As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 15 de junho de 2015

II Grande Trail das Lavadeiras (42km)

Estava muito ansioso por participar nesta corrida. Já há uns meses que tenho falado com o João Marques, um membro da organização, que me andava a contar como estava a correr a preparação. Apercebi-me do trabalho duro que estavam a ter e associei muitas vezes ao nosso Trail de Almeirim. A proposta era uma prova de montanha com 42km, na região do Baixo Mondego. À primeira vista parece uma parvoíce fazer um trail numa zona com aquele relevo. Quase tão parvo como fazer um na Lezíria Ribatejana!


Levantei o dorsal no dia anterior e fui com a família passar a noite a Montemor o Velho, a pouco mais de 7km de Granja do Ulmeiro, base do GTL. Como a partida da prova era às 8:30 achei que, ficando lá, sempre dava para dormir mais umas horas. O raciocínio era bom e válido, mas a minha rica filha achou que 4 da manhã era uma hora perfeitamente aceitável para acordar e a estratégia foi por água abaixo. 

Pequeno almoço farto tomado no hotel (quem é que resiste a buffets de pequeno almoço em hotéis?), e às 8 estava na zona de partida. Por lá andavam já os outros 36 participantes na prova longa, aos quais se juntaram cerca de 400 que partiriam mais tarde para o trail curto (21km) e caminhada. No dia anterior, em conversa com a Sara, ao aperceber-me que eram tão poucos disse: "epah, é desta que consigo um top10!!", ao que a Sara respondeu com um pfff e revirar de olhos. Mas eu estava decidido: ia fazer um brilharete nas Lavadeiras!!


Aquecimento feito (mais uma vez, parto do principio que estar especado a olhar para o relógio de 30 em 30 segundos conta como aquecimento), posicionei-me estratégicamente na recta da meta, pus a minha game face, estudei a concorrência e preparei-me para a luta. A partida foi dada em contagem decrescente e rapidamente pus um ritmo alucinante para me juntar ao grupo da frente, éramos 7, estava dentro do objectivo. Seguiu-se um trabalho psicológico brutal. Estudei cada membro do grupo ao ponto de prever ataques deste ou do outro. Respondi a todos e andei no limite das minhas capacidades. A certa altura aproximei-me da primeira posição, mas logo de seguida respondiam ao meu ataque. Foram momentos muito intensos, uma brutalidade! Aguentei-me no grupo da frente até ao limite, mas tive que ceder quando não consegui mais. Foi uma luta épica que durou... ora deixa cá fazer as contas... 200 metros! Mas, hey, foram 200 metros do caraças!

Devaneios à parte, mudei o chip para o habitual e preparei-me para encarar os restantes 42km desta maratona de montanha. A organização apontava para 1400D+ (e bateu certinho) o que, numa prova tão longa, não assusta muito. Mentalizei-me que seria relativamente rolante e apontei para ritmos entre os 6 e 6:30 min/km .

A entrada nos trilhos aconteceu ainda nem estávamos com 500 metros e os primeiros 12km corresponderam ao que imaginei: muitos single tracks corríveis, num constante sobe e desce, curvas e contra curvas. Ou seja, diversão garantida!


sobidesce sobidesce sobidesce
Chegámos aos 12km depois de percorrer um estradão (um dos muito poucos onde passámos) de 2km, ao longo de uma plantação de arroz. Lá estava localizado o 3º (!!) abastecimento. Nunca tinha estado numa prova com tantos abastecimentos/km. Com excepção de um que estava a 8km, todos os outros estavam separados por 4 ou menos km. No total foram 10 em 42km! Muito completo s, em quase todos haviam bombeiros e em todos havia pessoal muito simpático e prestável. Ah, e muito importante, estavam exactamente no quilómetro anunciado, do 1º ao último.

O vassoura Pedro Santos num abastecimento
Saí deste abastecimento com uma média perto de 5min/km e boas sensações. Estava confiante para o resto da prova e achei que ia acabar mais cedo que o previsto. Mas foi então que as Lavadeiras me deram a volta e a prova mudou completamente de cara.

Os quilómetros seguintes foram incríveis e um verdadeiro hino ao trail. O Baixo Mondego não tem muita altimetria, não tem paisagens de cortar a respiração nem subidas que se prolongam quilómetros. Mas o Baixo Mondego tem um grupo de pessoas trabalhadoras que meteram na cabeça que iam proporcionar uma grande experiência a quem decidiu confiar neles. Meteram mãos à obra e abriram literalmente quilómetros de trilhos pelos sítios mais incríveis. Duma zona completamente inacessível, com mato cerrado, eles viam um trilho super técnico de muito difícil progressão. De ravinas viam uma descida alucinante só ultrapassável com cordas. De uma parede com poucos metros eles viam o sitio ideal para colocar degraus de madeira. Passei quilómetros dobrado para não bater na vegetação que nos cobria. Usei as mãos para me agarrar em troncos e pedras para subir ou para descer sem cair. Saltei por cima de dezenas de troncos. Andei na lama (pouca), em terreno muito difícil e em terreno que mais parecia um colchão. Trilhos que se prolongavam muito tempo e quase dispensavam marcações, que estava irrepreensível em todo o percurso. Andei entre pinhais, eucaliptais, campos de cultivo... Nunca tive aquela impressão de estar sempre no mesmo sitio. Entrei em dezenas de trilhos devidamente identificados com uma placa e ligados por escassos metros de estradão. Incrível o trabalho que este pessoal ali teve!

