As minhas corridas na estrada

domingo, 7 de junho de 2020

Trans'Aire e Candeeiros

Não é que as provas sejam de forma alguma uma obrigação, eu gosto de fazer. Mas não é só da competição que gosto. Adoro sair à aventura, andar em lugares desconhecidos, levar o corpo ao limite, descobrir novas sensações... O melhor de tudo é que, mesmo com todas as provas canceladas, só a competição é que não está disponível, o resto está tudinho aí fora à mão de semear! A motivação e vontade de correr estão bem lá em cima, tal e qual como se houvessem provas, e a verdade é que ando cheio de planos para estes tempos. Ontem foi dia de embarcar numa dessas aventuras: O Trans'Aire e Candeeiros!


Depois de anos a sonhar com este proje..... ok, esqueçam, no domingo passado pensei que podia ser engraçado atravessar o Parque Natural das Serras d'Aire e Candeeiros, que se situa aqui bem perto de casa. Conhecia algumas parte do parque, mas outras eram completamente desconhecidas. Peguei no telemóvel, fiz um print-screen ao google maps, uns rabiscos e... voilá! 

Está feito o track!
O primeiro e mais importante passo estava tomado, decidir que ia fazer isso. Agora "" tinha que arranjar um percurso que cumprisse o que queria. Falei com o Pedro Ribeiro, que é de Rio Maior, com o Guilherme Lourenço, que é da zona das Alcobertas, com o Aníbal Godinho, que é da zona de Torres Novas e, muito importante, com o João Tomás, que é de Porto de Mós. Reuni uma série de tracks de treinos e provas, uns deles, outros meus, e com a ajuda do João, que aceitou não só ajudar-me a desenhar o percurso mas também a acompanhar-me na aventura (acho que não demorou 15 segundos a pensar), traçamos o nosso Trans'Aire e Candeeiros!

Não ficou muito diferente!
Tracks no relógio e, no sábado às 8 da manhã, lá estávamos no Alto da Serra, ao pé de Rio Maior, prontos a embarcar na aventura. Esperavam-nos cerca de 65km num percurso que obedecia a um principio: não nos interessava andar a subir e descer só porque sim, o objectivo principal era atravessar o parque e ir aos principais picos, pelo que tentaríamos sempre manter-nos na encumeada. Claro que fizemos tudo para fugir dos estradões e andar em trilhos.

PNSAC - Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros
A primeira parte do percurso, que atravessa o parque eólico da serra, era a que conheciamos pior e foi onde fizemos o maior compromisso. É uma zona de muitas pedreiras e com poucos trilhos (pelo menos que nós saibamos) a atravessar longitudinalmente, então decidimos seguir num estradão que percorre a encumeada toda. O percurso total de 65km teve, talvez, 20km de estradão, praticamente todos concentrados nos primeiros 25km. Foi um mal necessário, já que queríamos começar em Rio Maior, mas até nem foi assim tão mau. O estradão andou sempre lá em cima e as vistas eram muito boas. Serviu como um bom aquecimento. Nesta altura já dava para ver a omnipresente Serra d'Aire, a uns impressionantes 50km de distancia em linha recta. Parecia impossível, mas naquele dia ainda lá haveríamos de passar. 

O João a chegar a um dos marcos geodésicos. 
Os primeiros 15km foram praticamente todos cumpridos neste estradão a um bom ritmo. A chegada a Vale Ventos, onde estava a Sara e os miúdos, que andaram a acompanhar-nos durante o dia, marcou o inicio da mudança no percurso. Os seguintes 5km já foram metade trilho metade estradão, sempre na encumeada e em progressão. Lá para os 20km passámos pelo Arco da Memória e iniciámos a primeira subida a sério em trilho para, praticamente até ao fim, não abandonarmos os single tracks. 

Arco da Memória. Cliquem no link aqui em cima para saberem a história.
Estávamos a entrar na zona do João, pelo que ele criou ali um percurso de primeira qualidade. Sempre em trilhos bastante técnicos, percorremos uma crista com uma proeminência brutal, por trilhos que eu nunca imaginei que houvessem ali. Já nem me lembrava dos estradões do inicio, enquanto me tentava equilibrar, pedra ante pedra, na descida do picoto para a vila de Serro Ventoso, no fundo do vale. 
A crista que percorremos durante 6 ou 7km. Como sempre, a imagem fica MUITO aquém da realidade



A subir para a crista

Trilhos espetaculares antes de chegarmos À crista da Bezerra

Algumas zonas bastante técnicas
Depois de Serro Ventoso iniciámos a subida para mais um dos pontos altos do percurso e um verdadeiro ex-libris do Parque - a Fórnea. Quem não conhece, é obrigatória a visita. Um anfiteatro natural inacreditável na serra, que se enche de água e cascatas quando chove. É verdadeiramente impressionante estar ali, faz-nos sentir pequenos. 

A foto obrigatória na Fornea.
Lá, na Fórnea, estavam mais uma vez a Sara e os miúdos. Acordaram comigo às 6 da manhã, vestiram-se entre naturais birras e muito sono à mistura, prontos a passar um dia a andar de ponto em ponto à espera que eu passasse. Se acham que é cansativo correr 65km, imaginem o dia da Sara, mais de 8 horas sozinha com dois miudos cansados e com sono, fora de casa, de um lado para o outro!

Com os artistas.
Depois da Fórnea começamos a percorrer uma encosta lindíssima que nos levaria até Minde. Foram quase 15km num single track limpo, com muito pouco desnível, que percorria toda a encosta. Com o João quase sempre na frente, andámos a muito bom ritmo pelo trilho perfeito para correr. Ora na encosta, ora na encumeada, por entre muros de pedra calcária amontoados à mão, típicos da região. De marco em marco, lá fomos ganhando terreno até à grande descida para Minde. Sem dúvida um dos pontos altos do percurso!

