Passaram mais de dois meses desde a ultima vez que fiz uma prova, a Arada Night Race. Na semana seguinte tive a minha habitual (e justificada) quebra anual. Logo a seguir à prova fiquei com febre durante uns dias e demorei umas semanas até me sentir bem novamente. A coisa bateu certa com o meu plano de abrandar um pouco nos meses de Julho e Agosto e preparar o segundo semestre de provas como deve ser. Assim foi, continuei a treinar todos os dias mas com menos intensidade e, devagarinho, foram voltando as boas sensações. As pernas foram ficando mais leves, a velocidade estava a aparecer e sentia-me cada vez melhor a subir. Chegado a meados de Setembro já só tinha uma coisa em mente: voltar a correr com dorsal!
Frecha da Mizarela, foto da organização. |
Eu adoro correr em provas. Adoro competir! Mas, atenção, não quero dizer que vá para as provas com a ilusão de discutir pódios, muito menos a vitoria. Não, sei bem o meu lugar. Quando, muito esporadicamente, acontece, é porque a concorrência também não é enorme. Mas uma coisa ninguém me tira, que é chegar ao fim com a consciência que dei tudo o que tinha, desde o primeiro metro! Foi por isso com níveis de ansiedade fora do normal, motivados pela ressaca de voltar a ter essas sensações, que me apresentei em Felgueira, no meio da Serra da Freita, para a minha terceira participação da espetacular Freita Sky Marathon (FSM).
Partida, na Eira d'Além. Foto da organização |
Em 2017, na primeira edição, descrevi o inicio da FSM como fofinho. São 17km com cerca de 800+, percorridos em trilhos pouco técnicos, misturados com 2 ou 3km de estradão e umas poucas levadas que obrigaram a saltitar e a ter algum cuidado extra. Claro que só é fofinho se formos com pouca intensidade. Parti cheio de vontade e fiz os 17km sempre perto do limite, subidas a trote e descidas a arriscar. Cheguei à aldeia de Berlengas, início da primeira grande subida, com média de 5'40''/km!
É ali por volta dos 17km, depois da descida abrupta, que realmente começa a prova. |
Nas Berlengas começamos a primeira das duas grandes subidas, cada uma com 800+, a primeira em 5km e a segunda em 3. Gosto mais da primeira. Começa por percorrer um trilho muito técnico e inclinado depois da Cascata das Porqueiras (trilho esse feito a descer no UTSF, que tanto trabalho me deu), depois acalma um pouco mas continua embrenhado no bosque até chegar à aldeia da Lomba, onde havia um abastecimento. Aí a subida começa uma segunda fase, esta em paisagens graníticas, sem trilho, mesmo como eu gosto! Com passagens muito técnicas entre maciços de granito enormes, pedaços bons para trotar e outros mais trabalhosos, quase sem darmos por isso já estamos perto da cota 1000 e a percorrer os 2km de planalto antes de começar a descer de novo o Vale Mágico, de volta a Lomba.
Cascata das Porqueiras, sacado do Google. Claro que não tirei nenhum foto...... |
Seguindo a máxima de ir aumentando a dificuldade ao longo do percurso, a descida é técnica QB. Um trilho brutal na encosta do vale, com muita pedra (xisto) e a requerer atenção constante. Nova passagem pela Lomba a meio da descida e siga para o fundinho do vale, onde um pequeno e fresco ribeiro, no qual praticamente tomei banho, marca o inicio do KV da Freita.
Seguia-se a segunda grande subida, com o mesmo ganho de elevação da primeira mas com cerca de metade do comprimento. Em que é que isso se traduz? Pois claro: inclinação com fartura!
Nesta já não há cá patamares para trotrar ou trilhos variados, é apontar pra cima, cabeça baixa e toca a trabalhar! A parte final é coincidente com o famoso trilho de Bradar aos Céus do UTSF, onde ainda há poucos meses penei como um cão. Foi precisamente aqui que tive a minha pior fase nesta FSM. A parte final, feita debaixo de um calor considerável e num trilho xistoso muito exposto, aqueceu como um forno. Comecei a entrar em desequilibro, a transpirar e a beber muita água, com as pernas a perderem forças e a respiração descontrolada. Foi com muito esforço que voltei a meter o trote no estradão ligeiramente a subir já perto do Pico da Gralheira.