Rolante?
Foram muitos quilómetros assim, sempre intercalados com secções em que dava para correr, sempre em trilhos. O corpo estava a ressentir-se muito desta tareia e desde o inicio que corria completamente encharcado em suor por causa da elevadíssima humidade e temperaturas a rondar os 20ºC. Por volta dos 37km, e ainda com aquela sensação de não saber bem o que me tinha passado por cima, comecei a ter cãibras. Contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que tive cãibras em toda a minha vida, mas naquela subida os músculos das pernas começaram a ceder, um por um. Daí até ao fim foi maioritariamente a descer, mas sempre por trilhos técnicos que solicitavam todo o tipo de esforços ao corpo. Era um suplicio cada vez que tinha que transpor algum obstáculo mais técnico, com os músculos a ameaçar saltar.

3000m obstáculos
Os trilhos mantiveram-se quase quase até ao fim, desembocando na recta da meta que não tinha mais que 500 metros. Cheguei lá MUITO longe do tempo que imaginava quando passei aos 12km. Cinco horas e meia (média de 8min/km!) que me valeram o 15º posto, como sempre a meio da tabela.

Top 10? AHAHAH!! Não, a sério? TOP 10?? LOL
Na meta estavam como sempre a Sara e a Mel que me receberam com um abraço. Desta vez a diferença é que também me tiveram que ajudar a andar, porque os músculos das pernas acharam que 42km tinha sido o suficiente e decidiram que não faria o percurso carro-chuveiro sem me darem um cãibra geral! C'um caraças, até nos pés tive cãibras!

Estiiiiica!
Terminámos uma excelente manhã com o saboroso almoço servido pela organização, entre conversas com algumas caras conhecidas, antes de voltarmos a Almeirim.

Não quero acabar esta crónica sem bater num ponto. É inadmissível que uma prova com a excelência desta tenha tido apenas 37 atletas na partida da distancia rainha. Todos os que estiverem a ler isto, façam um favor a vocês próprios e não falhem a terceira edição. É uma prova brutal para se iniciarem no trail. Não estou a falar daquele "trail do estradão", mas trail a sério. Feio, sujo e mau. Bem localizado, perto de Lisboa, Coimbra e Porto, com uma organização que esteve perfeita em todos os aspectos. Os meus parabéns ao João e aos restantes Lavadeiros. Foi perceptível o vosso trabalho árduo e dedicação. Da minha parte só vão ouvir elogios. Bem, elogios e eventualmente também me vão ouvir a gemer em sofrimento, é que levei uma tareia brutal!! Obrigado e até para o ano!


21 comentários:

  1. Pela fotografia da meta, diria que a tua filha ficou mais descontente com a falha do top 10 do que tu! :P
    Grande prova, Filipe, parabéns! E, pelo que descreves, vale a pena conhecer.

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    1. É verdade, escondeu a cara de vergonha. Estou sob uma pressão familiar intensa eheh

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  2. Acho que a malta só liga às ultras e a esta faltaram ali uns metros para chegar a ultra...mas eu fiquei com vontade de ir....

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  3. Eu ainda pensei em ir. Juro que pensei! Claro que à distância mais curta... Mas pronto como não tenho ténis sequer de trail tirei o pensamento da cabeça, ainda me falta 1/2 provas importantes para acabar a época e depois talvez faça qualquer coisa :)

    Parabéns por aquele 200m, acredito que tenham sido épicos :p Mas no golbal foi uma boa prestação. Eu continuo a acreditar, que tu poderás dar um bom atleta no mundo do trail :)

    Abraço!

    PS: Epa as medalhas das provas de trail são sempre tão giras :D

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  4. É pena que numa prova 5 estrelas, com tudo perfeito, e tão poucos.
    Corri os 42 K, tive cãibras aos 30, mas com os apoios no sítio certo, trilhos incríveis, tinha que concluir (mas foram 6h18m).
    No final, massagem e hoje dia normal de trabalho.
    Para o ano lá estarei.

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    1. Só falhei a massagem, e bem arrependido fiquei! Parabéns pela prova, até à próxima!

