As minhas corridas na estrada

quarta-feira, 3 de julho de 2019

UTSF - A minha opinião da prova

Se leram a crónica que fiz sobre a minha participação no Ultra Trail Serra da Freita perceberam que em quase nenhum lado teci comentários sobre a minha opinião da prova em si. A ideia era separar a experiência fantástica que tive, as dificuldades, a história e recordações que ficam do que achei do percurso e da prova no geral. Pois bem, neste texto vou comentar o que achei da Freita.

Começo com um cliché: a Freita é a Freita, que é como quem diz, a Freita é uma prova única. Uns dias antes de partida ouvi o Moutinho no X-Trail Forum e fiquei encantado pela maneira como ele descreveu o processo de criação do percurso. O Traçador, como ele se intitulou, explicava que na prova haviam sítios obrigatórios para passar, o grande trabalho seria a maneira de os interligar de forma a melhorar a experiência. Chegou a falar em números. Por exemplo: depois de passar por uma subida que exigisse 80% de esforço, seguia-se uma secção para compensar, com 40 ou 50% de esforço. Adorei a justificação para a nomeação de certos trilhos, acho isso uma excelente ideia. A Besta, as Almas Penadas, as Escadas do Martírio, a Escarpa, Bradar aos Céus, o Rio, etc.... Quem, no mundo do trail, não conhece estes nomes? É impossível para quem lá passa não identificar imediatamente os locais e, principalmente, as sensações em cada um dos segmentos. Isso não aconteceria se disséssemos "aquela subida ao km 64", ou "aquela descida que vai dar à Pena".

Mas a coisa mais importante que ficou daquela "entrevista", e que é a principal característica da prova, foi quando ele explicou que quem participa na distância Elite tem que perceber que vai passar por uma experiência única. Vai, literalmente, ter que sofrer para cumprir o percurso e é tão meritório aquele que o faz em 14 como em 28 horas, porque o traçado é pensado com um único objectivo: lentamente devorar-nos até que não reste nada.

Nesse aspecto o UTSF - Elite é perfeito. É, de facto, um percurso que passa em sítios fantásticos, incrivelmente exigente e imagino que perfeitamente à imagem do que o seu Traçador pensou. A isso alia muito boas marcações, excelentes e bem distribuídos abastecimentos, cortes apertados (como acho que devem ser) e um ambiente único.

Quem conhece o meu percurso sabe que eu não fujo da dificuldade. Se fosse esse o caso não faria provas como a Mitic, o X-Alpine ou 5 vezes o MIUT (ainda há uns dias li alguém a dizer que o MIUT é para meninos...não brinquem com coisas sérias). Não, não tenho medo da dificuldade. Mas não escolho provas de ultra endurance, as de três dígitos, cuja principal característica é serem difíceis. Não fico entusiasmado quando alguém me diz que uma prova tem 60% de desistências. Encolho os ombros quando dizem que aquela é A mais dura. Não quero, de maneira nenhuma, entrar numa prova com o único objectivo de sobreviver e percorrer 100km desconfortáveis e a gerir dores.

Eu adoro a Serra da Freita e a Serra da Arada, onde passa o percurso da UTSF. Adorei alguns dos segmentos, são até dos melhores que já fiz, como o Rio ou a Besta. Acredito piamente que teria gostado muito da versão antiga, dos 70km. Mas, com alguma desilusão minha, enquanto a versão Elite tiver 100 ou mais km esta foi a primeira e única vez que fiz o Ultra Trail Serra da Freita.

Boa sorte a todos os que lá forem, têm o meu respeito!



4 comentários:

  1. Nada tens a provar a ninguém, ponto. E felizmente todos temos a liberdade de escolher. Abraço

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  2. Filipe, como sempre com todo o pragmatismo, fazes o enquadramento perfeito. Há muitas provas que têm inumeros pontos positivos, mas...
    Todos sabemos que quem anda no trail vai às provas para "dar o litro" com o "sofrimento" que isso implique, mas fará sentido organizar provas para metade das pessoas desistir, dado os níveis de sofrimento? Ainda poderemos chamar a estas provas desporto? Na minha humilde opinião o equilibrio nos traçados é fundamental. Há uns dias fiz o Oh Meu Deus (55 Km) e (apesar de algumas lacunas), no que concerne ao traçado destacaria-a como um bom exemplo de prova equilibrada!
    Abraço
    Nuno Carrasco (Clube de Fans do 42)

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  3. Perdoa-me se me vou meter onde não sou chamada, mas também já me "deste na cabeça", porque quem está de fora vê sempre as coisas de forma diferente e, por vezes, vê o que nós não vemos.

    Só te quero perguntar uma coisa: se não tivesses tido aquele susto do sangue, e todo o impacto brutal que isso teve no teu estado psicológico e na forma como geriste a prova a partir daí, a tua opinião seria a mesma? Tu não entraste naquela prova para sobreviver e fazer 100km a sofrer e gerir dores. Tu treinaste, com um foco e uma dedicação incríveis e que não conheço em mais ninguém, para fazeres uma excelente prova. Tiveste um percalço. Ponto.

    Se não queres mesmo voltar a fazer uma coisa destas, é como diz o Perneta, não tens nada a provar a ninguém e és livre de escolher. Mas que nunca seja por culpa de uma prova em que uma mera questão fisiológica (que virou psicológica) te deitou abaixo.

    Mas claro que percebo o que dizes quando falas de certas provas e de como se apregoa a exigência e dificuldade das mesmas... Há coisas que são só tontas!...

    Olha, faz o que te apetecer. Faz o que te fizer feliz. Mas não duvides das tuas capacidades, ouviste? :)

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  4. Fico a aguardar a tua opinião da Barkley... ;)

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