mais nova ainda não consegui que participasse. Mas não desisto. Foi pena não teres visto mas haverá mais oportunidades.
P.S.2 Gostei de te rever.
Sabes que eu acho que tu se fosses com vontade de ir no limite farias tão bom ou igual ao que eu faço. Treinar bem, tens experiencia e andas muito! Mas percebo perfeitamente que não estejas para aí virado. Há diferentes maneiras de abordar a coisa, não quer dizer que sejam melhores ou piores. Quanto ao teu PS1, tenho tanto medo da adolescencia! ehehe
EliminarNão conseguia, acredita … pelas descidas. Mas é como dizes, cada um aborda a coisa como quer, dentro dos limites estabelecidos pelos regulamentos e está muito bem assim.
EliminarPois … a adolescência … a minha mais velha já lá chegou, aos 13 anos … ;)
Muito BOM!
ResponderEliminarGostei de rever a "vossa" casa na árvore e já apontei a morada!
Um ano depois continuas a não apagar as matriculas.
Gostei mesmo de ler os pormenores, perceber que não apanhaste trânsito mas o Perneta, também já é outra idade, temos que perceber, apanhou e daí as fotos.
também tive pena da aletria mas se achaste preferível ir atrás da vendedora da prova feminina tu lá sabes.
Têm sido uns km brutais, estes destes dias, pelo menos do lado de cá a acompanhar.
Gostei também de ver já o esforço e trabalho de preparação dos teus pequenotes, o meu ainda não o meti nos trails (nem eu, quanto mais ele) mas já foi várias vezes aos Pelicas e no dia a seguir a medalha, de participação..., vai sempre para a escola.
É mesmo muito giro.
Grande abraço.
só para dizer que registei a coisa do Perneta, outra idade e afins …
EliminarFizeste uma foto-reportagem fantástica, um imberbe não tem paciência pah.
Eliminar:) :) :)
Eliminarahah o que para aqui vai! Epah esqueço-me sempre disso da matricula...O sitio vale mesmo uma visita. É pena ser tão caro, fica ao nível de um hotel médio, +/-...
EliminarSó para referenciar que estás em grande destaque no Facebook da Serra Amarela SkyMarathon.
EliminarTens que começar a pensar em usar boné, por causa do sol ;)
Pois...sei do que estás a falar.... :\
EliminarBoa discrição da prova que fizeste,quase que dà para te acompanhar,( não cansa é tanto claro😁😁). Deve ser um prazer fazer uma prova destas e ao mesmo tempo desfrutar da paisagem que deve ser espetacular. Por vezes dá para distrair um bocado e esquecer o esforço e quando dás conta já estás uns metros mais a frente!!!
ResponderEliminarEstás cada vez a ficar mais profissional , até já fazes estágio nos alpes😁😁😁😁
ps: em agosto vou passar pelo Gerês, e assim fico com mais vontade de lá ir....
Isso é o melhor destas provas, o partir para a aventura. Não escondo que gosto muito da parte competitiva, mas sair para o desconhecido é espetacular. Quer dizer, mesmo a parte competitiva não é pelos lugares da frente, mas é ir dar o melhor. O Gerês é infinito, aproveita!
EliminarParabéns pelo desempenho na prova e pelo relato
ResponderEliminarUm especial “PARABÉNS” aos filhotes pela vontade mostrada em estar onde o Pai também gosta de estar. Aqui estará o futuro do nosso trail
Sei que o Pai vai transmitir os bons princípios no trail como na vida
Bem hajam
Parabéns, mais uma vez, pela tua excelente prova! O teu foco e os teus treinos dão cada vez mais resultados!
ResponderEliminarParabéns também aos mini-atletas, que ainda não sabem bem, mas um dia vão ver o exemplo de força e dedicação que tu és! Nada como educar pelo exemplo e é giro de ver o entusiasmo da Mel! :)
Agora boa recuperação e dá ao corpo o descaso que ele precisa para o que aí vem! (digo eu, que não percebo nada do assunto!)
P.S. - se quiseres mais fotos, tenho umas dezenas para a troca! É a diferença entre quem corre a sério e quem vai ver as vistas! Ahahahah :)
Obrigado, mais uma vez! Por acaso podia ter-te chateado antes de publicar, escusava de roubar todas ao Perneta ehehe Gostei de vos ver, pena ter sido tão pouco tempo! Agora vou dar uma saltada ao teu cantinho eheh
EliminarPela descrição, valeu muito a pena sobretudo pelas paisagens lindíssimas do Norte. O rio tem uma (não) cor de fazer inveja!
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