Foram quase 15km desta maravilha

Chegámos a Minde, 50km certos e perto de 1500+, com pouco mais que 5h30. Mesmo com algumas paragens pelo caminho, testemunha bem o bom ritmo que estávamos a meter. Principalmente à custa do João, que se farta de correr e me rebocou montes de vezes!


Faltavam agora cerca de 15km e a maior subida de todas, que nos levaria ao topo da Serra d'Aire, onde já estive dezenas de vezes em treinos. Chegámos a Minde sem um pingo de água e com fome. A Sara tinha ficado a orientar as tropas num parque infantil em Porto de Mós e não conseguiu ir ter connosco, por isso procurámos a primeira tasca e arrastámo-nos (pelo menos eu) para uma mesa na rua. Estava a trabalhar a vapores e precisava muito de comer bem. Felizmente aterrámos na Tasca do Chico, onde é feita a melhor bifana de Portugal, onde as médias estão à temperatura perfeita, mesmo antes de congelar, e os tremoços têm a quantidade certa de sal. Ui, pelo menos a mim pareceu-me o melhor sitio da terra.

Perfeito.
Estivemos uma boa meia hora sentados, entre comida e conversa. Coisa que nunca faria numa prova, mas que ali soube pela vida. Restabelecidos, levantámo-nos já meio perros da paragem em direcção à Serra d'Aire. Foi só cruzar a A1 para o outro lado por uma passagem aérea e começámos uma longuíssima subida de 6km e cerca de 500+ até ao ponto mais alto. Metade deste trilho não conhecia, mas foi a subida perfeita para o final. Sempre em trilho, tricotámos por entre patamares e pedras numa inclinação muito confortável, até aos 680m do pico. 

Lá em cima, no ponto mais alto.
Agora era só descer o planalto e finalmente apanhar o Vale Garcia. Foram 7 ou 8km sempre a descer num trilho muito bom, por onde já passei dezenas de vezes. Se na subida tinha tido as maiores dificuldades do dia, muito por ter comido (e bebido?) tanto em Minde, quando comecei a descer comecei finalmente a sentir-me bem e deu para acabar em grande, mais uma vez a bom ritmo.

Chegámos à pequena aldeia de Alqueidão com 65km e 2000D+ certinhos. Parecia de propósito. Foi uma chegada perfeitamente anti-climática, como sempre acontece nestas aventuras solitárias. Ninguém na aldeia sabia que aqueles dois tinham acabado de correr durante 8 horas, provavelmente não acreditariam que tínhamos saído aquela manhã de Rio Maior, a mais de 60km de distância. Pedimos água a um velhote que estava a cortar a relva no jardim e sentámo-nos num banco do largo da igreja a sorrir, sem falar, enquanto esperávamos pela Sara. Foi uma aventura e uma viagem perfeita, com todos os ingredientes que procurava!


Esqueçam as provas, não precisam delas para se motivarem. Há um mundo lá fora para descobrir e nós temos a sorte de fazer o melhor desporto do mundo. As possibilidades são infinitas, assim haja vontade e determinação. Pronto para a próxima aventura!

Link para o Strava

10 comentários:

  1. Perfeito, já tinha visto a aventura ontem, já sabes que vou roubar o track pode ser que faça a aventura, fiquei com vontade ... Grande Filipe . Abraço

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    1. Grande Joel, é só dizeres e eu envio-te. É um percurso muito engraçado, não é muito duro e tem sitios muito interessantes. É um belo programa para os feriados! eheh

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  2. Que descrição espetacular de uma grande aventura! Completamente de acordo com o que referes, as provas são apenas um acrescento ao que a corrida nos proporciona. Apesar de correr 99% das vezes em estrada, a lógica é semelhante, é só preciso ter imaginação para desfrutarmos tanto ou até mais do que em prova, uma vez que somos nós que decidimos quanto vamos correr, onde, com quem, a que ritmo e a que horas... em trail então deve ser brutal desenhar um percurso e fazer-nos “ao trilho”...

    Estou curioso para ver a aventura que se segue. Um abraço

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  3. Muito, muito bom! Tens sido um excelente exemplo de como não é a pandemia que retira a motivação e impede que alguns atletas se continuem a desafiar e superar.

    Bela forma de passar o Sábado :) Já tínhamos saudades dos teus relatos e aventuras, e foi giro ver que, de facto, não é preciso uma prova para se passar um excelente dia no meio dos trilhos!

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  4. Muito Bom :) … só me lembro da bifana, e das cervejas, e dos tremoços … ah … e o engraçado é que fizemos a mesma distância com o mesmo desnível … apenas demorei mais um bocadito :)
    Sigaaaa ...

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    1. Pois, também comeste bastante melhor que eu ehehe

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  5. Que dia verdadeiramente bem passado! E é isso mesmo, quando se quer, a vida acontece! E não são precisas provas para haver motivação, especialmente quando o prazer de Correr, da aventura, do contacto com a Natureza é o que nos move, como me parece ser também o teu caso. Beijinhos e tu...tens uma família de ouro, como certamente já sabes, que isto de dar apoio, é muito
    altruísmo, e pode ser tão ou mais cansativo que fazer a prova, ou andar lá nos trilhos a empenar o corpo :)

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  6. Que aventura! Percursos novos são sempre especiais pois é uma descoberta "nossa".

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  7. Luís Silvajunho 13, 2020

    Que aventura ;) quem sabe um dia se arranjo companhia para o fazer.

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  8. Olá. Que aventura espectacular. Tão perto, tão "caseira" mas muito interessante. Conheço a serra e esta travessia parece-me uma grande ideia.
    Seria abusar muito se pedisse o track gps?
    Obrigado.

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