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  5. Para ser sincero, nem sequer tinha conhecimento desta prova, é que são tantas que a gente nem sabe bem para que lado se virar. Mas acredito que com esta tua crónica, a prova entre na lista de mais pessoas, e para o ano tenham um pelotão mais composto como parecem merecer.
    Olha, para mim teria sido uma excelente oportunidade de entrar no TOP 50 :):)
    Parabéns por mais uma.
    Abraço

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    1. É verdade, levanta-se uma pedra e saem de lá 3 trails.. mas acho que mais cedo ou mais tarde vai haver uma triagem. Por mim desapareciam todos os "trails de estradão" e ficavam este tipo de provas eheh

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  6. Parabéns pelo esforço!
    E obrigada pela partilha da experiência. É aqui tão perto.. Fiquei com vontade de ir para o ano ;)

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    1. A certa altura vi aquilo como uma espécie de "mini Abutres" (sim, estive a ler a tua crónica, parabéns! eheh)

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    2. Por isso mesmo é que me deu vontade de lá ir. E olha que se tivesse ido este ano, talvez ficasse nas primeiras. Com tão poucos participantes, de certeza que havia pouquíssimas mulheres... ;)

      (Já vi o teu comentário, obrigada pela visitinha!)

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  7. Sempre achei que esta prova poderia ter "algo". Olhando para os cartazes percebes que a coisa tem boas energias. Até o nome, acho o máximo!
    Por vezes, as pequenas provas podem ser autênticos martírios.
    Parabéns!

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  8. Tomei conhecimento deste prova o ano passado e por culpa da RBR :)

    Sim, ela adorou o cartaz :)

    E sim, pelo semples facto de teres uma medalha com umas cuecas num estendal já merece lá ir, o resto é secundário!

    Também acho que se colocassem mais 2 km e o nome de Ultra isso passava a ter o triplo de participantes.

    Se eu corresse até ía, hmm,, tenho um ano para aprender...ainda agora gatinho.

    Nem sabes a sensação de velocidade, de disputa, o suor, o drama, o horror, a luta, que passou para quem leu o teu relato, a sério, esses 200 metros foram épicos!

    abraço

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    1. Aquela cueca tipo avó parte-me o coração!
      Adoro!! É verdade!

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    2. Anabela, tenho a certeza que ias adorar esta prova! Para o ano tens que equacionar, se arranjares um buraquinho no teu calendário internacional ehehe

      Por acaso nunca tinha associado a falta de pessoas ao facto de ser "só" uma maratona...acho isso mais parvo ainda :\ Prefiro muito mais uma boa prova de 30km que um de 50km só para encher e ser ultra.

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    3. Sempre tive um bom feeling com este trail. No ano passado cheguei a estar inscrita, mas na última hora não consegui ir. Depois deste teu relato, é claro que vai ficar na agenda 2016.

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  9. Deve ter sido uma boa sova, até tivestes direito a caimbras!

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  10. Que emoção ler o relato dessa tua luta de... 200 metros, eh eh eh

    Parabéns pela prova e por mais uma prenda a cortar a meta :)

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    1. Mais uma vez, classificação de dois digitos :) (ok, no escalão até só tem 1, mas esse não conta ehehe)

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  11. Porra Filipe!!!
    Dá para emoldurar este texto?
    É, como sempre, um relato que nos faz viver cada metro que percorres... mas este, como me diz respeito, trouxe-me sensações ainda mais reais.
    Ler este teu reconhecimento faz com que valha a pena tudo o que se passou nestes últimos meses de trabalho...
    Obrigado Filipe.

    Grande Abraço

    p.s. - já pensaste em escrever guiões de filmes de "suspense"? :D

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  12. Que belo depoemento.
    Obrigada atleta. O que importa é chegar, correr e atravessar a meta, e o meu querido amigo, fez mais que isso, teceu um louvor ao GTL com uma descrição tão perfeita do que sentiu e viu, durante todo o percurso, que me comoveu. Obrigada.
    Parece que corri consigo e consigo senti cada caimbra, cada dor e também a chegada à meta, ganhando o abraço lindo da sua filha amorosa...
    Estive num ponto de abastecimento, não consegui ver a chegada dos atletas....mas onde estive, tive sempre uma palavra de apoio a cada atleta, que bem a merecem.
    Sim, sem vocês nada seria possivel.
    Por isso todo o trabalho feito pelo GTL é realizado a pensar em vós e há-de melhorar a cada ano, e há-de ser mais perfeito, porque os atletas que vêm a esta prova merecem tudo isso.
    Sem vocês não haveria prova, nem GTL...nem coisa nenhuma.
    E como seria triste.
    Voltem sempre...esperamos por todos.
    Abraço, por tão bela declaração. Já tenho saudades de um dia que também quis ser atleta e correu veloz, como nenhum outro...passou depressa...de facto o tempo voa e para o ano há mais ...
    Perdoem alguma falha....
    GRANDE ABRAÇO a todos os intervenientes deste projecto, mentores e concorrentes. Já sinto saudades daquele almoço. Obrigada
    Rosa Maria

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