Radar meteorológico no Pico da Gralheira. Do Google, pois claro. |
Estavam cumpridos 34 dos 42km. Quase no fim, dizem vocês. Pois bem, na verdade é este ponto que, para mim, marca o meio da prova!
Ia entrar agora na fase decisiva da FSM. Seguiam-se 4 rounds de uma luta intensa, 4 etapas distintas que, tal como é apanágio desta prova, aumentam gradualmente de dificuldade até ao final!
Round 1
Depois de 2km de descida fácil, durante os quais dá para abrir a passada e as pernas começam a desabituar da pressão, uma pequena, mas inclinada, parede de 100+ separa-nos de Cabaços. O desconforto enorme de trocar as pernas de descida pelas de subida é atenuado pela chamada da Sara, que me liga a dizer que está em Cabaços com os miúdos à minha espera.
Foto da Sara, com a Mel lá atrás, a chegar ao controlo de Cabaços. |
Round 2
Mal saímos de Cabaços entramos no infernal PR7. A descida para a base da Mizarela é feita a 4 apoios e constantemente a pensar no passo seguinte. Na base da cascata saltitamos por enormes pedras de granito e voltamos e enfiar-nos no mato para uma parede escalada no meio de raízes e terra preta. O round acaba com uma seta à esquerda e a entrada num balcão que nos dá uma assombrosa vista para a Frecha da Mizarela, este ano com um caudal considerável de água!
Foto do ano passado, na base da Mizarela |
Round 3
Agora seguimos completamente embrenhados no PR7. Uma descida suicida enfia-nos no vale onde corre a água da Mizarela. Constantemente a ter que saltar balcões de pedra, num trilho onde os bastões só atrapalham. Tomo um gel a meio da descida já a pensar no round final, mas sinto-me bem. A Sara disse-me em Cabaços que seguia em 10º, o que me surpreende. Não estava à espera de estar tão bem! Desde o km vertical que não via ninguém à frente ou atrás, por isso subir posições estava fora de questão, mas ia dar tudo para manter a que ocupava! O tempo de prova também estava com bom aspecto, um bocadinho menos de 6 horas quando comecei a subida final. Se tudo corresse normalmente chegaria bem antes das 7 horas, mas ainda falta aquela ultima parede...
O PR7, tirado do Google. Dá para perceber bem o tipo de terreno. |
Aí estava ela, a 2km da meta, a parede final. No papel nem parece grande coisa, tem apenas 800m de comprimento. Mas são os quase 300m de subida, com inclinações que chegam bem acima dos 35%, numa fase tão tardia da prova, que a tornam implacável. É toda feita numa crista completamente exposta, que nos deixa ver do primeiro ao ultimo metro da subida. Meti bastões a trabalhar e icei-me por ela acima, sempre no limite, a escorrer água. Pelo canto do olho vi o 11º e logo a seguir o 12º a começar a subir, levava uns 7 ou 8 minutos de vantagem. Era pouco, o 12º estava com um grande ritmo e tinha ganho uma posição, qualquer hesitação minha e era virado também! A parte final foi toda feito no limite! Com as pernas a ameaçar ceder bebi os dois últimos goles de água que tinha e estava a poupar para aquele ponto. Com um grito virei a subida e debrucei-me sobre os joelhos por não mais que 10 segundos. Rapidamente desmontei os bastões e, sem olhar para trás, lancei-me à descida!
Estava feito! A descida passou sem incidências, 6h33 depois estava de volta a Felgueira. 33 minutos a menos que o passado e mais de uma hora a menos que 2017! Segurei a 10ª posição mas, acima de tudo, foi aquela adrenalina brutal de ter conseguido cumprir o plano que me deixou nas nuvens. Ao analisar a actividade no Strava percebo que bati os records pessoais nos 12 segmentos onde passámos. A sensação de trabalho recompensado é impagável, treinei muito para conseguir estar nesta forma e é espetacular colher os frutos!
Já tinha saudades de ler um relato teu :)
ResponderEliminarMuito bom! Que grande prova! Que prestação incrível! Muitos parabéns! Fizeste mesmo um tempo espectacular e acredito que dê um gozo especial ver essa evolução tão grande com o passar dos anos :)
Aquilo que sinto ao ler os teus relatos é que dás mesmo tudo... E isso é espectacular!
Que a boa forma se mantenha e que continues a descrever as tuas aventuras :)
(a foto com a Mel está mesmo gira!)
Obrigado, Inês! E eu estava cheiinho de saudades de os escrever eheh É o problema de não ter jeito nenhum ou imaginação para escrever, além de descrições. Se não for isso nunca cá venho!
EliminarMuitos parabéns por mais uma grande prova! E esta com a ajuda do Goggins ;)
ResponderEliminarIsso está sempre! Lembro-me sempre daquela do "everyone quits at 40%!" e depois dou mais um bocado ehehe
EliminarUAU!!!
ResponderEliminarEstás numa forma brutal!
Ca espectáculo!
Muitos parabéns pelo tempo incrível e pela classificação excelente.
Beijinhos e abraços nossos
Obrigado, Isa! Há tempos que não vos vejo.. 20km?
EliminarDe Almeirim? Vamos rolar aos 10 km porque na semana anterior iremos a Abrantes;)
EliminarE mereces bem colher os frutos! Muitos parabéns!
ResponderEliminarMuitos parabéns! Brutal! 33 minutos menos do que 2018 e mais de uma hora de 2017!!!! Até onde chegarás?!?
ResponderEliminarComo sempre, os teus textos são muito bem descritos, minuciosos e empolgantes.
Grande abraço e força para os próximos desafios
Obrigado, grande João! Essa parte realmente dá-me muito gozo, mas também sei que a evolução eventualmente vai estagnar e começar a decair. Vamos ver como lido com isso na altura..
EliminarGosto tanto de partilhar os trilhos contigo.
ResponderEliminarGrande beijinho p ti e para a tua família que te acompanha nas aventuras.
❤❤
Eu também, até a momento em que disparas a meio de um km vertical e deixo-te de ver em meia duzia de minutos ehehe
EliminarMuito bom. Finalmente o regresso às provas e a estes relatos fantásticos.
ResponderEliminarGrande abraço, e boa recuperação.
Fantástico Filipe!!! Os meus parabéns e a minha admiração - mereces muito isto tudo porque trabalhas muito para o conseguir - admiro a tua força de vontade, adoro ver a família toda a apoiar esta "maluqueira", e não me refiro apenas ao dia, refiro-me a todos os dias, ao esforço que fazes para lhe roubar o mínimo de tempo possível - isso não é nada fácil de gerir e por isso tudo os meus parabéns a toda a familia. Fico mesmo muito feliz por ti!!! Tás um maquinão!!! Aquele abraço e boa recuperação
ResponderEliminarEssa parte realmente tem muito que se lhe diga.. Arrisco a dizer que o fim de semana foi mais duro pra ela do que pra mim! O sacana do Manel só faz porcaria, dão cabo da cabeça dela.. Ao fim do dia estava mais cansada que eu! Muito obrigado e espero voltar a encontrar-te em breve nos trilhos!
EliminarNão tenho dúvida nenhuma :)
Eliminar"A sensação de trabalho recompensado é impagável, treinei muito para conseguir estar nesta forma e é espetacular colher os frutos!"
ResponderEliminarE é isto, queres, trabalha!
Mais claro e justo que isto é impossível.
Estou com o Carlos nesta (shiuu, não contes ;)) mas também já o referi várias vezes antes, a maneira como a família leva isto tudo é muito bom.
Parabéns a todos, em especial à Sara, a maior parte do esforço é dela, tu só corres ahahaha
Grande abraço
Este fim de semana, especialmente.. Não é fácil, há dias que são mesmo difíceis. Eles adoram estar presentes e eu obviamente que também, mas, como dizia ao Carlos, a Sara ficou mais cansada durante o dia do que eu!
EliminarFilipe grande descrição da prova, foi a minha estreia numa prova longa e acredita custou-me muito. Não conhecia a parte final da prova e arrisquei tudo até ao km 30, lógico paguei a factura no final. Já disse que não a repetia mas acho que vou ter que voltar atrás com a palavra e voltar a tentar, o teu relato já deu frutos ����.
ResponderEliminarJá agora aproveitei para ler o teu relato da prova para a minha piolha e sabes a melhor?? Conseguia adormecê-la hehehehe������